Em reunião ministerial no dia 5 de julho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) cobrou dos auxiliares reação e um "plano B" diante da alegada fraude no sistema eleitoral - do contrário, o País viraria "uma grande guerrilha".
"Se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira. Alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições?", disse na ocasião. O registro do encontro faz parte da investigação que apura suspeita de tentativa de golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito por parte de Bolsonaro e auxiliares.
A gravação da reunião estava em um computador do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. O equipamento foi apreendido pela Polícia Federal. Trechos do encontro foram revelados pelo jornal O Globo.
Ontem, um dia depois da operação que atingiu o ex-presidente e militares que integraram o governo passado e a cúpula das Forças Armadas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público o vídeo da reunião ministerial.
Estavam na reunião, entre outros auxiliares, os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Walter Braga Netto (candidato a vice de Bolsonaro em 2022). Além de Bolsonaro, que teve o passaporte apreendido, todos foram alvo da Operação Tempus Veritatis, deflagrada anteontem pela PF.
Ao autorizar a operação, Moraes afirmou: "A descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça eleitoral".
Durante o encontro, repleto de palavrões, Bolsonaro insistiu para que os ministros agissem logo. "Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder", disse, em referência a integrantes do governo ausentes na reunião. "A fotografia que pintar no dia 2 de outubro... Acabou, p...! Quer mais claro do que isso? Nós estamos fazendo a coisa certa, mas o plano B tem que pôr em prática agora", declarou o ex-presidente.
Segundo ele, o discurso em favor do voto impresso já estava esvaziado e, portanto, outro tipo de ação deveria ser empreendido. "Eu parei de falar em voto impresso e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... Eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes", afirmou o então chefe do Executivo federal.
Então chefe do GSI, Heleno também pregou uma ação antes da disputa eleitoral. "Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas", disse o general. "Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições."
Bolsonaro também criticou ministros do Supremo, como Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. "Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar, levanta o braço? Acredita que são pessoas isentas?", questionou. Os auxiliares ficaram calados. O ex-presidente disse que a Corte é "um Poder à parte" e "muitas vezes" decide "fora das quatro linhas".
Na reunião, Bolsonaro afirmou que ele perderia a eleição. "Tem acordo ou não tem com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)? Se tem acordo, que acordo é esse que está passando por cima da Constituição? Eu vou entrar em campo usando o meu Exército, os meus 23 ministros", declarou. Ministro da Defesa à época, o general Paulo Sérgio Nogueira afirmou que a comissão eleitoral do TSE era para "inglês ver" e disse que se sentia "na linha de contato com o inimigo".
O ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, indicou no encontro ser necessária uma junção de Forças Armadas, CGU e PF para "fiscalizar" as urnas eletrônicas. Ele mesmo interrompeu a fala e perguntou se a reunião estava sendo gravada. Bolsonaro e Braga Netto negaram. "Só mandei gravar a minha fala", respondeu o ex-presidente. O encontro, porém, foi registrado.
Além de cobrar ação imediata, Bolsonaro disse que passaria a exigir de seus ministros o endosso à narrativa de que as urnas não eram confiáveis. "Se não tiver argumento para me demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Se está achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, o cara está no lugar errado", disse. "Daqui para frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui."
Para Moraes, essa exigência indica "total desvio de finalidade" das funções do cargo público. "O então presidente exige que seus ministros deveriam promover e replicar todas as desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado para fins ilícitos", diz o ministro do STF no despacho que autorizou a operação de anteontem.