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'Prefeitura sem prefeito': como estão os municípios do Ceará em que prefeito está preso e outro, foragido
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'Prefeitura sem prefeito': como estão os municípios do Ceará em que prefeito está preso e outro, foragido

Em Santa Quitéria e em Choró prefeitos são alvos de investigações do MPCE ou da Polícia Federal e não assumiram; O POVO foi até os municípios para verificar o cotidiano dos municípios e conversar com populações, autoridades e líderes políticos
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Prefeitura de Choró, onde o prefeito eleito, Bebeto Queiroz, não tomou posse e está foragido (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Prefeitura de Choró, onde o prefeito eleito, Bebeto Queiroz, não tomou posse e está foragido

No terceiro mês do ano, os prefeitos que tomaram posse em 1º de janeiro já finalizaram diagnósticos da máquina, estabeleceram prioridades e alguns já têm os primeiros projetos encaminhados. Mas, em dois municípios do Sertão cearense, dois governantes eleitos em outubro de 2024 ainda nem tomaram posse. Um deles está preso. O outro está foragido da Justiça e da Polícia.

Os municípios de Santa Quitéria e Choró, os vencedores do pleito de 2024 entraram no radar de investigações ou do Ministério Público (MPCE) ou da Polícia Federal (PF).

O prefeito eleito no primeiro município está em prisão domiciliar, em Fortaleza, e é alvo de investigações por suspeita de envolvimento com facção criminosa durante o período eleitoral.

O segundo, está foragido desde dezembro, após investigação por suspeita de compra de votos com verbas de emendas parlamentares, e ainda não foi localizado.

Independentemente dos motivos que levaram, levam ou levarão vencedores de pleitos a não assumirem os cargos, as perguntas da população são, em suma, parecidas: “Quem a gente cobra?”; “Vai ter nova eleição?”; “O prefeito volta quanto?”. Já dizia o cearense Patativa do Assaré, coisa estranha, incomum, inverossímil, é se deparar com prefeitura sem prefeito.

“Ainda que alguém me diga que viu um mudo falando e um elefante dançando no lombo de uma formiga, não me causará intriga, escutarei com respeito, não mentiu este sujeito. Muito mais barbaridade é haver numa cidade prefeitura sem prefeito”, narrou o poeta do sertão em trecho de um dos seus poemas de caráter político.

Intitulado "Prefeitura sem prefeito", o escrito fez com que Patativa fosse preso, por 15 minutos, pelo então prefeito de sua terra natal (Assaré), segundo ele mesmo narra. A peça, no caso, ironizava a ausência do gestor ao ser procurado pelo poeta no seu local de trabalho. O relato foi feito pelo escritor em entrevista a Jô Soares.

Na prática, Santa Quitéria e Choró têm prefeitos que exercem os cargos. Os presidentes das câmaras legislativas assumido os respectivos Executivos interinamente. Entretanto, eles não foram eleitos para essa função.

Por isso, O POVO viajou para ambos os municípios, distantes 223,46 km e 168,10 km da Capital, respectivamente, e verificou como está o cotidiano daqueles locais e das pessoas.

A reportagem conversou com moradores, líderes políticos, agentes públicos e vereadores (esse último grupo apenas em Santa Quitéria), que relataram o andamento das gestões interinas e as perspectivas sobre o futuro. Além disso, a equipe dialogou com representante do Ministério Público em Santa Quitéria, sobre as investigações que envolvem o prefeito preso e desdobramentos.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Santa Quitéria tem prefeito preso e filho no cargo com eleição na Câmara sob questionamento

Maior município cearense em área territorial, com 4262,293 km², Santa Quitéria é palco de instabilidade política proporcional ao tamanho. A população viu o prefeito reeleito, José Braga (PSB), o Braguinha, ser preso no dia da posse e impossibilitado de assumir, na esteira de investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MPCE) que envolvem suspeitas de envolvimento com facção criminosa para ganho eleitoral.

