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Câmara brasileira tem menor representação feminina da América do Sul
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Câmara brasileira tem menor representação feminina da América do Sul

Especialistas defendem reservas de vagas na Casa legislativa. Na América Latina predomina a política de cotas no processo eleitoral
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Dos 513 deputados federais, 17,54% são mulheres. Em relação à América Latina, o parlamento brasileiro é o quarto pior colocado em representatividade, dentre os países computados (Foto: Pedro França/ Divulgação)
Foto: Pedro França/ Divulgação Dos 513 deputados federais, 17,54% são mulheres. Em relação à América Latina, o parlamento brasileiro é o quarto pior colocado em representatividade, dentre os países computados

A Câmara dos Deputados do Brasil tem a menor porcentagem de parlamentares do gênero feminino de toda a América do Sul. Dos 513 deputados, 17,54% são mulheres. Em relação à América Latina, o parlamento brasileiro é o quarto mais mal colocado, dentre os países computados.

O primeiro lugar do continente latino-americano é Cuba, com 55.74% de representatividade, seguido por Nicarágua (53, 85%) e México, (50.4%). O primeiro lugar sul-americano é da Bolívia, com uma Câmara dos Deputados composta 46,15% por mulheres.

O levantamento é do Inter-Parliamentary Union (IPU), organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, referente a 31 de dezembro de 2023. Na pesquisa, são comparados os equivalentes às casas legislativas “baixas” de cada local, ou, se for o caso, é considerada a única casa legislativa do Congresso, já que em algumas nações não há divisão casa alta x baixa — no Brasil, Senado e Câmara.

A disparidade brasileira dos primeiros colocados ocorre por dois principais fatores, para a cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres: preconceito estrutural, que determina que o lugar das mulheres é outro e não a política; e falta de uma legislação, no Brasil, de incentivo à participação igualitária entre mulheres e homens na Casa legislativa.

Especialistas defendem reservas de vagas no Legislativo

Sobre o segundo ponto, a professora defende que medidas relacionadas apenas às eleições, como as que existem hoje, não são suficientes. No cenário atual, os partidos políticos são obrigados por lei a destinar, no mínimo, 30% dos recursos públicos para as campanhas eleitorais das candidaturas femininas, porcentagem proporcional ao número de candidaturas de mulheres nas siglas — que também deve ser de 30%, no mínimo.

Mesmo com a determinação se tratando de um piso e não um teto, o percentual de mulheres inscritas nas eleições ultrapassa em pouco a cota estabelecida. Em 2022, por exemplo, a base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 3.429 candidaturas femininas (35%) para a Câmara dos Deputados.

Segundo Torres, as cotas devem ser implementadas no próprio Congresso, por meio da reserva de assentos. “Muito embora seja uma legislação importante do ponto de vista da inclusão das mulheres, ela ainda é insipiente quando pensamos na objetividade do que queremos. Então, se o partido conseguiu, por exemplo, 10 cadeiras na Câmara Federal, 30% dessas devem ser ocupadas por candidatas mulheres. Nós teríamos, assim, uma legislação mais eficiente”, defende Monalisa.

Essa visão é reforçada por Paula Vieira, doutora em sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), que defende que, mais do que as vagas, a garantia promoveria um estímulo na atuação das deputadas.

“Quando a gente cria uma reserva de vagas há uma possibilidade de melhor preparação dessas lideranças, maior interesse dessas mulheres para participar da representação. Temos esse estímulo além da garantia da vaga”, afirma.

Houve uma proposta de emenda à Constituição (PEC), feita em 2023, que previa a reserva de vagas a mulheres nas casas legislativas. Relatada pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), a PEC, no entanto, não definia um número exato de cadeiras no Congresso, mas a ideia inicial era que começasse em 10%, em 2024 - número inferior ao índice de mulheres hoje na Câmara. Proposta aguarda votação.

Na América Latina, predomina a política de cotas no processo eleitoral

Segundo o Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (International Idea), apenas 30 países contam com vagas reservadas nas Casas Baixas (equivalentes à Câmara dos Deputados brasileira). A média da representação feminina nesses países fica em 25%, ainda superior ao Brasil.

Nos países líderes do ranking na América Latina o que ocorre em geral são cotas no processo eleitoral, reforçadas por leis de incentivo à equidade de gênero nos pleitos. Tais políticas de paridade na América Latina são vistas como vanguardistas.

Em 1991 a Argentina foi o primeiro país do mundo a estabelecer, por lei, a presença obrigatória de 30% de mulheres nas listas para candidaturas a deputados em nível nacional.

Essa mesma porcentagem de cotas no processo foi imposta, em outros países como o Brasil. No México, esse percentual foi sendo ajustado ao longo dos anos no país da América do Norte: em 2008, passou para 40% e, em 2014, houve a institucionalização da paridade de gênero.

Um estudo feito pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, em 2020, considerou fracas as políticas de redução da desigualdade de gênero no Brasil, que constam em um fraco arcabouço sustentatório das cotas, sem mandato de posição.

Segundo a pesquisa, a política de cotas brasileira não avançou por alguns motivos. Dentre eles: o fato de serem cotas de candidaturas, não sendo possível instituir mandatos de posição; os altos gastos de campanha, difíceis de sustentar para a maior parte das candidatas; além do fato do sistema consistir em uma lista aberta, na qual não há como definir previamente posições para as mulheres na lista do partido.

Este último ponto é frisado por Paula Vieira, professora da UFC. Segundo ela, um sistema fechado é eficiente em outros países da América Latina como a Bolívia. Lá, para cada titular mulher, deve haver um suplente masculino e vice-versa.

