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Uma nova fase do governo Lula
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Uma nova fase do governo Lula

Aprovação da MP dos ministérios foi divisor de águas para o governo, que terá de reorganizar a articulação e ampliar espaços para contemplar outras forças no Planalto
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LULA e Arthur Lira têm tido desencontros no diálogo entre Planalto e Câmara (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República LULA e Arthur Lira têm tido desencontros no diálogo entre Planalto e Câmara

Um semestre depois de ter assumido a cadeira de presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou por teste de fogo na última semana, com a aprovação da medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios.

A votação, que garantiu o desenho do Executivo com 37 pastas, abriu uma nova fase na relação do governo petista com o Congresso, notadamente com a Câmara dos Deputados, sob batuta de Arthur Lira (PP-AL).

Apreciada a poucas horas de expirar, a MP se converteu no pivô mais recente da queda de braço entre Lira e Lula. As divergências – ou “insatisfações”, como enfatizou o deputado – se escancaram em meio a negociações para consolidar o número mínimo de apoios à proposta sem a qual o governo voltaria à configuração da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

“O governo vai ter que andar com as próprias pernas”, alfinetou Lira logo após a sessão, que entrou pela madrugada da quinta-feira, 1º/6, e ao final da qual nem oposição nem governo comemoram.

Entre analistas ouvidos pelo O POVO, é consenso: há um antes e um depois do trâmite da MP dos ministérios, que seria facilmente encaminhada no Senado na mesma quinta, mas cujo andamento acidentado na Câmara expôs todas as fragilidades do Executivo nessa valsa com o Congresso.

Dois problemas se sobressaem no horizonte, ambos responsáveis pela série de derrotas do Planalto no Legislativo. O primeiro diz respeito à distribuição de emendas, represadas por integrantes da articulação de Lula. O segundo se relaciona com a montagem da equipe de primeiro escalão, cuja representação não tem se refletido em votos.

Há ainda uma dificuldade adicional: o excessivo poder que Lira acumulou desde o governo Bolsonaro, com o chamado “orçamento secreto”, agora potencializado pelo perfil conservador de deputados e senadores eleitos em 2022.

Cientista político e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Pedro Gustavo de Sousa considera que a gestão de Lula tem diante de si a tarefa urgente de intervir no ritmo do jogo, caso não deseje continuar acumulando derrotas no parlamento. Entre mudanças sugeridas, cita o pesquisador, está a de reorganizar a gestão para contemplar aliados.

“As dificuldades do governo na aprovação de algumas matérias legislativas apontam para a necessidade de ajustes na relação com o Legislativo. Os interesses dos partidos aliados precisam ser melhor acomodados a fim de que Executivo e Legislativo caminhem numa mesma direção”, avalia.

De acordo com ele, para que isso seja possível, ou seja, para que Lula tenha uma base congressual sólida, “o governo conta com a distribuição de cargos em diferentes níveis e instâncias, assim como a liberação de emendas parlamentares”.

“Para a parcela mais fisiológica do Congresso, o que importa é acessar os recursos disponíveis do Executivo. Sem o manuseio adequado desses recursos, irá perdurar as dificuldades da base governista em avançar as pautas do governo Lula”, argumenta.

Mas o rateio de cargos e ministérios saciaria a fome do centrão? Hoje, legendas como PSD, MDB e União Brasil detém espaços importantes no Planalto. Esses partidos, contudo, não vêm entregando proporcionalmente a quantidade de votos que lideranças petistas projetavam.

Em entrevistas que concedeu nas horas que se seguiram à aprovação da MP, Lira acenou para a necessidade tanto de mudanças na articulação (a saída de Alexandre Padilha seria uma delas) quanto de ampliar postos na administração direta (cargos de primeiro escalão) e indireta, com funções disputadas nos estados.

Lula, no entanto, tem resistido a realizar uma reforma ministerial tão pouco tempo depois de chegar à Presidência. Enquanto isso, o União Brasil, com três ministros, continua a votar majoritariamente contra o governo.

O Planalto foi derrotado até agora em pontos importantes de sua agenda mais à esquerda (como a perda de atribuições nos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas) e venceu naquelas frentes cuja aprovação interessa não só ao Executivo, a exemplo do arcabouço fiscal.

Apenas nos últimos meses, deputados federais instalaram uma CPI para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro e outra para apurar o histórico de ações do MST.

Na esteira dessa onda de reveses, parlamentares também chancelaram o projeto de lei do marco temporal, derrubaram decretos relacionados ao marco do saneamento e adiaram a análise da MP dos ministérios até a véspera de caducar, pressionando Lula.

Na sexta-feira, 2, dia seguinte ao da apreciação da medida provisória, o presidente comentou esse quadro de obstáculos que tem encontrado para avançar a pauta que venceu as eleições.

“A esquerda toda tem no máximo 126 votos, isso se ninguém faltar. Mas, para votar uma coisa simples, precisamos de 257. É preciso que vocês saibam o esforço para governar. Não é só ganhar eleição”, declarou então.

Em seguida, Lula acrescentou: “Precisa passar o tempo inteiro conversando para aprovar uma coisa. Tem que conversar com quem não gosta da gente, com quem não votou da gente”.

A tramitação da MP dos ministérios deixou mais evidente que o presidente talvez tenha não somente de manter interlocução “com quem não gosta”, mas de partilhar o poder com um bloco que, hoje, é bem mais numeroso do que os 130 nomes que compõem a base do petista – número insuficiente para aprovar qualquer medida no Congresso.

