A Câmara aprovou ontem o regime de urgência para a tramitação do projeto de lei das Fake News em meio à pressão de um bloco de deputados e das Big Techs para retardar a análise do texto. A proposta teve 238 votos a favor e 192 contrários.
A tramitação mais rápida passou após o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), usar o regimento interno para diminuir a quantidade de votos necessários para a aprovação. Lira cobrou publicamente os líderes, durante a sessão, para que cumprissem um acordo feito em uma reunião que durou três horas na residência oficial.
Sem chegar a um consenso, o presidente da Câmara afirmou que o regimento interno lhe dava o direito a escolher três votações por legislatura para definir quórum e escolheu o menor - maioria simples, que é a metade dos presentes mais um - para aprovar regimento de urgência do PL das Fake News.
Caso Lira não usasse da prerrogativa que tem, o governo, que é a favor da proposta, sairia derrotado, pois neste caso seriam necessários 257 votos para aprovar o regime de votação mais rápida. O regime de urgência acelera a tramitação de projetos ao dispensar formalidades do regimento da Câmara.
O projeto prevê responsabilidade "solidária" das plataformas e usuários quando houver danos causados por conteúdos cuja distribuição tenha sido impulsionada por pagamento feito por eles às empresas. O texto estabelece ainda que a divulgação de desinformação passará a ser punida com até três anos de prisão.
Com a ajuda de Lira, o governo Lula trabalhava para adiantar a votação de todo o projeto nesta semana, mas só conseguiu acelerar a discussão sobre o regime de urgência. A votação sobre o mérito ficará para a semana que vem. Até lá, a oposição ganhou tempo para negociar o texto que será entregue hoje pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Deputados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, contestam o projeto e querem barrar o andamento da proposta. Segundo Lira, a legenda de Bolsonaro foi responsável por 80% das mudanças já feitas no texto.
A sigla critica, por exemplo, a criação da entidade autônoma de supervisão pelo Poder Executivo, prevista no projeto. A agência seria responsável por fiscalizar o cumprimento da lei pelas plataformas e aplicar sanções.
Um bloco com mais de cem deputados vinha pressionando Lira para retardar a votação. O movimento também conta com apoio das chamadas big techs, como Google e Meta - controladora do Facebook e do Instagram. Os dois grupos afirmam que é preciso mais debate e defendem a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o texto antes de levá-lo ao plenário.
No movimento para impedir a aprovação da regulação do setor, o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) chegou a dizer que o texto poderia banir trechos da Bíblia das redes sociais. "É preciso ser muito canalha para criar uma fake news envolvendo religião para atacar o projeto" rebateu o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).
Representantes das Big Techs participaram ontem de um almoço com deputados da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). No encontro, o diretor de Políticas Públicas do TikTok, Fernando Gallo, foi direto.
"Com muita humildade, nós queremos pedir que as senhoras e os senhores parlamentares rejeitem a urgência desse PL e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema", afirmou.
A chefe de Políticas Públicas da Meta, Monica Guise, também criticou pontos do projeto de lei. "Não faz sentido, com esse nível de consequência, a gente aprovar na correria, aos 48 do segundo tempo, uma proposta que tem tanta novidade e que tem tanta consequência para o ecossistema digital no Brasil", disse.
Guise afirmou ainda que gera "muita preocupação" a criação da entidade autônoma de supervisão pelo Poder Executivo. A agência seria responsável por fiscalizar o cumprimento da lei pelas plataformas e aplicar sanções. "Se eu fosse traduzir para uma linguagem mais comum, que está presente no nosso imaginário até literário, nós entendemos a introdução dessa entidade quase que como um Ministério da Verdade", declarou.
Para tentar fazer ajustes de última hora no texto, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, foi ao Congresso e entregou sugestões de mudanças. Ele quer que as redes sociais suspendam perfis, contas ou canais considerados produtores "sistemáticos" de desinformação e publicadores "contumazes" de informações falsa, sem que seja necessário notificar esses usuários da medida adotada.