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Separatismo não é uma opção legal no Brasil
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Separatismo não é uma opção legal no Brasil

Fala do governador Romeu Zema (MG) sobre Norte e Nordeste, reviveu debates separatistas no País; Constituição não permite desmembramento do território nacional
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Brazil wall. Grungy old brick wall with Brazilian flag on broken render surface
 (Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Brazil wall. Grungy old brick wall with Brazilian flag on broken render surface

Centelhas separatistas não são novidade ou exclusividade de um País extenso como o Brasil. A fala do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), defendendo uma união Sul-Sudeste e referindo-se aos estados do Norte-Nordeste como "vaquinhas que produzem pouco" desenterrou debates sobre o tema separatista, muitas vezes utilizado como trampolim para discursos preconceituosos. Antes de mais nada, é preciso ser claro: À luz da lei, não é possível desmembrar o território nacional.

Está na Constituição, em seu artigo primeiro, e é cláusula pétrea (não pode ser alterada): “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. A carta magna brasileira estabelece ainda fundamentos, dentre eles a soberania nacional. Portanto, qualquer ação no sentido contrário torna-se, automaticamente, inconstitucional.

Entre os movimentos de defesa da fragmentação já vistos no território brasileiro estiveram episódios históricos como o da Confederação do Equador (1824) e a Revolução Farroupilha (1835-1845), ambos no período do Império e cada um com suas particularidades e contextos. Dito isso, é importante entender as motivações do sentimento separatista de grupos que defendem a divisão nacional atualmente. 

Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, elenca razões que inervam o sentimento separatista em determinados grupos. “Pode surgir de diversos fatores, como da identificação cultural, na qual determinadas regiões ou estados têm uma unidade mais clara e menos diversificada. Por questões econômicas, na qual uma região sente que contribui mais e recebe menos. Ou mesmo por preconceito ou xenofobia”, explica.

Ele resume que grupos que atualmente defendem a questão, se baseiam em “teses de superioridade em torno de determinados estados, que se consideram o ápice do desenvolvimento e, portanto, olham os demais com desprezo”. Segundo Prando, há um sentimento de superioridade “cultural, econômica ou até mesmo racial” dentro de grupos separatistas.

Essas teses são contrárias à lei, portanto não são colocadas de maneira expressa na grande mídia ou no debate público, pois trariam à tona respostas judiciais. “O que se tem, muitas vezes, são fóruns e espaços que alimentam esses sentimentos. A internet é um espaço em que essas pessoas, às escondidas, fazem circular essas teses”, acrescenta.

O advogado Fernandes Neto, reforça a inconstitucionalidade do separatismo no Brasil e explica que, historicamente, esses movimentos não têm uma base sólida como em outros países que registram tendências separatistas.

“Em outros países há questões históricas, que geralmente definem esses povos e seu sentimento separatistas. Muitas vezes são povos que têm línguas, estruturas e culturas próprias. No Brasil não temos, de fato, uma região assim. Por mais que as regiões brasileiras tenham suas especificidades, ainda há um equilíbrio. Por exemplo, a língua no Brasil é uniforme, por mais que tenham alguns rincões”.

O advogado levanta ainda outra questão legal ao citar que tendências separatistas podem constituir um crime contra a integridade territorial e a soberania nacional. “Qualquer pessoa que ofenda essa estrutura está cometendo um crime”. Fernandes cita a Lei 14.197, que estabelece crimes contra o Estado Democrático de Direito. “Essa lei atualiza a antiga lei de segurança nacional. Ela é a base penal da inconstitucionalidade separatista”, conclui.

Dentro dos artigos da lei, está listado o crime de atentado à integridade nacional, que aponta que “praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente” é passível de pena de reclusão de dois a seis anos, além da pena correspondente à violência.

Neto defende ainda a integração nacional como um processo que só deve avançar. “Pensar que algum estado poderia viver independentemente dos outros é ultrapassado, os povos estão mais interligados e dependentes. A questão do Zema é individualizada, ele pretende surfar na parte Sul-Sudeste que deu maioria ao ex-presidente Bolsonaro. É um ato isolado que não tem amparo e interesse de ninguém".

Sobre a fala de Zema, Rodrigo Prando avalia que, embora o governador mineiro não tenha falado especificamente sobre separatismo, tornou-se problemática a partir do momento em que o gestor comparou estados do Nordeste a vacas magras, o que provocou manifestações de apoio de grupos separatistas. “Há um questionamento de que estados do Sul e Sudeste, mais populosos, são sub-representados no Congresso, em especial na Câmara (...) Até aí pode ser uma discussão legítima”, diz.

“A questão é quando Zema afirma que estados do Nordeste são vaquinhas pouco produtivas, aí retoma-se uma ideia (de separação)”. A partir daí a discussão “deixa de ser sobre representatividade e passa a ser sobre um sentimento de que Sul e Sudeste contribuem mais que os outros estados e que isso não é positivo. A partir disso, dá para se avançar numa discussão separatista? Legalmente não, mas politicamente, não tenho dúvidas, já se articulam inúmeras ideias a partir da fala”, diz o professor.

