Dona de um dos maiores efetivos militares do planeta, a Rússia esperava uma vitória relâmpago; o que não ocorreu. Pelo contrário, o presidente Vladimir Putin viu os vizinhos ucranianos unindo-se em torno do desejo de resistir à invasão. Do outro lado, o líder ucraniano Volodymyr Zelensky foi bem-sucedido em angariar a simpatia do Ocidente à causa ucraniana, com visitas constantes a países da União Europeia para costurar apoios.
Um ano depois, ainda é difícil responder quem está ganhando. Segundo especialistas ouvidos pelo O POVO, a resposta é relativa. O saldo de mortes sugere uma derrota mútua e que na guerra não há vencedores. Estimativas de entidades independentes apontam que a guerra já soma 180 mil mortos ou feridos do lado russo e 100 mil do lado ucraniano; sem contar dezenas de milhares de civis ucranianos mortos, que passariam de 20 mil. Os números são estimados porque ambos os países não divulgam balanços confiáveis de suas perdas.
Outro indicativo de que a paz não está próxima é que as negociações falharam durante todo o ano passado. Os russos são irredutíveis quanto à aproximação da Ucrânia com organizações ocidentais, sobretudo com a Aliança Militar do Norte (Otan). A Ucrânia segue exigindo a saída dos russos de todos os seus territórios, incluindo a Crimeia anexada em 2014. O que vai na contramão do que Moscou fez durante 2022, ao tomar mais territórios.
Flávio Pedroso Mendes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), avalia a persistência do impasse e diz haver uma estratégia de aumento do poder de barganha. “Sem a mudança do regime ucraniano, a guerra só pode acabar com um acordo de paz, e é disso que se trata hoje: os dois lados buscam maximizar ganhos, de forma a aumentar o poder na mesa de negociação e garantir um acordo mais favorável”.
Segundo Mendes, a ausência do acordo é ainda um indicativo de que russos e ucranianos “acreditam ser capazes de melhorar a situação estratégica na guerra para forçar o adversário a aceitar um resultado menos favorável no futuro”. O professor não descarta a possibilidade de uma nova ofensiva russa, sobretudo com o fim do inverno, e com anúncios de mobilização de cerca de ao menos 300 mil novos soldados para combater na Ucrânia.
No início deste fevereiro de 2023, autoridades ucranianas alegaram que os russos estariam preparando uma ofensiva para o aniversário de um ano da guerra. Um eventual ataque nesta data teria ainda o simbolismo pela proximidade com o Dia do Defensor da Pátria, feriado comemorado em 23 fevereiro para celebrar os que servem ou serviram às Forças Armadas.
Iago Caubi, pesquisador em relações internacionais vinculado ao Laboratório de Sistemas de Informações Geográficas (GIS-UFRJ), reforça que as narrativas da guerra são relativas. “Há vitórias e derrotas de ambos os lados. Para o lado ucraniano, uma vitória é a manutenção do governo de Zelensky e da sua popularidade. A Rússia não esperava que ele se manteria e que teria a capacidade de comunicação para angariar os apoios internacional e interno que mantiveram a Ucrânia resistente”.
Em contrapartida, destaca que a Rússia conseguiu adiar a eventual entrada da Ucrânia na Otan e na União Europeia, além de anexar parte significativa do território. Caubi projeta “uma grande movimentação” russa com o fim do inverno e destaca que com a proximidade do ano eleitoral (2024), Putin deve utilizar vitórias na guerra para “ganhar capital político”.
Sem vislumbrar um tratado de paz imediato, diante do que está posto atualmente em termos de negociação, o pesquisador avalia que as atuais exigências mínimas colocadas na mesa de negociação são “inegociáveis para ambos os lados”. Flávio Mendes, da UFU, destaca ainda que o objetivo dos russos foi atingido independentemente do resultado concreto da guerra, com a não adesão da Ucrânia em organizações ocidentais.
