Desde que foi eleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu e analisou mais de 15 sugestões para a vaga atual do ministro Ricardo Lewandoswski no Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, porém, haveria apenas dois nomes no páreo: os advogados Manoel Carlos de Almeida Neto e Cristiano Zanin. A disputa tem jogado pressão sobre o presidente, alimenta intrigas nos bastidores e envolve até briga familiar.
Cristiano Zanin é o nome mais citado nas rodas políticas e jurídicas, e o mais controverso. Foi o advogado de Lula nos processos da Lava Jato, quando se destacou e ganhou visibilidade. Ele desfruta da amizade e confiança do presidente. O presidente fez elogios públicos.
"Cristiano Zanin foi a grande revelação jurídica nesses últimos anos. Ele foi muito criticado (...) eu tinha consciência de que o meu processo era jurídico e por isso eu queria o Zanin. Ele nunca tomou uma decisão que não fosse conversar comigo. Ele terminou sendo uma revelação extraordinária", disse em entrevista à TV 247, há pouco mais de dez dias.
Porém, o presidente tem sofrido pressões contra a escolha. A mais recente envolve o rumoroso rompimento entre Zanin e Roberto Teixeira. Compadre de Lula há 40 anos, o também advogado Teixeira é sogro de Zanin. Em agosto do ano passado, os dois desfizeram a sociedade no renomado escritório Teixeira Zanin Martins Advogados.
Manoel Carlos de Almeida Neto, por sua vez, é o candidato favorito de Lewandowski. Foi assessor do ministro no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde atuou como secretário-geral da presidência. Atualmente, é diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
No mês passado, Almeida Neto jantou com Lula, Lewandowski e com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho que também o apoia. O advogado teve o magistrado como orientador de sua tese de doutorado em Direito do Estado, na USP, que resultou no livro O Poder Normativo da Justiça Eleitoral.
Interlocutores de Lula dizem que, para prestigiar Lewandowski— considerado pelo presidente como o mais leal ministro que indicou —, ele tende a escolher agora Almeida Neto e esperar a "poeira baixar" para voltar com o nome de Zanin. Ainda não há, porém, decisão tomada. Em outubro, quando a presidente do STF, Rosa Weber, deixará a Corte, Lula terá direito a nomear outro ministro. Tanto Lewandowski como Rosa vão se aposentar compulsoriamente por idade, aos 75 anos.
Em mais de uma ocasião, Lula já afirmou que Zanin poderá ocupar "uma das duas vagas" na Corte. Desde então, o advogado tem sido alvo de frequentes ataques e os adversários veem impedimento ético na nomeação pelas relações com Lula. O presidente, durante a campanha eleitoral, ressaltou mais de uma vez que nunca "indicou um amigo" para o STF nos dois primeiros mandatos, numa crítica à postura do ex-presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas.
O ex-presidente apontava a proximidade como fator crucial: "Vou indicar para o Supremo quem toma cerveja comigo, é o critério da confiança da lealdade mútua". Mendonça, porém, provavelmente não ingere bebida alcoólica, pois é "terrivelmente evangélico", como dizia Bolsonaro sobre outro critério da escolha.
Zanin, visto como incansável na defesa de Lula, enfrentou críticas, mesmo nas fileiras do PT durante a tramitação dos processos da Lava Jato. Mas tudo mudou quando, em abril de 2021, o plenário do Supremo confirmou a decisão do ministro Edson Fachin e declarou a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba para julgar Lula, anulando as condenações. O veredicto impôs uma derrota histórica à Lava Jato. Dois meses depois, atendendo a outro recurso de Zanin, o STF considerou que o ex-juiz Sérgio Moro agira com parcialidade ao condenar Lula. "Eu devo muito ao Zanin", comentou Lula.
Durante a eleição presidencial, o advogado foi coordenador jurídico da campanha de Lula e articulou encontros na própria residência, com reuniões com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) — ambos também são clientes de Zanin — e com economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs. Após a vitória de Lula, o advogado participou do grupo de transição e foi responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional.
