Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Daniel Cara afirma que o Novo Ensino Médio precisa ser revogado para evitar prejuízo maior que o que os estudantes já têm e afirma que a gestão de Camilo Santana no Ministério da Educação (MEC) recuou porque foi derrotada no debate.
O POVO - Qual sua avaliação sobre a posição que o MEC tem adotado, a suspensão do cronograma e as manifestações públicas?
Daniel Cara - Eu coordenei o trabalho da transição sobre esse tema. Por conta dos ataques às escolas, eu fui chamado pelo ministro Camilo (Santana) para ser relator da política que o MEC vai desenvolver. Estando em Brasília, foi possível perceber que existe um erro de comunicação muito grave, que eu acho que atrapalhou muito a tomada de decisão do Ministério da Educação. Ele interpretou que a transição governamental defendeu a implementação da reforma do ensino médio. O próprio presidente Lula (PT) tem repetido isso. Isso em nenhum momento ocorreu. Tem uma parte do relatório que são os comandos do relatório da transição. O que desde o início foi colocado é que, no mínimo, deveria ocorrer uma revisão da reforma do ensino médio. A reforma já está morta, ela já não não sobrevive mais. Porque ela gera desigualdade, gera enorme insatisfação dos professores das escolas públicas. Temos pouco mais de 29 mil escolas públicas que ofertam ensino médio no Brasil. E a realidade concreta é que essa reforma é impossível de ser implementada. O Brasil não tem estrutura para implementar essa reforma. É uma reforma pautada em experiências internacionais, especialmente Portugal. Em Portugal, eu estive na Europa em janeiro, a trabalho. E em Portugal está tendo uma grande greve. Minha tia inclusive é professora lá em Portugal. Está tendo uma grande greve justamente porque Portugal, que não tem déficit educacional praticamente, também não consegue ser implementada (a reforma do ensino médio). Porque os itinerários formativos não conseguem ser ofertados a todos os alunos.
OP - O senhor é crítico do MEC, mas mencionou esse trabalho sobre segurança nas escolas.
Cara - A gente inclusive lançou uma cartilha sobre a questão dos ataques às escolas. Quando o MEC abre a possibilidade de a gente discutir e debater os temas com o Ministério da Educação, a gente cumpre com o nosso dever de cidadania. A gente sempre está disponível. Sou servidor público, tenho o dever, além do compromisso histórico com a área de educação, tenho o dever de colaborar. Agora, na reforma do ensino médio, o Ministério da Educação está trabalhando com uma informação equivocada vinda da transição e tem priorizado um conjunto de relações sobre esse tema, as fundações empresariais, os secretários estaduais de educação, que não vai gerar uma correção da política. A reforma do ensino médio precisa ser revogada. Quando a gente fala em revogação, importante dizer o que é revogação no âmbito legislativo. Porque isso obrigatoriamente vai ter de passar pelo Congresso Nacional. A iniciativa pode ser de qualquer parlamentar, não precisa ser do governo, do Poder Executivo. O que é revogar? É corrigir a lei substituindo o modelo que está posto na lei por outro. A gente, desde a época da transição e até anterior à transição, no dia 19 de março eu coloquei uma posição no Twitter já pautado por uma série de pesquisadores na área, que a gente deve substituir a reforma do ensino médio por uma reorganização das escolas por áreas. Então, teria área de ciências humanas, ciências da natureza, língua portuguesa e matemática. Essas áreas teriam uma coordenação pedagógica dentro de cada escola. Todas as escolas teriam de ter essas quatro áreas garantidas, como existia no modelo anterior. No fundo, é aproveitar os professores que já estão concursados, as salas de aula que já existem, fazer com que a escola, dentro de um projeto pedagógico, possa fazer no terceiro ano do ensino médio, aprofundamentos conforme a necessidade dos alunos.
OP - Primeiro e segundo ano conteúdo comum e no terceiro aprofundado, seria isso?
Cara - No terceiro aprofundado. Só que esse aprofundamento não demandaria a construção de novas salas de aula. Esse é o ponto principal hoje da reforma. Para ofertar os itinerários formativos, na prática, as escolas públicas brasileiras deveriam construir muitas salas de aula. A gente não pode coibir o direito de escolha dos estudantes. Só que um estudante que quiser escolher ciências da natureza, ele tem de ter esse itinerário ofertado. Hoje não tem. Ele tem de ter o itinerário de ciências humanas ofertado caso ele opte por ciências humanas, hoje também não tem.
