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8 de Janeiro: O cenário um ano depois da intentona golpista
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8 de Janeiro: O cenário um ano depois da intentona golpista

Evento está marcado para esta segunda-feira, 8, para lembrar o ocorrido e demonstrar novamente o rechaço das instituições ao golpismo
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Atos golpistas em 8 de janeiro. Ao fundo, o STF (Foto: SERGIO LIMA/AFP)
Foto: SERGIO LIMA/AFP Atos golpistas em 8 de janeiro. Ao fundo, o STF

Os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro completarão exatamente um ano amanhã, segunda-feira. Além de danos aos patrimônios físico e cultural nos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), os atos criminosos contra os Três Poderes, em Brasília, deixaram marcas na história do País e dúvidas pairando no ar.

Das mais de duas mil pessoas detidas por envolvimento nos atos golpistas, 66 continuam presas atualmente. Destas, pelo menos oito já foram condenados pelo STF. Para lembrar a data, eventos estão previstos para esta semana, numa demonstração de rechaço ao golpismo. Na programação, está previsto ato com a presença de chefes dos Três Poderes.

Intitulado “Democracia Inabalada”, o evento deve ser breve, com meia dúzia de discursos e a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de parte dos governadores, de deputados e senadores, dentre eles os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e demais membros do alto escalão do Judiciário.

O POVO ouviu especialistas sobre o que mudou de janeiro de 2023 para cá, considerando as respostas das instituições e os desafios que podem aparecer no horizonte.

Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), avalia que os ataques geraram um novo patamar e classifica o ocorrido como algo planejado.

“Foi um ataque orquestrado durante anos, conjugando fake news, pós-verdade, negacionismo e teoria da conspiração. O dia 8 foi uma mudança de chave, saindo do campo do discurso e indo para o campo da prática”, diz o professor, acrescentando que após o início de ano conturbado, com a sombra do golpismo, houve reação institucional.

Ainda que com críticas, Prando destaca a reação de duas frentes institucionais. “O STF, que pese muitas vezes tem certos exageros na atuação, com decisões monocráticas ou mesmo a superexposição dos ministros que se colocam no debate político de maneira indevida, mas que no momento da ação golpista foi quem manteve a força dentro dos limites legais. E a CPMI (comissão parlamentar), que produziu um relatório para trazer à tona não apenas o 8 de janeiro, mas um preâmbulo de tudo aquilo que anos de fake news fizeram”, pontua.

Ele reforça que apesar do 8 de janeiro o ano de 2023 terminou “com certa normalidade”. No sentido de que embora o governo Lula não tenha uma base de apoio firme e que varia de acordo com a pauta, consegue dialogar com campos opostos.

“A aprovação da Reforma Tributária mostra isso. O dia 8 é uma marca simbólica para a sociedade e um ano depois as instituições buscam tirar a ideia de que foi um ‘ataque de patriotas’, mas lembrar a data como um dia em que as instituições, ainda que fragilizadas, sobreviveram”, comenta.

Paula Vieira, cientista política e professora da Unichristus, avalia que as instituições têm cumprido seu papel. A professora projeta que a data servirá para relembrar que há consequências a desejos e práticas golpistas. “No momento imediato, houve demonstração de força das instituições. Mas ao longo do ano, elas vêm dando encaminhamento às consequências decorrentes do ato. Dando continuidade aos procedimentos, como se estivessem dizendo, que o Estado Democrático de Direito está funcionando”, argumenta.

Vieira cita, inclusive, a indicação do ministro Flávio Dino para o STF como parte dessa reação. Dino era o ministro recém-empossado à frente da Segurança quando os golpistas atacaram. Para a professora, a indicação do ministro para o Supremo, além de considerar critérios políticos e técnicos, também é “uma demonstração e uma resposta aos atos”.

Especialistas ouvidos pela reportagem não descartam novas intentonas golpistas. “Ameaças estão presentes no Brasil e no mundo. O Brasil tem uma cultura política autoritária, que valoriza o discurso populista, um discurso simplificador que divide entre o povo e as elites. Esse discurso ganha força muitas vezes nos discursos de Bolsonaro e de Lula. Insisto num quadrilátero de fake news, teoria da conspiração, pós-verdade e negacionismo. Essas questões estão latentes e precisam ser observadas”, alerta Prando.

Paula projeta que os representantes das instituições podem reagir, inclusive, com declarações relevantes no evento desta segunda-feira, 8. “Algo vai ser dito, falado ou até mesmo encaminhado, no sentido de prevenção. Acontecer (de novo) sempre pode, mas, em termos políticos, estamos num momento em que as coalizões estão funcionando. Quando ocorre algum diálogo, a tendência é que a possibilidade de golpismo diminua”.

Sobre o decorrer deste ano, a cientista política diz que não percebe, institucionalmente, um interesse de novos acenos a grupos golpistas. “A tendência é de que não haja tanta repercussão ao longo deste ano porque as pautas serão mais municipais. Como é ano eleitoral, a tendência é que se deixe o jogo eleitoral acontecer. O bolsonarismo fez a estratégia de dar um passo para trás para avançar. Continuam tendo palanques, mas como estamos no período de formação para as eleições, a tendência é que se concentre nisso”. 

