O ponto central, para Victor Piaia, professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação (ECMI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é a popularização e a facilidade de acesso. Antes, em sua visão, os conteúdos precisavam de especialistas para serem feitos, mas agora "pessoas comuns" podem fabricar esse tipo de material e ficou ainda mais difícil distinguir o que é real e o que é falso.
"Com o uso político (dessa tecnologia), a gente vê um alerta máximo porque isso tem um potencial muito grande de atingir pessoas e influenciar como as pessoas enxergam. Com uma qualidade, é difícil identificar se é verdadeiro ou falso, muda a percepção de apoio aos candidatos", aponta.
Ele cita como exemplo a situação hipotética de uma carreata ou manifestação. É possível que a edição de imagens para inclusão de pessoas no público para que aparente que o candidato teve mais apoio. A montagem pode ser usada para causar uma impressão diferente para quem não esteve presente no evento e acompanhou a repercussão apenas pelas redes sociais.
Embora a maioria das peças desinformativas seja criada pela chamada "rede de influenciadores satélites", ou seja, apoiadores que "orbitam" as campanhas, o professor acredita que até as campanhas oficiais devem aproveitar a inteligência artificial. "É um processo de transformação, cada salto tecnológico somado a essa população gera um momento de criatividade. As tecnologias, entre grupos interessados que trabalham com tecnologia, com esse uso que se torna mais popular, a gente tem um volume maior. As próprias campanhas se banham das tendências das redes sociais", destacou.
O professor faz um alerta também pela capilaridade das eleições municipais, em que os mais de cinco mil municípios brasileiros terão eleições para escolher prefeitos e vereadores. "Talvez mais danoso, porque a gente vai ter eleição para prefeito e são mais histórias para gente checar, é possível fazer um monitoramento de certa forma. Como são vários pleitos eleitorais, pode ser isso tenha impacto para municípios que não estão sendo enxergados", ressaltou.
Joscimar Silva, diretor e associado fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), segue na mesma linha e afirma que o uso de recursos de inteligência artificial não se trata mais de uma "decisão institucional" das campanhas. "Com a disponibilidade de ferramentas de inteligência artificial na produção de imagens, textos e vídeos, é comum que as campanhas eleitorais utilizem em algum grau essas ferramentas. Mas isso, em grande medida, apenas acelera a intensidade de produção de conteúdo da campanha. Inclusive, de conteúdo desinformativo", aponta.
Ele aponta como exemplo as deep-fakes, que são montagem de vídeos com informações falsas, mas com o rosto de candidatos/as de oposição, como aconteceu em muitas publicações durante as eleições na Argentina. "Para tentar impor alguns controles sobre essa e outras formas de desinformação eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem buscado produzir normas que regulamentem o uso das mídias digitais nas campanhas eleitorais", afirmou o também professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília).
Ele projeta que as eleições municipais devem ter as tecnologias digitais ainda mais presentes , especialmente através das plataformas de vídeos curtos, como TikTok, Kwai e até o próprio Instagram, que tem os reels. O diferencial para ele, é que nesses novos ambientes o acesso é quase homogêneo entre diferentes faixas etárias. "Dessa forma, numa única plataforma é possível segmentar o conteúdo de marketing eleitoral para diferentes públicos. Já podemos perceber o crescimento do uso dessas plataformas de vídeos curtos antes mesmo do período oficial de campanhas eleitorais", destacou.
"Vários influenciadores digitais locais já têm produzido conteúdos críticos à gestão municipal nas suas cidades. Além disso, produtoras de jingles de campanhas eleitorais já estão alimentando plataformas de vídeos com músicas que podem ser apropriadas por diferentes campanhas locais. As campanhas eleitorais municipais de 2024 tendem a ser campanhas com maior uso de tecnologias digitais", continuou.
As novas dinâmicas tendem a serem aplicadas dentro do mesmo cenário de polarização de 2018 e 2022 em que o o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram figuras centrais. "As lideranças políticas que disputarão as eleições municipais 2024 serão em grande parte líderes políticos tradicionais que estiveram mobilizados em um dos lados da disputa eleitoral de 2022. Mas isso não significa que em todos os municípios a disputa a polarização se dará entre um candidato lulista (ou petista) e um bolsonarista", destaca.
As mídias sociais devem tornar mais fácil para as equipes de campanha fazer com que as propagandas alcancem e ativem o eleitorado desinteressado em política, além de ajudarem na coleta massiva de dados de alcance, interação e engajamento dos usuários.