Vitor Sandes
Vitor Sandes

"A margem é pequena, mas é possível governar", diz pesquisador

Cientista político e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Vitor Sandes considera que, embora a margem de atuação do governo Lula no Congresso seja pequena, “é possível governar”.

“Lula terá eventualmente de abrir mão de sua agenda para que suas propostas sejam aprovadas, assim foi com o arcabouço fiscal e certamente assim será com a reforma tributária e outras de interesse do governo”, avalia o pesquisador em conversa com O POVO.

O POVO – O governo saiu mais ou menos refém do centrão depois da votação da medida provisória que reestrutura os ministérios?

Vitor Sandes – É muito difícil dizer que o governo saiu derrotado, mas também muito difícil dizer que saiu vitorioso. É importante fazer essa ponderação. Foi vitorioso porque conseguiu aprovar a MP que organiza os ministérios e a concepção administrativa que o governo imprimiu. Porém, não dá para dizer que saiu plenamente vitorioso porque houve esvaziamento nos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, que fazem parte da agenda que o país tenta implementar no campo do meio ambiente e dos povos indígenas e se coaduna com uma agenda mais global. E o governo só conseguiu aprovar a MP aos 48 minutos do segundo tempo, já nos acréscimos, e se deu com base em muita negociação entre o governo e o Legislativo.

OP – Não houve derrota, então?

Sandes – É difícil dizer que ele perdeu porque conseguiu aprovar (a MP), mas teve que se abrir à negociação. Um pilar se deu no sentido de liberar recursos de emendas, grande parte em emendas já destinadas no ano passado e deste ano. O governo controla o “timing” da execução das emendas. Elas são individuais e têm execução obrigatória. Os parlamentares pressionam e condicionam apoio à liberação desses recursos.

OP – Que outras dificuldades o governo teve de enfrentar nesse processo?

Sandes – Tem outro ponto: o Congresso está muito mais à direita do governo, que é de centro-esquerda. Isso impõe um obstáculo a mais ao governo. Tem que negociar não somente as emendas, que fazem parte do jogo, mas negociar também sua agenda, abrir mão de parte de sua agenda original e vitoriosa no contexto eleitoral para conseguir apoio de partidos que estão mais à direita em determinadas questões. Nem sempre essa estratégia vai dar certo, eventualmente os partidos têm posicionamentos que estão mais distantes, como no caso do marco temporal. Claramente existe uma questão ideológica que une uma boa parte dos partidos que levou a votar a favor do marco temporal e que é um ponto que atinge os direitos dos povos indígenas, assim como a agenda ambiental é importante dentro do governo Lula, como as agendas relativas a questões sociais e recursos para educação. Isso tudo passa por negociação com o Legislativo, e algumas concessões serão feitas.

OP – Qual o papel do centrão nessa queda de braço com o governo?

Sandes – Esses partidos pragmáticos à direita do espectro ideológico, que se convencionou chamar de centrão, têm um posicionamento, mas topam votar com o governo dependendo das condições políticas, condições que indicam recursos e cadeiras, pastas tanto de primeiro como segundo e terceiro escalões, órgãos da administração direta e indireta. Considerando que a base é pequena e uma boa parte do Congresso é formada por deputados bolsonaristas que não apoiarão propostas do governo – além de uma parte que tem perfil à direita, mas pragmático –, de fato resta ao governo negociar com esses parlamentares que se abrem. A margem é pequena, mas é possível governar. Ele terá eventualmente de abrir mão de sua agenda para que suas propostas sejam aprovadas, assim foi com o arcabouço fiscal e certamente assim será com a reforma tributária e outras de interesse do governo Lula.

OP – O governo vai ter que negociar pauta por pauta? Ou é possível construir uma base mais sólida?

Sandes – Acredito que sim, porque ele não tem uma coalizão majoritária. Logo, precisará convencer uma parcela relevante do Congresso sobre por que deve aprovar suas medidas. E tentar mantê-las o mais próximo possível da redação original, o que é um desafio enorme, dado que o relator costuma apresentar alterações e até mesmo substituto, e os congressistas costumam apresentar destaques e, algumas vezes, aprová-los.

OP – Lira tende a se manter nessa posição de amigo/inimigo?

Sandes – Sim, mas isso depende de o quanto o governo está disposto a abrir mão da sua agenda. Pode, por exemplo, ceder pastas estratégicas para partidos com grande peso no Congresso. Mas a pergunta é: vale a pena? Ou é melhor negociar pauta a pauta? É uma decisão difícil de fazer. Por enquanto, o governo está preferindo negociar pauta a pauta e tentar manter os ministérios sob nomes da confiança do Lula.

"Foi um resultado muito positivo", diz petista sobre aprovação de MP

O deputado federal José Airton (PT-CE) entende que a aprovação da medida provisória dos ministérios de fato “foi um resultado muito positivo” para o Governo, ainda que sob risco de a MP caducar.

O petista avalia, porém, que essa vitória se deveu menos aos articuladores do Planalto do que ao próprio Lula, que teria entrado em campo para resolver os problemas, ouvindo as queixas de deputados descontentes e atendendo demandas.

“Lula avocou para si a articulação política. Se não fosse isso, não teria aprovado. O Lira deu mais um crédito de confiança”, defendeu.

Questionado se o centrão não teria criado dificuldades para a aprovação da MP, de modo a pressionar o governo a ceder, o parlamentar declarou que, “na verdade, o centrão não dá trabalho, a culpa é do próprio governo que não cumpre os acordos dos cargos”.

Ainda conforme o deputado, “tudo isso tem levado a um profundo descrédito e ao fogo amigo”, ou seja, ao voto contrário a projetos de interesse do governo dado por congressistas da base. (Henrique Araújo)

 

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