No caso ucraniano, mesmo diante de um eventual cenário mais favorável, Mendes diz que as perdas serão inevitáveis. “Concessões serão feitas, provavelmente territoriais e não territoriais, ainda que minimizadas. A Ucrânia terá que reconhecer que, sendo um país médio e vizinho de uma potência regional, sua liberdade de ação nunca será absoluta”.
Pela primeira vez desde a Crise dos Mísseis em Cuba, o mundo corre o risco de um apocalipse, alertou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, há alguns meses. Um ano após a invasão russa da Ucrânia, esse perigo ainda existe?
Poucos dias depois de atacar a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou a mobilização das forças nucleares. Washington classificou o anúncio de "perigoso" e "irresponsável" e advertiu Moscou sobre as "consequências catastróficas" disso.
Em outubro do ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que, pela primeira vez desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962, o mundo corre o risco de um apocalipse nuclear. A Rússia manteve suas ameaças, levantando temores de que Putin estivesse disposto a levar ações nucleares adiante e, assim, desencadear o apocalipse.
"Não vimos um anúncio público dos russos sobre um estado de alerta nuclear elevado desde a década de 1960", disse a diretora de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, Avril Haines.
A guerra na Ucrânia se tornou sinônimo de terrível sofrimento e destruição, mas também de extrema bravura e solidariedade sem precedentes. O POVO selecionou 10 imagens emblemáticas que contam a história dos primeiros 12 meses do conflito.
A invasão russa da Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022, mudou a vida de milhões de pessoas. Três ucranianos contaram o que estavam fazendo naquele dia e como seu destino mudou desde então.
Um ano após o início da invasão russa da Ucrânia, o balanço é devastador: dezenas de milhares de mortos, milhões de refugiados e deslocados internos, cidades bombardeadas, uma economia em colapso.
Com seus tanques da era soviética e suas trincheiras, a guerra na Ucrânia parece ocorrer em outro século, mas contribui, segundo especialistas, com lições para futuras disputas bélicas. Uma grande quantidade de armas, alta tecnologia e inteligência artificial são fundamentais.
A Rússia sofreu uma grande perda de poder militar, incluindo grande parte de seu equipamento de guerra mais recente; a China implementou um aumento de gastos sem precedentes, e a Otan foi revigorada pela guerra na Ucrânia, de acordo com um relatório divulgado nesta quarta-feira (15).
A publicação da edição de 2023 do balanço militar do International Institute for Strategic Studies (IISS) ocorreu quase um ano após o início da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
O exército russo compensou as perdas humanas das primeiras fases da invasão com o alistamento de recrutas, mas isso resultou na chegada de soldados menos experientes, observa o IISS.
O instituto também observa uma mudança na composição da frota blindada russa. Quase metade de seus tanques T-72B3 e T-72B3M e muitos de seus T-80 foram perdidos, então o exército russo teve que colocar veículos mais antigos em serviço para compensar essas perdas.
De acordo com o IISS, a Rússia também perdeu entre 6% e 8% de suas aeronaves de combate tático, mas as perdas chegam a 10-15% para alguns tipos de aeronaves.
A Ucrânia tinha menos aviões de combate e sofreu perdas proporcionalmente maiores, aponta o relatório, estimando que as forças armadas ucranianas perderam cerca de metade de seu estoque de aeronaves táticas de combate.
Com o estoque de armas da era soviética esgotado, o fornecimento de armamento terrestre de países ocidentais para a Ucrânia está transformando seu exército e aumentando suas capacidades. Enquanto isso, seu estoque é reforçado por um fluxo de tanques da era soviética de países do leste europeu, que estão substituindo as armas antigas por equipamentos mais modernos.
Cerca de 20 países também anunciaram aumentos imediatos ou de longo prazo nos gastos ou metas de gastos com defesa, enquanto a Otan, à qual a Suécia e a Finlândia agora desejam ingressar, recebeu um novo impulso.
Ao mesmo tempo, a modernização do exército chinês é o "principal motivo de preocupação" para os Estados Unidos, segundo o IISS, que observa que o aumento de 7% no orçamento de defesa em 2022 em relação ao ano anterior é o maior em termos absolutos na China.