Além disso, o Legislativo local teve uma das eleições mais acirradas para a mesa diretora, na qual o vereador Joel Barroso (PSB), filho do prefeito Braguinha, foi eleito para um terceiro mandato consecutivo como presidente da Câmara, sendo questionado por outros parlamentares, que alegam ilegalidade na eleição.

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2021 proibiu três mandatos consecutivos na presidência de câmaras municipais. A Justiça, inclusive, tem revertido eleições recentes em legislativos de alguns municípios, dentre eles alguns no Ceará como em Pindoretama. Legislativos de municípios como Altaneira e Canindé também enfrentam situação similar na Justiça.

Entretanto, alguns gestores argumentam que a decisão do Supremo é posterior à eleição que os conduziu a presidência. Segundo eles, nesta lógica, só contaria a eleição seguinte e uma única recondução. É baseado nesse entendimento que presidentes das casas legislativas municipais pelo Brasil tentam judicialmente garantir a legalidade de um terceiro mandato.

Embora tenha sido eleito presidente da Câmara, Joel assumiu a posição de prefeito interino após a prisão do pai.

O POVO chegou a Santa Quitéria numa manhã de quinta-feira chuvosa e conversou com moradores, que preferiram não se identificar, por timidez ou desejo de manter o anonimato, dando apenas seus relatos e opiniões sobre o dia a dia e o caso.

“Fui ao hospital e a outros locais e fui bem atendida”, disse uma mulher. Outra citou Braguinha: “Era um bom prefeito. Fez muito pela cidade”. Uma comerciante lamentou a instabilidade e as repercussões do ponto de vista econômico. “O comércio parou um pouco. Ninguém sabe se fica, se vai, aí o povo para de comprar”, conta.

Outras pessoas falaram do desejo de que a situação se reverta e que o prefeito retorne: “Eu peço a Deus que seja ele que volte”, disse uma moradora. “Ele vai ser solto”, projetou outro.

Também há aqueles que reclamam: “Isso prejudica a cidade toda. A maior bandeira não cobre a decepção”, disse uma pessoa ao ser perguntada sobre o motivo da prisão.

O POVO também foi à Câmara Municipal. De cara, na entrada do prédio, uma escadaria imponente e íngreme surpreendeu repórter e fotógrafo, que escalaram a estrutura para chegar ao coração do Legislativo quiteriense.

No local, uma funcionária telefonou para o prefeito interino Joel, que informou que não estava na cidade e marcou de falar com a equipe do jornal no dia seguinte (o que não ocorreria). As atenções, então, se dirigiram aos vereadores e a reportagem conversou com quatro parlamentares naquele dia.

Membros da base e da oposição à gestão interina estavam em reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os vereadores Lino Paiva (PSB), Douglas Lira (PP), Cesário Júnior (PP) e Pé de Mola (PT) atenderam a equipe do jornal e conversaram sobre o passado recente, o presente e futuro político de Santa Quitéria.

Lino e Cesário já foram base do prefeito Braguinha. Atualmente, ambos se declaram parte de um bloco independente, que conta com um terceiro vereador. Já Douglas e Pé de Mola são da base do prefeito interino. Os vereadores falaram em conjunto, num ambiente mais amistoso que acirrado, respeitando divergências e guardando a discordância apenas no campo político.

A Câmara de Santa Quitéria

Duas das palavras mais utilizadas pelos vereadores da base e da oposição foram: instabilidade e incerteza. Sentimentos que, segundo eles, se repetem nas ruas de Santa Quitéria e na população que os procura para perguntar sobre o futuro local. Os vereadores também cobraram mais celeridade da Justiça para que tome as decisões, a fim de garantir o andamento normal da vida política do Município.

