Seis anos e sete meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, a Justiça condenou à prisão nesta quinta-feira, 31, os assassinos confessos dos dois. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram sentenciados pelo Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a penas que somam 137 anos de reclusão - 78 anos para Lessa e 59 anos para Élcio. Ambos estão presos em penitenciárias de São Paulo e Brasília desde março de 2019.
A sentença foi lida pela juíza Lúcia Glioche depois da decisão tomada pelos sete jurados. Eles se reuniram na tarde de ontem, após acompanhar dois dias de julgamento, com depoimentos de promotores, da defesa dos acusados e de testemunhas.
"A sentença se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro - livres por aí", afirmou a magistrada. "A Justiça é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas chega", afirmou.
Além da pena de prisão, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados a pagar uma pensão ao filho de Anderson Gomes, Arthur, até os 24 anos, e também uma indenização de R$ 706 mil por dano moral para familiares das vítimas. "Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva, negando o direito de recorrer em liberdade", declarou a juíza, sob aplausos da audiência presente ao julgamento, marcado por clima de emoção.
Marielle foi executada na noite de 14 de março de 2018, no centro do Rio. Ela voltava de carro para casa, no bairro da Tijuca, zona norte, depois de participar de uma reunião com mulheres na Lapa. A vereadora tinha 38 anos e estava acompanhada de seu motorista, Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora parlamentar Fernanda Chaves.
Na altura da Praça da Bandeira, um Chevrolet Cobalt prata emparelhou à direita do veículo no qual estava Marielle. Um dos ocupantes disparou nove vezes. A vereadora foi atingida por três tiros na cabeça e um no pescoço, enquanto Anderson Gomes foi alvejado três vezes nas costas. Ambos morreram no local. A assessora foi ferida por estilhaços.
Os dois ex-PMs foram condenados por duplo homicídio triplamente qualificado, uma tentativa de homicídio e pela receptação do Cobalt usado no dia do crime. Apesar da condenação, o artigo 75 do Código Penal estabelece que o tempo de cumprimento de penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 anos. Como o crime ocorreu em 2018 - um ano antes da atualização da lei, que antes previa dez anos a menos de pena máxima - Lessa e Queiroz deverão cumprir 30 anos.
O assassinato de Marielle e Anderson foi mencionado ontem durante a reunião no Palácio do Planalto que tratou de segurança pública e reuniu, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros e governadores.
Os promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro que atuaram nas investigações pediram a condenação máxima para os réus e rebateram, ontem, as declarações dos ex-PMs - ambos disseram no primeiro de dia de julgamento, anteontem, que estavam arrependidos.
"Aquilo que vocês viram, no interrogatório dos dois, foi uma farsa. Eles não estão com sentimento de arrependimento. Eles estão com tristeza por terem sido pegos", afirmou o promotor de Justiça Fábio Vieira.
Para o Ministério Público, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz confessaram os crimes porque sabiam que seriam beneficiados. "Por que confessaram? Porque estão arrependidos? Não. Porque isso vai beneficiá-los de alguma forma. Isso é uma característica do sociopata. Ele não tem emoção. Ele não tem valores. Ele não tem empatia", disse Vieira.
Além de se dizer arrependido e pedir desculpas, Ronnie Lessa voltou a dizer que o primeiro alvo pretendido para a emboscada era Marcelo Freixo, ex-deputado e atual presidente da Embratur. Freixo, no entanto, foi descartado por ser considerado "inviável", conforme os executores.
O ex-PM também relatou que, a fim de despistar o intuito político do crime, houve orientação expressa para que o ataque ocorresse longe da Câmara Municipal. Presos, os dois acusados participaram do julgamento por videoconferência.
Concluída em março deste ano, a investigação da Polícia Federal sobre o crime apontou como mandantes do assassinato o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão. Os irmãos e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa são réus por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e organização criminosa.
Por causa do foro privilegiado de Chiquinho, os três serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que prevê uma análise do caso até o fim do ano. De acordo com a denúncia, a atuação de Marielle na Câmara Municipal contrariou interesses do crime organizado na grilagem de terras na zona oeste do Rio, o que motivou o crime.