A QUESTÃO ELEITORAL

Chamado de “lampejo separatista” pelo Consórcio Nordeste, a fala de Zema sobre estados do Nordeste repercutiu mal entre atores políticos da esquerda e da direita na região e pode ter causado estragos na imagem do governador, que pleiteia, junto a outros nomes da direita, o posto deixado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) declarado inelegível.

Zema disputa o espaço - e os votos - , do bolsonarismo com nomes como o governador Tarcísio de Freitas (SP) e até a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) é lembrada. Embora Zema governe o segundo maior colégio eleitoral brasileiro, Minas Gerais, é sabido o peso que os nove estados do Nordeste têm nas definições eleitorais do País.

Então qual seria o intuito do governador mineiro ao falar algo que pudesse ser visto com maus olhos por toda uma região? O professor Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em Sociologia pela Unesp, avalia que a disputa por espaço midiático com outros atores da direita é um fator que faz e fará com que Zema continue a se posicionar de forma mais polêmica, na tentativa de atrair os olhares bolsonaristas.

“Tarcísio é considerado o principal quadro com capacidade de substituir Bolsonaro e ganhou visibilidade nas últimas semanas a partir de debates na segurança. Como Zema parecia que não queria ficar atrás, lançou sua fala. Ele olha politicamente e quer trazer esse eleitor bolsonarista. Muitos desses eleitores têm visões preconceituosas e até mesmo separatistas. Se ele ganha tração e visibilidade, nem que seja com algo sem fundamento legal, ele tem o segundo maior colégio eleitoral e até mesmo a possibilidade de ganhar espaço no primeiro”.

Prando avalia que a postura de Zema é parte de um cálculo político visando espólios eleitorais para 2026. “O Brasil tem gostado da polarização. Qualquer tentativa de terceira via ficou parada e frustrada como vimos em 2022. Nesse sentido, Zema tenta trazer à tona a polarização. Para mim é um grande movimento, que vai sendo testado aos poucos, para ver se ele ganha uma imagem política que traga o eleitor bolsonarista para seu lado”.

PONTO DE VISTA

O Brasil, a desigualdade regional e o desejo da separação

A fala do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, representa um sentimento latente em boa parte da população do Centro-Sul do Brasil. Este sentimento relaciona as regiões Norte e Nordeste como naturalmente atrasadas e como motivo de atraso ao país. Esta percepção se baseia não apenas em questões econômicas, mas raciais também.

As regiões brasileiras possuem formação socioeconômicas bem específicas, tendo o Norte e o Nordeste uma migração europeia mais antiga e de maioria negra, indígena e miscigenada. Enquanto as regiões mais ao sul passaram por recentes fluxos migratórios e de maioria europeia. Darcy Ribeiro, em sua obra "O Povo Brasileiro", caracteriza muito bem essas dinâmicas, que ora foram pacíficas e outrora conflituosas.

As características econômicas são apenas reflexos desses diversos “Brasis”. É preciso entender o que fomenta os distintos movimentos separatistas. Não se pode confundir a Confederação do Equador, por exemplo, com o atual separatismo presente em discursos ao Sul com forte caráter xenofóbico e muitas vezes racistas.

O nordestino Celso Furtado, notório economista e defensor de uma abordagem regionalista para o desenvolvimento do Nordeste, percebeu que a partir dos primeiros ciclos de industrialização do país, houve uma predileção por investimentos nas regiões ao Sul em detrimento do Norte-Nordeste, não por acaso, mas incentivo do Estado através da criação de infraestrutura e subsídios. Surge então, em sua concepção, uma estrutura centro-periferia interna.

Digo isso, pois é preciso analisar a fala de Zema de forma profunda. Ao criticar as motivações do Consórcio Nordeste, ele critica a ideia de uma equalização do desenvolvimento, já que lutar contra seria lutar para manter a estrutura que aí está, com o Estado presente para uns e não para outros.

Basta analisar a localização das universidades federais, a porcentagem de saneamento básico, infraestrutura, dentre outros setores importantes que o Nordeste continua sendo deficitário. O que explica uma mercadoria importada em Fortaleza vinda da Europa ter que descer o Atlântico para a região Sul e só depois chegar por terra aqui? Isso é um exemplo simples do que Furtado caracterizou como estrutura dependente interna e que o Governador Zema defende a continuação.

Esse sentimento separatista também não é restrito ao Brasil, apesar de que cada um possui características próprias e internas a cada país. A Catalunha e o País Basco na Espanha, Escócia no Reino Unido, Xinjiang na China, Quebec no Canadá, dentre vários outros.

Por: Iago Caubi, pesquisador no GIS-UFRJ

 

 

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