“Temos acompanhado o Município diante da incerteza com a situação que aconteceu com o prefeito eleito Braga. Os vereadores têm buscado ouvir a população. Gestões interinas deixam algumas situações em que o município não tem como ter andamento real de projetos, como o alinhamento com as instâncias do Estado. A gente ainda sente essa ausência das ações concretas. O prefeito interino tem tentado dialogar, mas sentimos que ainda não é o essencial que o Município precisa”, disse Pé de Mola, abrindo as falas.

Já Douglas, destacou a campanha feita ao lado do prefeito Braguinha e a crença na continuidade com Joel. “Continuamos a acreditar nesse projeto, estamos no grupo do prefeito interino Joel. No Município aconteceram grandes avanços (...) Na saúde e educação. E tenho percebido no Joel uma decisão de fazer o trabalho”.

O parlamentar reconhece que a situação é dura, mas argumenta que os serviços continuaram sendo prestados. “Ninguém queria que estivéssemos nesse momento de instabilidade. Mas a gente que está na política, sabe que é uma luta diária (...) Ao meu ver o Município continuou as atividades normais, não vimos paralisação de serviços. Teve um problema da limpeza pública, dos garis, um dia, mas foi resolvido”.

Pela oposição falou primeiro Lino Paiva, que embora seja do mesmo partido de Braguinha e Joel, não caminha mais com a gestão. Lino foi chamado de “liderança” pelos colegas antes de se manifestar, sendo o mais experiente entre os presentes com quatro mandatos. Ele falou sobre a cobrança popular por uma resolução e cobrou celeridade do Poder Judiciário.

“Vivemos uma instabilidade política. De cada dez pessoas que nos abordam, nove perguntam: ‘E aí? Vai ter uma nova eleição na cidade?’ ‘Quando?’ ‘E na Câmara vai ter nova eleição? Quando?’ Estamos aguardando que a Justiça se posicione”, explica.

Lino destacou que a dúvida sobre o que ocorrerá no Município é prejudicial para todos os lados. “Torço que o Joel possa acertar nesses dias (na Prefeitura). Mas é ruim para ele, para o Município, para as pessoas, porque fica essa indecisão. Na próxima semana pode ter um julgamento e ele não ser mais (prefeito). Defendo que a Justiça se posicione o mais rápido possível para que a gente possa sair da instabilidade político-administrativa”.

Cesário Jr (PP) diz que a instabilidade política pesa, sobretudo, contra a população. “Quem está aí não foi eleito para ser prefeito, não foi quem bateu na porta para se comprometer, mas que pela lei é quem deve fazer o papel. E por se tratar do filho, é uma gestão que deveria continuar aquilo que era feito pelo pai. Essa é uma gestão de continuidade”, disse.

Júnior alega que a instabilidade acaba “prejudicando o andamento de setores vitais como educação e saúde”, gerando problemas que não ocorriam. “É uma instabilidade que ao meu ver, por ser uma gestão de continuidade, não tinha porque ter essa quebra”.

O POVO também conversou com a presidente interina da Câmara, vereadora Emanuela Barbosa (Republicanos), que falou sobre o caso de Braga e papel que assumiu de surpresa. “Sou servidora pública desde 2004 e vereadora em primeiro mandato. Tudo que a gente vivenciou, nada se compara ao que está ocorrendo agora”, cita

A vereadora diz que a gestão interina tem tido compromisso de garantir os serviços, mas que é um processo. “Assim que assumiu um dos primeiros atos foi convocar concursados para evitar paralisação de serviços. A gente ainda passa por esse processo. Alguns serviços ainda não ocorrem na sua eficiência, mas até março, todos os serviços estarão como desejamos, que são as unidades de saúde com equipe completa e escolas também”.

Emanuela fala ainda sobre o clima no Legislativo após o ocorrido. “Está bem acirrado, temos um grupo de vereadores independentes. Estamos bem misturados. Mas isso é bom, porque democracia é isso. Opiniões diversas. É acirrado mesmo (...) O objetivo, enquanto presidente, não é aumentar a rivalidade política. A gente tenta lembrar isso o tempo todo. Entendemos que existem discussões, mas tentamos equilibrar e trazer racionalidade”.