OP - Entendo essa questão muito prática que o senhor coloca, da quantidade de salas de aula, de professores. Mas, para além dessa questão prática, qual o problema que o senhor vê no Novo Ensino Médio?
Cara - Esse é o problema mais grave. Imagina um vestibular ou Enem orientado pelos itinerários formativos. O que está sendo feito hoje é aumentar a desigualdade e voltar elitizar a universidade brasileira.
OP - Algumas escolas oferecem itinerários, outras não.
Cara - Eu vou dar o exemplo do Piauí. O Ceará eu ainda não estudei, a gente tem de montar uma equipe aqui. Mas eu fui ao Piauí, fui recebido pelo governo, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público do Piauí. Piauí tem 224 municípios. Em 2021, 129 municípios só tinham uma escola do ensino médio. Em 2022, 164. Ou seja, escolas foram fechadas em alguns municípios que tinham mais de uma escola. Aumentou o número de municípios com só uma escola de ensino médio. No máximo, essas escolas ofertavam um ou dois itinerários.
OP - Se não tem itinerário, a promessa do Novo Ensino Médio, de dar opção, não existe.
Cara - Não tem como escolher. E o perímetro no Piauí até não são tão distantes os municípios, mas as condições logísticas para sair de um município e ir para outro, elas são praticamente impossíveis.
OP - Se houvesse condições ideais, estrutura para oferecer os itinerários, o modelo seria adequado ou mesmo assim seria problemático?
Cara - Essa é uma grande pergunta e aí eu volto para a questão portuguesa. A reforma do ensino médio é equivalente em Portugal e no Brasil. O capítulo português é desenvolvido no governo ultraliberal português, substituído depois pela Geringonça, que é uma grande aliança articulada num bloco, junto com o Bloco de Esquerda, o Partido do Comunista Português, Partido Socialista. E a Geringonça decidiu fazer como o governo Lula, implementar a reforma, em que pese toda a contrariedade dos professores e estudantes. Agora o grande debate português é para revogar o que eles construíram lá. Em termos de projeto pedagógico, que é a sua pergunta, esse modelo é muito frágil. Não forma os estudantes numa visão integral da sociedade. É um modelo muito orientado a uma concepção neoliberal. A escola francesa tem trabalhado bastante isso. A ideia de formar um indivíduo neoliberal, que acredita que é empreendedor de si mesmo e que não está preparado para lidar com uma sociedade injusta e que precisa ser transformada. E tem outro problema concreto. Esse problema tem de ser discutido com mais tranquilidade. Com essa idade, com 15, 16 anos, no caso português é até pior, que é com 14, você não consegue tomar uma decisão sobre o trajeto que você vai ter por toda a sua vida. Segmentar tanto a sociedade por esses trajetos. E olha que em Portugal se consegue ofertar o que seria um equivalente aos itinerários. Tomar uma decisão muito muito cedo de segmentação da sociedade é muito determinista, é muito cruel. Esse modelo gera frustração para os jovens.
OP - O que aconteceu na prática nos dois anos em que já foi implantado o Novo Ensino Médio?
