O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu ontem o venezuelano Nicolás Maduro em Brasília, estendendo a mão para tirar a Venezuela do isolamento diplomático. No encontro, Lula ignorou abusos dos direitos humanos e criticou as sanções dos Estados Unidos ao regime chavista. Na esteira da reaproximação, os dois países retomaram a negociação da dívida de US$ 6 bilhões que a Venezuela tem com o Brasil.
Driblando o cerco ao chavismo, Lula afirmou que as sanções contra a Venezuela foram aplicadas por quem não gosta de Maduro. "O bloqueio é pior que uma guerra", disse o brasileiro. "Na guerra, morre soldado. O bloqueio mata criança, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica."
De acordo com Lula, a crise crônica da Venezuela não tem as digitais de Maduro. "É culpa dos EUA", afirmou o brasileiro. O venezuelano aproveitou a deixa para reclamar das ameaças de invasão militar da Casa Branca e voltou a se colocar como vítima de uma tentativa de assassinato em 2018 - dois drones teriam explodido no ar durante um discurso de Maduro em Caracas.
"Hoje, abre-se um novo tempo nas relações entre nossos países, entre nossos povos", disse, ao lado de Lula, o líder venezuelano.
Lula vem tentando relançar a Unasul, um bloco regional que se arrasta desde a presidência de Itamar Franco - na época batizado de Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa). Esse seria o maior objetivo da cúpula que começa hoje em Brasília, reunindo 11 presidentes sul-americanos - o primeiro grande encontro organizado pelo Brasil no terceiro mandato de Lula.
Ontem, Maduro disse que pretende usar justamente o encontro regional para propor aos presidentes sul-americanos a suspensão de todas as sanções e medidas coercitivas impostas não só contra a Venezuela, mas também contra Nicarágua e Cuba, aliados de primeira hora do chavismo. O cerco dos EUA, segundo Maduro, seria uma forma de "chantagem do dólar".
Maduro não visitava o Brasil desde 2015, quando esteve na posse do segundo mandato de Dilma Rousseff. A relação entre os dois países chegou ao fundo do poço durante o governo de Jair Bolsonaro, quando quase todos os laços foram cortados e o Itamaraty reconheceu o opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela.
Lula disse ontem que o distanciamento entre os dois países ocorreu por ignorância, contingências políticas, equívocos e preconceito, uma referência ao governo anterior. "O preconceito continua. O preconceito contra a Venezuela é muito grande", disse o brasileiro.
O encontro de ontem no Palácio do Planalto fez Bolsonaro reaparecer para criticar a guinada da política externa brasileira. No Twitter, ele postou um vídeo em que aparece ao lado do ex-presidente dos EUA Donald Trump, em março de 2019, falando em "fazer o possível para solucionar o problema da ditadura venezuelana".
Mais tarde, à CNN, o ex-presidente lamentou a retomada das relações do Brasil com a Venezuela. "Vejo com tristeza essa aproximação com ditaduras. O atual governo não tem nenhum apreço pela democracia", disse.
O Brasil, no entanto, deve cobrar um preço pela aproximação com o regime chavista. Lula pretende negociar com Maduro o pagamento da dívida que a Venezuela tem o País. Conforme diplomatas envolvidos na negociação, o valor exato será apurado por uma mesa de diálogo com representantes dos dois países, mas a estimativa é que o total atinja US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões), incluindo juros.
Apesar de os pagamentos estarem atrasados, a mesa não tem prazo para ser estabelecida e os venezuelanos ainda não se comprometeram a quitar as parcelas que estão vencendo. Caracas questiona o pagamento de juros e argumenta que não havia como pagar antes, já que os dois países romperam relações diplomáticas.
Lula e Maduro foram questionados ontem sobre o assunto ao fim de um almoço no Itamaraty. O presidente brasileiro perguntou a Maduro se ele sabia o tamanho da dívida. O chavista afirmou que uma comissão estabeleceria a "verdade" sobre o montante.