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Prefeitos, secretários e vereadores do Ceará são investigados por relação com facções criminosas
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Prefeitos, secretários e vereadores do Ceará são investigados por relação com facções criminosas

Ministério Público investiga vínculo com grupos criminosos de pessoas envolvidas com fraudes em licitações nas prefeituras do Ceará
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A group of wind-up toy business man - control concept (Foto: AdobeStock)
Foto: AdobeStock A group of wind-up toy business man - control concept

A ligação de políticos do Ceará com facções criminosas é mais que acusações entre sussurros nos corredores ou instrumento de ataque em palanques eleitorais ou na contrapropaganda clandestina. Com o avanço dos grupos criminosos em municípios cearenses e territórios nos municípios, agentes vinculados a órgãos de repressão ao crime organizado encontram cada vez mais vestígios da presença das organizações dentro da política cearense.

Por enquanto, nenhuma operação robusta foi deflagrada no Estado e nenhum político de forma direta foi alvo de punições, como prisão ou cassação, por exemplo, o que não afasta os tentáculos de facções criminosas em gestões cearenses. Há investigações em curso no Ceará que apuram o vínculo de vereadores e secretários com organizações, como confirmou ao O POVO representante do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), braço do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O nome da fonte será preservado, com menção apenas à instituição.

Ele ressalta que as suspeitas operam justamente no campo dos indícios que são apurados nessas investigações. Segundo informações que o órgão averigua, vereadores teriam sido eleitos em 2020 com o apoio e dinheiro de facções, principalmente do Primeiro Comando da Capital (PCC). A ligação também envolveria pessoas de dentro das gestões municipais, como secretários e até prefeitos. No caso dos chefes de Poder Executivo, a investigação não fica com a Gaeco, mas com a Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap). 

Facções estabelecidas no Ceará

Os nomes no radar teriam relação com células das facções já estabelecidas no Estado. Ou seja, o comando das ações não seria feito de São Paulo ou do Rio de Janeiro e sim de forma mais próxima. “Uma célula do Comando Vermelho já dentro do Estado. Não é aquela coisa afastada. Já temos municípios específicos, mas não posso mencionar. Tem um que já foi alvo de investigação nossa, mas não conseguimos identificar, só conseguimos novas informações”, destacou ainda o representante.

A confirmação acontece após os contornos de facções em gestões cearenses entrarem em foco nacional com reportagem do Estado de S.Paulo divulgada na última semana. A reportagem aponta a infiltração de integrantes do PCC e do Comando Vermelho (CV) em municípios para capturar contratos milionários. Além do Ceará, a ação dos criminosos foi detectada em investigações de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Para as facções, há a oportunidade de conseguir lucros e ainda lavar o dinheiro do tráfico de drogas em atividades lícitas. O interesse marca um avanço das facções que antes centravam apenas na interferência nas eleições. 

Após veiculação das possíveis relações, o secretário da Segurança no Ceará, Samuel Elanio, afirmou que a pasta tem feito trabalho de inteligência para coibir a presença de membros de facções criminosas nas prefeituras. A ação também visa evitar a influência dos grupos criminosos nas eleições municipais que acontecem em outubro deste ano. Entretanto, o secretário achou prematuro afirmar que faccionados estejam se infiltrando no processo eleitoral do Estado. Segundo ele, as informações não condizem com informações “atuais”.

"Está sendo feito um trabalho pelas inteligências no que se refere aos grupos criminosos e aos pleitos eleitorais desse ano. O que foi ventilado na imprensa não condiz com informações atuais, são antigas", disse em evento. "É muito prematuro falar que existe o ingresso de membros de grupos criminosos nas eleições, mas as inteligências estão trabalhando", garantiu.

Elânio citou que ações para diminuição da atuação das facções têm sido feitas em conjunto com outras pastas. "Em outras pastas, outras ações por parte das secretarias tem que entrar dentro do sistema em conjunto com a SSPDS para que tenhamos cada vez mais crianças e adolescentes afastados da criminalidade. Segurança não se faz somente com policiais, mas com atuação de outras pastas e esse foi o entendimento do governador quando ele planejou as reuniões no início do ano", disse ainda o secretário.

A fala aconteceu após a ocorrência de duas chacinas no mesmo dia, no no sábado, 17 de fevereiro, o dia com mais assassinatos registrados no Ceará desde 2020. Entre as vítimas, o secretário municipal da prefeitura de Aracoiaba e o genro do vice-prefeito.