A presidente interina cita ainda a insegurança com a situação envolvendo a prisão do prefeito eleito. “O que a gente espera da democracia, da oportunidade do voto, é que o prefeito seja aquele que foi escolhido. Quando a gente se depara com isso, fica todo mundo inseguro e com medo, pela questão política mesmo, mas o Legislativo está zelando pelo Município, visitamos equipamentos, comunidades, para ouvir esses anseios”.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Vereadores falam sobre a cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Vereadores falam sobre a cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

A prisão de Braguinha

Os vereadores de Santa Quitéria que conversaram com O POVO relataram como a prisão do prefeito reeleito Braguinha impactou no dia a dia. "Refletiu na vida da população e dos poderes. Os sete vereadores que votaram no Joel, votaram para ele ser presidente da Câmara e de imediato ele teve que ir para outra função. Recebemos nesta mesma sala, nesta mesma mesa, o delegado que informou que o prefeito havia sido preso, no dia da posse", lembrou Lino Paiva (PSB).

"Foi muito ruim para o Município, para a Câmara, para a política local e repercute negativamente. A vontade das pessoas, dos colegas, é de saber o que irá acontecer, porque do jeito que está apenas transparece insegurança", completou.

Douglas Lira (PP) diz que o impacto é, inclusive, emocional. "Tudo que é inédito traz insegurança. Ninguém sabia ou esperava, mas independentemente das questões que ocorreram, a gente conhece uma parte do Braga e a parte que a gente conhece é sinônimo de superação. Impactou porque foi inédito e quem disser que não afetou é loucura. Afeta emocionalmente, afeta tudo. Ninguém queria isso e a gente torce para que se resolva logo e que as decisões sejam tomadas, a favor ou contra, mas que a gente possa partir de um ponto".

Cesário Júnior (PP) opina que a prisão foi a "posição mais pesada", mas também cobra uma solução. "Para a gente que conhece, que participamos do pleito, não percebemos essa questão toda. A Justiça tomou, talvez, a posição mais pesada, porque a prisão é a punição máxima. É pesado para nós passarmos por esse momento e agora esperamos um desfecho".

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Promotora do MP Julia Leite fala sobre a cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Promotora do MP Julia Leite fala sobre a cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Ministério Público atuou para garantir continuidade dos serviços

Em Santa Quitéria, a promotora Júlia Leite, da 2ª Promotoria de Justiça de Santa Quitéria, recebeu a equipe do O POVO e explicou como o Ministério Público do Ceará (MPCE) atuou para garantir a continuidade dos serviços públicos. Além disso, explicou o caso envolvendo a prisão de Braguinha e suas repercussões.

A promotora ressalta a atuação de investigações em duas frentes, uma do MPCE e outra da Polícia Federal. Esta segunda foi a que, segundo Júlia, prendeu o prefeito. “A investigação contra o prefeito Braga vem de uma investigação eleitoral do MPCE que vem desde antes das eleições. Em dezembro, o MPCE ingressou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), uma ação cível, em que já havia pedido que o prefeito eleito, seu vice e pessoas ligadas a eles fossem declarados inelegíveis; cassados e impedidos de assumir”.

Julia continua: “Simultaneamente a isso ocorria uma investigação criminal, feita pela PF, mas com base nos mesmos argumentos. O Ministério Público acaba atuando nessa parte mais eleitoral, de questões como a inelegibilidade, mas a parte criminal fica com a Polícia Federal. A PF entrou com pedido de prisão, que foi deferido e ocorreu no dia da posse”.

Com a prisão de Braguinha, a promotora conta que o MPCE atuou para garantir a continuidade dos serviços. “Foi um choque para toda a cidade, na época teve muita repercussão (...) Estávamos de recesso e já tivemos essa preocupação com o serviço público. Já havia uma preocupação quanto a isso. Ainda em janeiro deste ano, foi feita uma reunião pela 1ª promotoria, onde foi feita uma reunião com secretários e com o prefeito interino, buscando esclarecer a necessidade de regularizar o serviço público”, disse.

