A menos de uma semana de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mensagens de teor golpista, encontradas pela PF no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, elevam a pressão sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que pode se tornar inelegível.
Agora sem sigilo, levantado ontem pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, o conteúdo expôs um plano, com um passo a passo detalhado, para subverter o regime democrático no Brasil logo depois das eleições, das quais Bolsonaro saiu derrotado.
Em conversas com outros militares datadas desse período pós-eleitoral, Mauro Cid, braço direito do então chefe do Executivo, mantinha em seu aparelho documentos, inclusive de natureza jurídica, cujo objetivo era subsidiar a realização de um atentado contra as instituições, particularmente contra o TSE, de modo que a vitória do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas fosse impedida.
Um dos interlocutores de Cid era o coronel do Exército Jean Lawand Junior, que estava indicado, até esta semana, para compor a representação diplomática do Brasil nos Estados Unidos – sua ida foi anulada nessa sexta-feira, 16, pelo comando das Forças Armadas.
Por meio de aplicativo de troca de mensagens, Lawand escreveu: “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Jair Bolsonaro) dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir (sic), o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara (sic) não cumprir a ordem do comandante Supremo”.
Em seguida, o militar complementou: “Como é que eu vou aceitar uma ordem de um general, que não recebeu, que não aceitou a ordem do comandante? Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer”.
A transcrição da conversa é da Polícia Federal, que apreendeu o celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro durante a Operação Venire. O inquérito que motivou o cumprimento dos mandados investiga a falsificação de dados nos cartões de vacinas do ex-presidente e aliados.
No telefone de Mauro Cid, agentes da PF encontraram ainda um documento com informações atribuídas ao advogado e professor Ives Gandra Martins. Numa leitura enviesada do artigo 142 da Constituição Federal, o jurista postula que os militares podem exercer o papel de moderadores na República.
Essa tese alimentou discurso golpista durante os anos de gestão de Bolsonaro, sendo referido pelo entorno do presidente à época. A manobra acabaria virando munição entre os acampados que atacaram e depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro deste ano.
O material mais sensível contido no aparelho, no entanto, foi um plano, estruturado em tópicos, sobre a possibilidade de aplicar um golpe “dentro das quatro linhas” da Constituição, na expressão consagrada por Bolsonaro.
Nele, são identificados pontos que justificariam, por exemplo, uma intervenção no TSE, além do afastamento de ministros do STF, entre os quais Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, culminando com um freio no “ativismo judicial” contrário ao “princípio da moralidade institucional”.
“Diante de todo o exposto”, registra o texto, “e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.
Entre os tópicos revelados, o tutorial golpista previa a “nomeação de um interventor”, “prazo para restabelecimento da ordem Constitucional”, “Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal sob comando do interventor” e a “suspensão de atos do Poder Judiciário e afastamento de magistrados”.
O plano enumerava, finalmente, a “abertura de inquérito sobre magistrados”, a “autorização para interventor suspender outros atos considerados inconstitucionais”, a “substituição dos ministros do TSE” e a “realização de novas eleições”.
Em relatório enviado ao STF, a PF sustentou que “a milícia digital reverberou e amplificou por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando aos seus seguidores ‘resistirem’ na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandada pelas forças militares”.
De acordo com advogados de Mauro Cid, “o celular dele, por diversas ocasiões, se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações”.
O argumento é semelhante ao apresentado pela defesa de Bolsonaro, para a qual as mensagens mostram que o então presidente se manteve distante dessas tratativas antidemocráticas.