Um dos suspeitos que foi preso de ter participado da execução, também seria suspeito de integrar uma facção criminosa. Circula nas redes sociais vídeo que registra parte da chacina. A gravação mostra uma pessoa apontando arma de fogo para uma das vítimas. A filmagem conta ainda com uma montagem fazendo referência à facção cearense Guardiões do Estado (GDE).

A motivação, conforme o delegado titular da Delegacia do Município de Aracoiaba, Eduardo Menezes, seria vingança por um homicídio em outro município. O alvo era apenas uma das vítimas que, conforme as investigações, tinha ligação com o grupo criminoso rival de Baturité. “Uma das vítimas da ação de Aracoiaba tinha amizades com alguns integrantes conhecidos da região, inclusive com fotos, festas, que pode ter levado a facção rival que eles também eram integrantes”, disse.

Casos de suspeita de facções  na política do Ceará(Foto: Luciana Pimenta)
Foto: Luciana Pimenta Casos de suspeita de facções na política do Ceará

Facções e política

O POVO mostra, desde 2020, suspeitas de envolvimento de facções criminosas com as disputas eleitorais. Na época, o delegado Paulo Henrique Oliveira Rocha, então coordenador da operação da PF nas Eleições 2020, disse ainda no primeiro turno que chegaram ao "conhecimento" da corporação muitas ocorrências envolvendo facções criminosas em diversos municípios.

Maranguape

Entre as eleições que teriam tido interferência de facções está a de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O MPCE havia requisitado à Polícia Federal abertura de inquéritos para investigar suposto apoio dado por membros de facção criminosa a campanhas políticas nas últimas eleições municipais no município.

O caso veio à tona com a prisão de Francisco José dos Santos Freitas, o Zezim da Horta, de 33 anos. Em transcrição de interceptações telefônicas feitas na operação Guilhotina, ele conversa com um vereador que viria a ser eleito sobre apoio no pleito. Ele ainda conversa com outros interlocutores sobre conversa que teria tido com um candidato a prefeito, entre outros. Em uma das interceptações, Zezim, acusado de ser chefe local do Comando Vermelho (CV), conta estar procurando candidatos para apoiar. A defesa dele negou associação com a política local.

Sertão Central

Outro caso de suposto envolvimento de políticos com facções criminosas foi registrado em um município do Sertão Central do Estado. Antes das eleições, um delegado de Polícia Civil encaminhou ao Ministério Público Estadual (MPCE) ofício em que descrevia que o prefeito do Município e outra pessoa financiou dois faccionados para assassinar integrantes e pessoas relacionadas a um grupo criminoso.

As mensagens que comprovariam essa ligação foram encontradas no celular de um suspeito de homicídio, apreendido por meio de mandado de busca e apreensão. Os áudios foram encaminhados pela Polícia Civil ao MPCE.

Santa Quitéria

No mesmo ano, quatro pessoas foram investigadas por um suposto plano para matar o prefeito de Santa Quitéria, a 229 quilômetros da Capital, candidato derrotado à reeleição. O grupo, que integraria a facção Comando Vermelho, havia sido preso em 11 de novembro.

Na delegacia, um dos envolvidos afirmou que recebeu 200 reais para pichar a casa de apoiadores do ex-prefeito o que teria sido uma ordem do chefe do CV no município. Ele também confessou o suposto plano de matar o candidato, que ainda envolveria atirar na casa de um assistente dele.

Redenção

Em Redenção, um chefe do CV foi preso no primeiro turno por compra de voto. Agentes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) flagraram ele e outro homem, em um carro, abordando moradores diversos moradores do município. Ao abordarem a dupla, os policiais encontraram R$ 2.261 em espécie, cuja origem não foi explicada pelos dois. Nenhum material de campanha foi encontrado e não foi informado qual candidato os dois estariam apoiando. Nas redes sociais, no entanto, o faccionado ostentava fotos com políticos da região.

Fortaleza e Litoral Leste

Fortaleza também teve registro de supostas interferências. Em conversas obtidas pela Draco, integrante de uma facção criminosa aparece dizendo ter apoiado financeiramente políticos de municípios do Litoral Leste do Ceará. Conforme as mensagens, apreendidas no celular de uma “conselheira” do CV, também teria havido uma ordem proibindo campanha para aliados do deputado federal Capitão Wagner, à época no Pros, que concorreu à Prefeitura de Fortaleza.

Em todos os casos, O POVO optou por não divulgar os nomes dos políticos citados por não haver ainda acusação formal contra eles.

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