No dia 17 de março de 1823, Fortaleza foi reconhecida como cidade. Até então uma vila, recebeu o novo status com a denominação de "Cidade da Fortaleza da Nova Bragança", nome pomposo que se perdeu com o tempo, substituído pela versão simplificada.
A ato de elevação da vila a cidade coube ao então imperador dom Pedro I. A decisão que completa 200 anos foi decorrência do processo de independência do Brasil, no ano anterior. Em retribuição pela adesão das províncias à separação de Portugal, ele decidiu elevar todas as vilas que eram capitais à categoria de cidade.
"(...) tendo-me dado as Provincias, de que se compõe, grandes e repetidas provas de amor, e fidelidade á minha augusta pessoa, e de firme adhesão á causa sagrada da liberdade, e independencia deste Imperio, cada uma segundo os meios, que lhe ministram sua população, e riqueza", justificou o imperador, conforme a grafia da época.
"(...) em memoria, e agradecimento de tantos e tão relevantes serviços, que ellas têm, concorrendo todas para o fim geral de augmento, e prosperidade desta grandiosa Nação", prosseguia na carta imperial.
Na mesma época, outras vilas que também eram capitais de províncias e passaram à condição de cidades foram: Recife (PE), Natal (RN), Ouro Preto (MG), Desterro (SC), atual Florianópolis, e São Cristovão, à época capital de Sergipe.
Aquela Fortaleza estava bem longe da condição do que hoje é uma das maiores cidades do País. Era formalmente a capital de uma província que bem recentemente ganhara autonomia. Até 1799, o Ceará era capitania subalterna a Pernambuco. Havia 24 anos que a autonomia administrativa havia sido conquistada. Essa mudança foi determinante. O Ceará passou a dispor de governantes próprios, nomeados pelo rei, e teve permissão para o comércio diretamente com a metrópole e as colônias portuguesas na África.
O próprio Ceará tinha importância periférica no Brasil e mesmo em âmbito regional. Ainda não se usava a terminologia Nordeste, mas as capitanias de Pernambuco, Bahia ou Maranhão eram muito mais relevantes do ponto de vista econômico, político, cultural e histórico.
Mesmo na própria província, embora fosse capital, Fortaleza não tinha a importância de vilas como Icó, Aracati e Sobral. Isolada no meio de um litoral árido, o local era pouco propício a atividades econômicas e à presença humana.
Naquele começo de século XIX, a vila, alçada a cidade, era composta de poucas ruas de piso arenoso, que circundavam o forte e se limitavam à margem esquerda do riacho Pajeú. A propósito, a fortificação que dá nome à cidade havia tido várias versões, na Barra do Ceará e nas proximidades do Pajeú. Até 1812, tratava-se de uma estrutura precária, que aproveitava a areia do terreno como parede no lado voltado para o mar. Do lado oposto, era composta por estacas enfiadas em chão frouxo. Tal era a edificação de referência da capital. Só em 1812, na década anterior à elevação a cidade, Fortaleza ganhou um quartel de pedra, tijolo e cal, e não mais de areia e estacas.
A edificação era um marco e um diferencial, visto que a então vila não possuía sobrados, já numerosos em Aracati e presentes em Icó.
O visitante inglês Henry Koster, que visitou Fortaleza entre 1810 e 1811, estimou, ainda que de forma imprecisa, que o lugar teria em torno de 1,2 mil habitantes.
As primeiras estimativas populacionais consistentes demorariam quase meio século após a elevação a cidade. Viriam com o censo de 1872. Naquela época, Fortaleza contabilizava 42.458 habitantes. A título de comparação, a população do bairro Aldeota é hoje estimada em 46,7 mil pessoas. Bairro mais populoso de Fortaleza, a barra do Ceará tem projeção de uma população de 79,8 mil. Na época, o número de habitantes da capital era próximo ao que tem hoje o município de Itarema, no litoral oeste.
O censo seguinte foi em 1890 e o que se verificou foi que a população de Fortaleza diminuiu em duas décadas — o período da temível "Seca dos Três Setes", em 1877, 1878 e 1879, e no qual houve devastadora epidemia de varíola.