Cara - Eu vou até contar uma história que passa pelo Ceará. Quando o Idilvan (Alencar, hoje deputado federal pelo PDT) foi eleito presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), em 2016, ele trava a implementação da reforma. Isso é um mérito dele, ele era secretário aqui do Ceará, ele travou completamente a implementação da reforma. De 2016 a 2018, a reforma não andou. Foi uma política que nasceu no governo (Michel) Temer, mas foi implementada no governo (Jair) Bolsonaro. Em 2019 também andou pouco a reforma. Ela só acelerou efetivamente na pandemia. Era de certa maneira o cronograma, mas não era o cronograma desejado pelas pelas entidades empresariais nem pelas fundações empresariais que formularam a reforma, e nem pelo governo Temer. Eles queriam que começasse antes, mas a resistência do Idilvan e depois o início do governo Bolsonaro, que é caótico, e aí 2020 começa. Eu te digo que a reforma não conseguiria começar a ser implementada se não fosse a pandemia. Porque geraria resistência dos estudantes e dos professores. Ela só começa esse ano porque já tem todas as escolas com ano letivo presencial, pós-pandemia, que foi o ano de 2022. E só em 2023 as pessoas começam a ter clareza do que é a reforma. Porque não tinha acontecido o processo de atribuição de aulas antes. Não tinha acontecido a distribuição das turmas. Quem estava sendo já prejudicado pela implementação da reforma era uma minoria de alunos. Tudo isso explodiu agora não é porque é o governo Lula ou qualquer outro motivo. É porque coincidiu do início do governo Lula também ser o início prático da implementação da reforma. Agora, sobre São Paulo, que já acelerou a implementação da reforma e a gente já consegue analisar. São Paulo, o que está acontecendo na prática? Aumentou a evasão escolar em vez de diminuir. Eu tenho amigos que são pais de alunos em escola pública e tenho muitos professores que são meus amigos também. Os professores estão completamente desalentados, os alunos simplesmente circulam na escola e não entram nas disciplinas. Descobriu-se uma coisa interessantíssima. Ofertar uma disciplina, por exemplo, no caso de São Paulo, de empreendedorismo. Embora os alunos, num determinado momento, em algumas consultas tenham dito que gostariam de criar os próprios negócios etc, eles nunca tiveram a pretensão de que isso fosse uma disciplina em que eles teriam de percorrer o ano inteiro. Uma parte do ano estudando isso. Não era o objetivo deles. E eles têm dito uma coisa bem interessante: o que eles estão aprendendo na escola, eles poderiam aprender no YouTube, com um tempo muito mais curto e com muito mais efetividade. E que eles gostariam, sim, de ter as disciplinas tradicionais. Está mudando a visão dos estudantes. Porque pelo menos com as disciplinas tradicionais eles conseguiriam prestar o vestibular. A turma de São Paulo que vai prestar a Fuvest, que é o ingresso na USP, ou o exame da Unicamp ou da Unesp, ou vai prestar o Enem, a turma de estudantes. Essa essa geração de estudantes se sente altamente prejudicada, porque sabe que vai ter muita dificuldade de participar dos vestibulares e do Enem. A reforma, como a lei da ditadura militar, a lei 5.692, ela já morreu. Na ditadura militar, em 1971, é apresentada uma reforma do ensino médio em que todos os alunos deveriam passar por pela educação profissional. E na ditadura militar morreu por morte morrida essa reforma. A dúvida é se o governo Lula vai querer continuar carregando o cadáver. E se continuar carregando o cadáver, além de prejudicar, que é o mais grave, professores e estudantes, o resultado é que a bomba vai cair no colo do presidente Lula. Ele que vai ser o responsável pela implementação, pela insistência nessa reforma.
OP - Agora que já foram implantados dois anos, o que faz com quem já fez primeiro e segundo ano no novo modelo?
Cara - É o problema de fazer uma reforma irresponsável. Para quem sofreu essas consequências, a gente vai ter de resolver nas universidades. O professor universitário, a gente vai ter de resolver esse déficit. Vai ter um prejuízo de ingresso e a gente vai ter de resolver o déficit na universidade. A pergunta é: a gente vai continuar insistindo no erro? A dúvida toda é essa.
OP - Mas, com quem está no terceiro ano, o que faz?
Cara - Eles vão prestar um vestibular em que vão ser prejudicados.
OP - No ano que vem, implementa o Novo Ensino Médio ou não?
Cara - Essa alternativa que a gente apresenta de trabalhar por áreas e fazer aprofundamentos, ela pode ser implementada a partir do ano que vem. Só que tem de ser aprovada de forma rápida no Congresso Nacional. Existe uma solução para o problema, que não é voltado para o modelo antigo, mas não é insistir na loucura dos itinerários formativos, modelo que foi formulado por quem nunca pisou numa escola pública.
OP - O ministro Camilo chegou até a falar de duas versões da prova. Como vai ser o Enem do ano que vem?
Cara - Essa ideia de dois Enems, o exame tem de ter isonomia. Os alunos das escolas privadas de altíssimo custo. As escolas privadas são muito dispares entre si. Se você fizer dois Enems, as escolas privadas de altíssimo custo do Ceará, que sempre foram grandes aprovadoras em vestibulares, o Ceará tem uma tradição de aprovação de aprovação em vestibular, no ITA, por exemplo., o que vai acontecer é que esses alunos vão ser muito beneficiados, duplamente no exame. Qualquer trajetória, seja o exame tradicional ou o novo exame, eles vão ser beneficiados. A questão é que os alunos das escolas públicas sempre vão ser prejudicados.