A promotora ressalta que o MPCE deixou claro que, quaisquer que fossem os responsáveis por gerir a cidade, teriam que garantir a continuidade de serviços. “Tudo pode parar, menos o serviço público, em especial o essencial. Todos os secretários se comprometeram a responder às questões do MPCE. De lá para cá têm sido feitas reuniões nesse sentido”.

MPCE monitorou situação de concurso público

A gestão Braguinha havia feito concurso público para servidores municipais, entretanto, o chamamento desses servidores não ocorreu de início, já que o prefeito foi preso. Posteriormente, a gestão interina convocou os servidores e o MPCE teve papel importante nessa garantia, segundo narra a promotoria.

“Uma questão que gerou burburinho foi a questão do concurso público. Ele já foi feito a partir de um termo de ajustamento de conduta do município com o MP. Esse concurso foi homologado na gestão Braga e havia a dúvida de como ficaria após o ocorrido. Foram feitas reuniões, a prefeitura manteve o cronograma e os candidatos já foram convocados", conta.

Julia reconhece que a repercussão dos fatos é contínua e atualizou as fases em que se encontram as investigações. “Houve e continua havendo repercussão. A gente segue aguardando a Justiça. Tanto na Aije que está em trâmite, que está na fase de apresentação de contestação por parte dos envolvidos, quanto na questão da PF, se vai culminar numa denúncia contra o prefeito. Enquanto isso, atuamos para garantir os serviços”, encerra.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Prefeitura da cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 19-02-2025: Prefeitura da cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Santa Quitéria. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

À procura do prefeito interino

A equipe do O POVO esteve na Prefeitura de Santa Quitéria, em busca do prefeito interino, Joel Barroso (PSB), que não estava no local. Na quinta-feira, 20, a reportagem foi avisada de que o prefeito atenderia a equipe para uma entrevista, às 17h30min, sobre o andamento da gestão e a situação de incerteza e instabilidade vivida pelo Município. O POVO esteve no local até aproximadamente às 18h30min, mas o prefeito não chegou.

Posteriormente foi informado pela equipe de comunicação da Prefeitura que Joel teria agenda no Palácio da Abolição, em Fortaleza, na sexta-feira, 21. Na data, O POVO esteve no Palácio da Abolição e procurou pelo prefeito, mas não o encontrou. A reportagem telefonou para Joel e entrou em contato via aplicativo de troca de mensagens, durante o evento do Governo do Estado, mas não houve resposta por parte do gestor.

Após o desencontro, Joel informou que estaria novamente em Fortaleza na semana seguinte e que procuraria a equipe para remarcar a entrevista. O prefeito interino não entrou em contato com a reportagem até o fechamento do material.(Colaborou Rogeslane Nunes)

 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-02-2025: Prefeito interino Paulinho fala da cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Choró. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-02-2025: Prefeito interino Paulinho fala da cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Choró. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Com prefeito foragido, interino fala em matar "um Golias por dia" em Choró

Em Choró, distante 168 km de Fortaleza, o prefeito eleito, Bebeto Queiroz (PSB), está foragido. Na quarta-feira, 5, completou três meses desde que ele foi alvo da segunda operação da Polícia Federal. O caso gerou repercussão nacional, mas os impactos políticos numa cidade de apenas 12,1 mil habitantes, segundo os dados do último Censo, são ainda maiores.

O prefeito eleito foi alvo de operação em 22 de novembro. No dia seguinte, entregou-se à Polícia. Depois de dez dias preso, foi solto, ao final do prazo da prisão temporária. Chegou a comemorar nas redes sociais, mas, dois dias depois, foi alvo de nova operação. Está desde então foragido.