Bate-pronto

Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Ceará (OAB-CE) e professor universitário.

O POVO - O 8 de janeiro completa um ano nesta segunda-feira. Do ponto de vista do Direito, da democracia e do funcionamento das instituições, qual o "saldo" deste primeiro ano? As instituições responderam à altura?

Fernandes Neto - Talvez seja, ainda, precipitado avaliar, com a complexidade necessária, a intentona de 8 de janeiro de 2023. O Estado Democrático de Direito implantado com a Constituição de 1988, ainda se ressente do surpreendente ataque à democracia nacional e suas instituições. Após mais de 30 anos de certa normalidade institucional – eleições livres, periódicas, com alternância de poder – o malfadado instante político que objetivava criar o caos social para justificar mais um golpe institucional dos tantos malferidos na breve história democrática nacional, não parecia provável, mas aconteceu. Levará tempo, a depender dos efeitos da atuação dos poderes da República sobre os todos os responsáveis pela tentativa de golpe, para permitir uma visão mais abrangente desses influxos. No momento, pode-se afirmar que as instituições constitucionais foram suficientes para debelar a intentona de 8 de janeiro. O STF e o TSE cumpriram a obrigação constitucional. O Poder Legislativo, através dos presidentes da Câmara e do Senado, repeliram a ameaça autoritária. As Forças Armadas, ou seja, a maioria do comando geral, não se aventuraram politicamente. Pode-se dizer que a resposta das instituições ao golpe foram positivas e necessárias.

OP - Grande parte do que ocorreu tem a ver com as eleições e com a polarização existente no País. Com o cenário atual, de um governo que busca dialogar com mais atores, mesmo os de campos opostos. É possível dizer que o pior já passou ou deve-se continuar vigilante?

Fernandes - A polarização é social e não só política. As eleições, pelos embates que provoca – reavivada pelo poder de agregação de pautas improvável através da virtualização - é a face mais visível desta divisão. A renovação do extremismo político, sobretudo pela extrema direita, é uma reação à exigência da consecução dos direitos fundamentais e sociais. O diálogo promovido pelo governo Lula, contribui para o isolamento dos extremos, dos que não se propõem a buscas de interesses temporários, no entanto, não assegura um restabelecimento dos status quo. A extrema direita permanece muito atuante no Brasil e no mundo, e se retroalimenta. Eleições como de Javier Milei, na Argentina, e a perspectiva de um duro embate nos Estados Unidos em 2024 alimentam a tendência extremista, que tem como principal efeito, o aniquilamento da própria direita liberal. A metáfora de Robert Michels (1914) da instabilidade das democracias é muito significativa: 'As correntes democráticas que constatamos na história assemelham-se às ondas. Elas se desfazem todas contra o mesmo encolho. E a todo instante se produzem novas. E a todo instante se produzem novas. É um espetáculo ao mesmo tempo reconfortante e entristecedor". A vigilância contra o autoritarismo deve ser constante. A polarização extremista entre esquerda e direita, têm a capacidade de embasar as visões, justificar posições antidemocráticas e aumentar os privilégios. Veja-se exemplos: O presidente Lula teria o dever democrático de nomear uma mulher para o STF, apesar de não ser um imperativo legal, mas não o fez. O Congresso Nacional legislou em causa própria no acréscimo desproporcional das emendas parlamentares e no fundo público para campanhas eleitorais, enquanto o Brasil amarga déficits fiscais astronômicos. Quanto ao Judiciário, os jornais estampam, diariamente, os supersalários em tribunais estaduais. O TJCE é exceção.

OP - Vale lembrar que estamos em ano de eleição novamente. É possível ver algo similar? E sobre as consequências legais para quem pratica ou praticou atos como os do 8 de janeiro, a lei brasileira é severa o suficiente ou pode ser aprimorada? Como?

Fernandes - As eleições de 2024 tendem a continuar polarizadas. Quando as eleições se travam nos municípios, no entanto, as questões e interesses locais, se sobrepõem às temáticas nacionais. É uma eleição localizada, por mais que nas Capitais e grandes centros urbanos os aspectos ideológicos nacionais tenham influxos consideráveis. O poder Judiciário tem se mostrado muito atento ao combate à extrapolação dos limites éticos e jurídicos das eleições, inclusive levando a cassação e inelegibilidade candidatos que usaram de fake news, abusando dos poderes políticos e econômicos para se elegerem. O combate, no entanto, é consequente e posterior ao ato, e a eleição, naturalmente. Os exemplos do TSE – importantíssimos para a prevenção – não garantem a normalidade dos pleitos, em uma sociedade cada vez mais intolerante com as diferenças e desigual, materialmente. A plena democracia pressupõe mais que eleições livres, mas a busca por uma sociedade justa, e a Justiça Eleitoral, pode aprimorar-se na defesa da igualdade de chances eleitorais, mas o papel decisivo é da sociedade como um todo, das instituições, dos partidos e candidatos, principalmente do eleitor. Infelizmente, nada nos permite acreditar nesse compromisso.

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