OP - Mas o que o senhor acha que deveria ser feito com o Enem?
Cara - O mesmo Enem que tem sido feito nos últimos anos, que já é um modelo que funciona, que as pessoas pelo menos sabem o que é o Enem. Os alunos das escolas públicas que querem entrar na universidade têm feito o uso de todas as ferramentas que existem para conseguir ingressar. Eu tenho alunos da Universidade de São Paulo que entraram com pontuação do Enem, que fizeram a Fuvest mais Enem, eles desenvolveram técnicas em cursinhos populares, uma série de lutas sociais que conseguiram ingressar na universidade. É melhor manter o Enem, porque todo mundo conhece a regra do jogo, do que criar um novo Enem que vai beneficiar só os alunos das escolas privadas. Essa reforma do ensino médio cristaliza desigualdades na educação e amplia desigualdades na educação.
OP - O senhor não vê possibilidade de um Enem no ano que vem que não cause prejuízo para quem já está no Novo Ensino Médio.
Cara - O Enem já é um prejuízo. A gente fez a política de cotas para reduzir o prejuízo do Enem. Vou dar um dado, que é um dado científico. Todas as pesquisas sobre ingresso na universidade provam, se o Brasil tivesse cinco vezes mais vagas nas universidades, não teria nenhum tipo de prejuízo acadêmico. Ou seja, o aluno que ficaria numa suposta quinta chamada, ele tem as mesmas condições de participar de um curso universitário de quem for na primeira chamada. O que diferencia o aluno da primeira chamada para o da quinta chamada é uma diferença muito pequena, normalmente pautada na desigualdade. O que eu estou dizendo de maneira muito concreta a reforma amplia esse problema.
OP - O senhor falou que a evasão aumentou em alguns casos. Não precisa uma mudança mais estrutural para atacar essa questão da evasão?
Cara - Os estudantes que ocuparam as escolas contra a reforma do ensino médio em 2016. Porque é engraçado, muita gente, o próprio MEC de vez em quando fala: "Ah, mas não teve crítica quando foi feita a proposição da reforma". Teve muita. Eu participei de todas as audiências públicas, participei da primeira na Câmara e da primeira no Senado. Faço um reconhecimento justo, que a Maria Helena Guimarães de Castro, que é a ideóloga da reforma, estava na primeira audiência pública debatendo comigo na mesa. Na discussão, a gente apresentou todos os problemas que eu estou trazendo aqui para você, todos. Falando que ia acontecer exatamente isso, mas ele insistiram na implementação da reforma. O fato concreto que eu vejo como como um aspecto muito dolorido de todo esse processo é que o que os estudantes pediam em 2016 era uma escola com melhor infraestrutura, uma escola que tivesse laboratório de ciência, laboratório de informática, quadra poliesportiva coberta, internet banda larga, eles queriam uma escola do século XXI, uma estrutura de escola do século XXI. A discussão não estava sobre o currículo e o maior erro dessa reforma de ensino é que ela acha que pelo currículo resolve os problemas estruturais da educação brasileira. Currículo é uma parte da política educacional. Pode até ser o coração da política educacional. Mas a alma, os braços, as pernas, os ossos, a musculatura dependem de outras ações, entre elas a infraestrutura das escolas, formação dos professores, quantidade de professores. A gente não tem quantidade para implementar essa reforma.
OP - Sem falar dos problemas externos, que acho que são a maior causa de evasão, que não está dentro da escola.
Cara - Ah, a questão econômica. A gente fez uma discussão na transição para uma bolsa para os estudantes de ensino médio. As experiências que nós temos com bolsas para o estudante do ensino médio é que ela precisa ser um valor muito alto para manter atratividade. Porque no mercado de trabalho, um estudante de 16 anos consegue, por exemplo, com uma bicicleta, fazer entrega. Ele consegue trabalhar com os aplicativos, consegue integralizar um valor próximo de um salário mínimo ou chega a um salário mínimo. O problema é que isso faz e sugere evasão. Então, a gente de fato tem de discutir um problema central. A resolução de evasão escolar se dá essencialmente por questões econômicas. E aqui no Ceará é muito presente, em São Paulo, na periferia de São Paulo, que é de onde eu vim, também é muito presente. Tem um problema de ordem econômica que foi muito bem observado por você, que é superior e mais estrutural que a própria discussão da política educacional, que não pode estar desvinculada da questão econômica.