"Os sistemas que trabalham com cotas e reservas de vagas geralmente trabalham com listas fechadas. Ela possibilita um valor determinado. Um controle institucional fica mais simples de ser feito", defende. (Ludmyla Barros/especial para O POVO)

Baixa representatividade é influenciada pela violência política de gênero

Para as pesquisadoras ouvidas por O POVO, a baixa representatividade de gênero ainda é incentivada, paradoxalmente, pelo próprio parlamento e o sistema político brasileiro, que são muito masculinos. As mulheres seriam desestimuladas a participarem já no processo eleitoral, com a baixa destinação de renda para as campanhas, o incentivo a candidaturas laranjas, dentre outras violências hoje elencadas como "políticas de gênero".

Após a eleição, outras formas de violação são citadas, como a exclusão das mulheres de espaços de direção, por exemplo. Na Câmara, durante 185 anos, a Mesa Diretora foi composta apenas por homens. Apenas em 2011 que Rose de Freitas (MDB-ES) ocupou um lugar na Mesa Diretora. Nunca uma mulher presidiu o parlamento.

Apesar de baixa, a participação de deputadas tem aumentado aos poucos: em 10 anos, o Brasil passou de 8,97% para mais de 17%. Assim, a visão das pesquisadoras é de que, por meio do fortalecimento da pauta, esse cenário pode ser modificado gradualmente.

"Com as leis do TSE, tivemos um aumento, mas ainda muito inexpressivo, na minha visão. Eu acho que todo esse debate em torno da importância da representação feminina está funcionando de como as pessoas estão cobrando mais os partidos para que garantam que essas mulheres sejam competitivas. Vamos brigar para que esse número aumente", defende Monalisa Torres. (Ludmyla Barros/especial para O POVO)

Maior representatividade gera maiores avanços às mulheres

As principais leis voltadas para as mulheres, propostas na Câmara dos Deputados brasileira, partem das parlamentares femininas. Em um projeto da revista AzMina, que mede como cada deputado atua em “leis importantes para os direitos das mulheres no Brasil”, dos 10 políticos mais bem avaliados nesse quesito, 9 são mulheres.

Não significa que, com mulheres no poder, todos os problemas sociais e de gênero serão resolvidos. A própria América Latina ainda é muito desigual desse quesito: em 2022, por exemplo, pelo menos 4.050 mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina e no Caribe

Para Monalisa Torres, no entanto, o dado d’AzMina é lógico: quanto maior a diversidade no Congresso, mais chances demandas específicas terão de ser discutidas.

“Quanto menos mulheres no parlamento, menos plural é a nossa democracia em relação à qualidade e a efetividade das políticas públicas. Não custa lembrar que o legislativo leva essas demandas para os espaços de decisão política para transformar aquilo em política, em lei, em algo que impacte de fato na realidade das pessoas.”, diz ela.

Evolução da participação feminina na Câmara ao longo dos anos

As mulheres puderam votar e ser votadas pela primeira vez no Brasil, em 1932, de modo facultativo. No ano seguinte, foi eleita a primeira deputada federal, Carlota Pereira de Queirós (SP). Em 1934, o voto feminino foi incorporado à Constituição.

Levantamento do Inter-Parliamentary Union (IPU) começa em 1945, quando todos os 286 deputados da Câmara brasileira eram homens. Um pequeno percentual só aparece cinco anos depois: com 0,33% em 1950. Neste ano, Ivete Vargas foi eleita deputada federal por São Paulo pelo PTB.

O voto obrigatório feminino só ocrre em 1965. O ano de 1968 não apresenta dados devido ao fechamento do Congresso em razão do Ato Institucional nº 5, decretado em 13 de dezembro de 1968, pelo então presidente, marechal Costa e Silva.

A partir da redemocratização, o número de mulheres na Câmara cresce bastante: em 1986, 5,34% da Câmara era do sexo feminino, em comparação com os 1,46% do ano anterior. Com esse aumento, houve uma demanda das parlamentares para a construção de um banheiro feminino na Câmara, feito em 1987. O sanitário feminino no plenário do Senado Federal só foi construído em 2016.

Em 1995, houve o primeiro dispositivo de cotas para deputadas federais no Brasil: estabelecia que 20%, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres.

Dois anos depois, uma nova lei eleitoral estabeleceu no mínimo 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. O índice de participação feminina chega em 7,02%, em 1997, mas cai para 5,65% já no ano seguinte.

O Supremo Tribunal Federal (STF) define, em 2018, que os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas e 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres.

Uma PEC com essas medidas do STF, proposta em 2021 pelo Senado, é aprovada. As eleições de 2018 e de 2022 são as que elegeram mais mulheres até então: 15,05% e 17,74% respectivamente. (Ludmyla Barros/especial para O POVO)

Inclusão

Cuba

Líder em paridade da América Latina é Cuba (55,74% de mulheres no Legislativo). Não há política de cotas objetivamente, mas uma Comissão de Candidatos que analisa "mérito e disposição" para determinar cada concorrente. Em teoria, a medida visa garantir a participação ativa de todos os setores populares.

Cotas

Na Nicarágua, segunda colocada (53,85%), os partidos devem apresentar nas listas eleitorais percentual de 50% de homens e 50% de mulheres. O mesmo ocorre no México

Lista

Em quarto lugar, a Costa Rica (47,4%) tem lista fechada para eleição dos representantes, com números iguais de deputados homens e mulheres, postos em posições alternadas

Paridade

Desde 2010, a Bolívia — quinta colocada, com 46,15% — aderiu proposta para a então recém aprovada Constituição do Estado Plurinacional: as listas eleitorais devem conter paridade e alternância de gênero entre homens e mulheres. Ou seja, para cada titular mulher, deve haver um suplente masculino e
vice-versa.

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