A investigação envolve suposto esquema de uso de emendas parlamentares no Congresso Nacional para influenciar resultados eleitorais em dezenas de municípios. O deputado federal Júnior Mano (PSB) é alvo de inquérito da Polícia Federal sobre o caso.

O POVO esteve na cidade entre o fim da manhã e metade da tarde de quarta-feira, 20, um dia antes de visitar Santa Quitéria.

O vereador Paulinho (PSB) é presidente da Câmara Municipal e assumiu a Prefeitura interinamente após Bebeto e seu vice não tomarem posse

O prefeito interino falou sobre o cotidiano do Município, a relação com Bebeto durante a campanha e após ter assumido o Executivo. O prefeito diz que Choró caminha.

“Estamos, na medida do possível, hoje, os serviços estão chegando a nossa população. Queria eu poder alcançar ainda mais, mas há trâmites que temos que obedecer, questão de licitações, mas na medida do possível estamos com nossa folha em dia, serviço de saúde, educação, assistência, funcionando”, relata o interino.

Questionado sobre eventual nova eleição ou se já recebeu algum direcionamento da Justiça, Paulinho diz que o Município continua aguardando. “Oficialmente, até o momento, não. Estamos esperando uma decisão da Justiça e até lá não temos o que fazer. Estou fazendo o papel de interino no Executivo e estamos aguardando os ritos”, destaca.

Sobre a relação com o Legislativo, reconhece que há questões políticas locais, mas que tem tentado fazer com que a relação seja harmônica. “A Câmara, aqui, não é uma extensão do Executivo, porém, são poderes harmônicos. Quero agradecê-los, porque já foram enviados projetos para lá, que já foram discutidos e aprovados”.

Sobre o caso Bebeto, Paulinho diz que o papel que lhe cabe é tranquilizar a população e alega que desde que assumiu não teve mais contato com o prefeito eleito. O prefeito interino é do mesmo partido e grupo de Bebeto.

“Isso é novo para o Choró, o Município não tinha passado por uma situação dessas. Como Executivo, procuramos dar uma tranquilidade para a população. O Município e a gestão continuam”, destaca.

“A gente é do mesmo partido, antes eu era vereador. Na campanha, eu e os demais candidatos estivemos junto com ele (Bebeto), naturalmente, até porque somos do mesmo partido, não tinha como esconder. Mas a partir do dia 1° de janeiro, não. É uma gestão nossa”, reforça Paulinho ao argumentar que tem autonomia para gerir o Município.

“Estamos superando a cada dia. Estamos trabalhando por dia. Não estamos fazendo um projeto de curto, médio, longo prazo, mas o processo, o foco, é um dia por vez. Hoje, estamos vencendo mais um dia com responsabilidade, respeitando os ritos. As prioridades são muitas, mas como costumo dizer, estamos aqui, matando um Golias por dia. Com a ajuda de parceiros, secretários, da população. Entendendo as circunstâncias do Município e que num futuro breve estaremos festejando o sucesso do Choró”, pontua.

Além disso, a gestão interina destacou a relação com o Governo do Estado e com outros atores políticos a fim de captar recursos para o Município. “Estivemos com o secretário Nelson Martins, deixamos uma lista de prioridades. Sem essa parceria não poderíamos dar os passos que já demos no curto prazo".

"Com relação a deputados, nem estadual e nem federal. Vamos à marcha dos prefeitos para ter um encontro na esfera federal e saber em quais portas vamos estar batendo, temos que ter parceiros porque o Município precisa. O Choró não é órfão e nem será órfão”, assegurou.

Secretária fala sobre andamento da gestão

A secretária da Educação, Ana Flavia de Sousa Lima, 35, também atendeu a reportagem para uma conversa sobre o andamento da gestão e o caso Bebeto.