OP - O senhor comentou que acha que com a interlocução que o MEC tem estabelecido, não vai vir uma mudança positiva?
Cara - Primeiramente, só estabeleceu interlocução porque a gente pressionou, a gente ganhou o debate. Isso tem de ser dito. E o ministro tem de assumir. Isso não é demérito para o ministro, ter perdido numa posição inicial, pelo contrário. Ouviu a sociedade. Hoje, a reforma do ensino médio é rejeitada por 99,9% da comunidade educacional que está dentro das escolas públicas. Na transição, a gente fez um debate, isso sim tem um erro no relatório da transição, porque quem é contra e quem é a favor da reforma do ensino médio? Vamos colocar os quantitativos. Todos os formadores de professores, todas as universidades que formam professores, sem exceção, públicas, privadas. Todos os sindicatos, todos os movimentos estudantis, todas as entidades da sociedade civil que lutam pelo direito à educação são contra a reforma. Quem é a favor da reforma? Meia dúzia de instituições, fundações empresariais. O Brasil não tem tantos empresários assim, precisa ter tantas fundações empresariais? Meia dúzia de fundações empresariais e de suas equipes, as secretarias estaduais de educação que já avançaram na reforma. E por que defendem a reforma? Porque do jeito que está posta a reforma hoje, você pode colocar um professor que é pedagogo, que nem deveria dar aula para o ensino médio, você pode colocar o professor que é pedagogo, olha só que absurdo, dando aula no ensino médio. O pedagogo tem de ser o coordenador pedagógico e o diretor de escola, mas ele não deve ser o professor do ensino médio. Ele não é professor especialista. Você pode pegar um professor de Química para dar aula de como ser milionário. Você pode importar o professor de Física para dar aula de empreendedorismo ou de administração de empresas. A reforma do ensino médio atrai os secretários estaduais de educação porque eles não precisam fazer concurso para especialistas. O fato concreto é que o MEC só cedeu por conta da vitória das evidências óbvias do que está acontecendo na reforma e da vitória do movimento educacional, que mostrou que essa reforma é um fracasso. Agora o que eu imagino é que o MEC, se seguir a tendência, ele vai cometer um erro muito grave de estabelecer uma aliança com quem não faz o dia a dia da escola pública. Ou com o secretário estadual de educação que está angustiado porque tentou implementar a reforma que desorganiza a atribuição de aula e diminui a demanda por concursos públicos. Isso a própria equipe do MEC sabe. Eu estive lá em Brasília e quando converso com as pessoas nos bastidores, todos assumem que de fato existe esse problema e a distribuição de aula.
OP - Dá para mudar isso se não passar pelas secretarias estaduais, municipais, que resistem em mexer?
Cara - A reforma não passou pelas secretarias. Como eu disse, o Idilvan era contra a reforma e ele era presidente do conselho de secretários. E ele é contra até hoje. No fundo, no fundo, essa reforma foi um acordo de elite política com elite econômica. Existe um abuso de poder econômico na educação que precisa ser enfrentado. Agora, não pode o Ministério da Educação do governo Lula seguir nessa tendência de ser pautado por esse abuso de poder econômico. A discussão tem de ser pública. E vai ter de passar pelo Congresso Nacional. Eu tenho certeza absoluta que, se for votado no Congresso Nacional... Veja, a gente venceu o Fundeb contra o governo Bolsonaro, contra as fundações empresariais, contra o Rodrigo Maia e colocou o custo aluno qualidade, que era o principal indicador nosso, na Constituição. Eu não tenho dúvida de que a gente vence esse debate. Agora, se o governo Lula ficar contra a revogação da reforma, vai ser uma derrota que ele vai ter no Congresso Nacional. Agora vai passar pelo Congresso, os secretários estaduais de educação vão ter de participar do debate como qualquer pessoa. Agora, se prejudica os estudantes e prejudica os professores, por que que os secretários são favoráveis à reforma? Uma contradição. Eles não estão não estão correspondendo ao princípio básico da política educacional, que é o processo de ensino-aprendizado. Quem é o protagonista do ensino? É o professor. Quem é o protagonista do aprendizado? É o aluno. Se eles não estão preocupados com o professor e com aluno, eles estão preocupados com o quê?