A partir de meados do século XX, deu-se a explosão urbana. De 1940 a 1980, a população teve crescimento de pelo menos 50% por década. Proporcionalmente, o maior aumento ocorreu ao longo da década de 1950, quando a população cresceu 90,5% e chegou a 514,8 mil habitantes em 1960. Em números absolutos, o maior aumento foi ao longo da década de 1970. A população passou de um milhão de habitantes naquela época e teve o incremento de 466 mil pessoas.
Pelos dados preliminares do Censo de 2022, são atualmente 2.596.157 habitantes. O crescimento foi de 5,87% em relação ao Censo de 2010. Foi o menor crescimento percentual da população de Fortaleza desde o censo de 1890, aquele em que a população diminuiu.
A vila no começo do século XIX
"A Vila de Fortaleza do Ceará é edificada sobre terra arenosa, em formato quadrangular, com quatro ruas, partindo da praça (...) As casas têm apenas o pavimento térreo e as ruas não possuem calçamentos, mas, algumas residências, há uma calçada de tijolos diante. Tem três igrejas, o palácio do governador, a casa da Câmara e prisão, alfândega e tesouraria. Os moradores devem ser uns mil e duzentos". Essa é a descrição do que era a vila no começo do século XIX, feita pelo viajante inglês Henry Koster, que visitou o local na passagem de 1810 para 1811.
Com ruas arenosas, era comum viajantes se queixarem de terem as pernas açoitadas pela areia quente sob o sol levada pelo vento.
Koster não parece ter ficado muito impressionado. "Não é muito para compreender-se a razão de preferência dada a este local. Não há rio nem cais e as praias são más e de acesso difícil". Escreveu ainda: "Os edifícios públicos são pequenos e baixos mas limpos e caiados".
O inglês não projetava as melhores perspectivas. "A dificuldade de transportes terrestres, particularmente nessa região, e falta de um porto, as terríveis secas, afastam algumas ousadas esperanças no desenvolvimento de sua prosperidade". Tinha dúvidas sobre as perspectivas econômicas. "O comércio do Ceará é limitado e, provavelmente, não tomará grandes impulsos".
A falta de chuvas já era um flagelo notável. "A seca fora tamanha que a fome já ameaçava, e a miséria seria excessiva se não houvesse chegado um navio do sul carregado com farinha de mandioca".
Apesar de tudo, o inglês guardou alguma menção de elogio. "Não obstante a má impressão geral, pela pobreza do solo em que esta Vila está situada, confesso ter ela boa aparência". (Érico Firmo)
Tempo de conflito
A época da elevação de Fortaleza de vila para cidade era tormentosa. Ainda havia combates pela independência sendo travados àquela altura. Inclusive com participação de tropas cearenses no mais sangrento deles: a Batalha do Jenipapo, no atual município de Campo Maior, Piauí, travado em 13 de março de 1823, quatro dias antes da carta imperial de dom Pedro que mudou o status da capital cearense.
No campo de batalha do Piauí, tropas piauienses, maranhenses e cearenses — improvisada, mal treinada e reforçada por mercenários europeus — foram derrotados pelo exército leal a Portugal, formado por soldados profissionais.
Porém, mesmo na vitória, os lusitanos tiveram deserções. Os brasileiros conseguiram capturar munição e suprimentos. Os partidários de Lisboa se refugiaram em Caxias, no Maranhão e, após cerco, acabaram se rendendo. (Érico Firmo)
Nome da cidade
O nome Fortaleza de Nova Bragança homenageava a família do imperador, a dinastia de Bragança. Ao estabelecer a independência em relação a Portugal, dom Pedro não deixou de estabelecer referência ao laço de continuidade entre as casas reais dos dois lados do Atlântico. A manutenção de vínculos com Portugal e os portugueses seria motivo de desgaste ao longo dos anos seguintes, até a abdicação, em 1831.
Diferença entre vila e cidade
Na América portuguesa, vilas podiam ser fundadas pelo capitão-mor (administrador militar da região colonial) ou pelo capitão-geral (o administrador civil). Mas, a fundação de cidades, ou elevação de vilas a cidades, era prerrogativa exclusiva do rei. O título de vila ou de cidade, entretanto, não afetava o exercício das funções administrativas de uma ou outra modalidade
13 de abril
Fortaleza, de povoado em torno do forte, foi elevada à categoria de vila em 13 de abril de 1726, em ato do então rei de Portugal dom João V. Essa é a data escolhida para se comemorar o aniversário de Fortaleza