Teixeira já se queixou de Zanin para Lula mais de uma vez. Três advogados disseram, sob a condição de não terem nomes divulgados, que o compadre de Lula afirmou só não expor tudo o que sabe contra o genro em público para não constranger o presidente. De acordo com esses relatos, Teixeira chegou a observar que, se contasse, o advogado não seria escalado nem para reserva de time da segunda divisão. Teixeira faz campanha contra Zanin, com quem está rompido.
O confronto envolve uma briga familiar que enveredou para disputa de honorários advocatícios na Justiça, após o rompimento da sociedade. Zanin e a esposa, Valeska, formaram nova banca. Fundador do escritório, Teixeira — que advogou para Lula durante décadas — continuou a trabalhar ao lado da outra filha, Larissa, e se associou ao juiz aposentado Sílvio Luís Ferreira da Rocha.
Um ingrediente na disputa foi a cartaassinada por mais de 200 advogadosem solidariedade a Zanin. O texto condena "ataques" que, conforme os signatários,"se valem de questões familiares para tentar macular a sua imagem". A carta também menciona "inconformismo com iniciativas que, ao largo dos requisitos constitucionais, tenham por objetivo atacar pessoas, famílias e biografias".
Arelação é encabeçada por Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, e contém advogados conhecidos nacionalmente, como Nelson Wilians, Aury Lopes Jr. e Antonio Carlos de Almeida Castro (o "Kakay"). Outra assinatura que se destaca é a de Maria Claudia Bucchianeri, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Há outras críticas à eventual indicação. Nos bastidores, dirigentes do PT afirmam que Zanin é muito fechado e não expõe as opiniões sobre temas caros ao partido, como a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária, por exemplo. Dizem, ainda, que o PT já "errou demais" ao fazer apostas para o Supremo, como a de Joaquim Barbosa e Luiz Fux, que condenaram a cúpula do PT no caso do mensalão.
Lula tem sofrido ainda pressão, especialmente por movimentos sociais, para indicar uma mulher para assumir a cadeira e diversificar a composição da Corte. Lula afirmou que se trata de uma discussão "sem lógica" e reforçou que a validação da escolha será feita pelo Senado.
Outra pressão é pela diversidade racial. Atualmente, os 11 ministros do STF são brancos. Só houve três magistrados negros na história da Corte. O mais recente foi Joaquim Barbosa. Os outros dois ingressaram mais de cem anos atrás.
"Nosso STF não está na Suíça e, sim, neste fantástico país miscigenado que é o Brasil", disse em entrevista ao Estado de S.Paulo o frei David Santos, diretor da ONG Educafro.
Lula tem demonstrado contrariedade com pressões de todos os lados para indicar nomes ao Supremo. "Vou indicar quem eu quiser", diz o presidente a interlocutores, quando provocado sobre o assunto.
Ex-desafeto do PT e decano do Supremo, Gilmar Mendes, e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) recomendaram o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, para a vaga. Lula gosta de Dantas, mas ministros com assento no Planalto dizem que, nesse momento, o governo precisa dele no TCU. Dantas assumiu o comando da Corte de Contas em dezembro do ano passado.
Uma ala de peso do Prerrogativas, grupo formado por advogados ligados ao PT, apoia Almeida Neto. Outros preferem Pedro Serrano, que conta com a simpatia de Teixeira. Diante de tantas embates, porém, o coordenador do grupo, Marco Aurélio Carvalho, tem telefonado para colegas, nos últimos dias, e pedido para que não se envolvam nessa disputa.
"Vamos apoiar o nome que Lula escolher. Não vamos interferir nisso", disse Carvalho a um advogado. O Prerrogativas tem cinco ministros na equipe de Lula — Fernando Haddad (Fazenda), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Vinícius Carvalho (Controladoria-Geral da União) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) —, além de outros postos, como a presidência dos Correios, ocupada por Fabiano Silva dos Santos.