Ana Flávia disse que iniciou como secretária na gestão do prefeito interino Paulinho (PSB), mas que já fazia outra função na pasta na gestão anterior. “Entendemos que temos muitos a avançar ainda e já iniciamos as aulas, desde 5 de fevereiro estamos com todas as escolas funcionando. Desde a educação infantil até os anos finais do ensino fundamental”, relata.

Embora seja parte de uma gestão interina, a secretaria tem falado em projetos para o futuro, como “um projeto piloto de berçário para trazer os bebês para dentro das nossas escolas”, além de "eventuais reformas estruturais nos equipamentos de educação”.

A titular da pasta fala sobre a missão recebida, de surpresa, após o prefeito não assumir e ser considerado foragido pela Justiça. “Seguimos esperançosos. As coisas estão acontecendo. Nós assumimos com esse propósito, de não deixar a cidade parar. Sabemos que apesar de qualquer situação, os serviços não podem parar. Estamos na luta diária”.

Ana Flávia cita ainda as dificuldades enfrentadas no início da gestão interina. “Nada parou. Obviamente que no início temos um pouco de entrave, devido a processos licitatórios, mas com muita responsabilidade fazemos com que as coisas caminhem. Outros municípios não iniciaram as aulas e tiveram algumas situações desgastantes como falta de merenda”, cita.

E continua: “Aqui temos um pouquinho de dificuldade com a questão do transporte escolar. Não é nem que não tenha o transporte, a empresa já ganhou (a concorrência), já estamos com transportes locados e frota própria em funcionamento. São as questões naturais, a chuva atrapalha na estrada, alguns impactos com ônibus porque tem certa dificuldade de locomoção nas estradas do Interior, mas tudo isso a gente tem uma equipe preparada para resolver”.

A secretária relata ainda que o prefeito interino pede comprometimento e responsabilidade e reconhece que, embora o desejo seja superar a ausência do prefeito eleito, o caso “obviamente causa um impacto em todos os cidadãos e na dinâmica local.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-02-2025: Cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Choró. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-02-2025: Cidade sem prefeito, movimentação e a situação do município de Choró. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Comerciantes de Choró evitam falar de política para não perder clientes

Na sede do município de Choró, às margens do açude Pompeu Sobrinho, o desejo é de superar o impasse na Prefeitura, embora a sombra da incerteza ainda paire no local. O POVO não conseguiu conversar in loco com os vereadores, porque as sessões da Câmara ocorrem apenas às terças-feiras. Não havia vereadores na Câmara. A equipe também não localizou parlamentares na cidade.

Populares ouvidos pela reportagem toparam dar seus depoimentos, desde que não fossem identificados. Paira ainda uma certa desconfiança e medo de repercussões por conta de falas dissonantes. Um dos moradores disse que uma equipe de TV havia passado recentemente pelo Município para cobrir o caso do prefeito foragido e que a reação da população foi a mesma, poucos falam sobre o caso abertamente.

Um comerciante falou sobre a situação, reclamou das brigas políticas e do acirramento entre os próprios moradores que, muitas vezes, tem lado definido desde cedo.

"O problema do brasileiro é que ele briga pela política pessoal e não luta para melhorar coletivamente. É pessoal, se não gosta de um lado político, acabou", disse.

Pessoas do comércio citaram ainda a questão econômica influenciada pela veia política: "Essas coisas que aconteceram, a gente acaba pagando o preço. As pessoas pensam: 'Eu gosto do produto da fulana, mas ela está do outro lado (político), então eu não vou lá'. É assim o nosso dia a dia no comércio pequeno. A gente tem que ter cautela, saber o que falar, falar politicamente e não das pessoas".

Outra pessoa endossou a fala e mencionou o caso do prefeito eleito: "A liberdade de expressão aqui, a gente não tem. O comerciante pequeno sofre muito. E quando a gente depositou nossa confiança no prefeito (Bebeto), a gente confiou. Quando você tem passado ou amizades que tem que retirar do caminho, automaticamente, alguma coisa respinga".

Um morador falou em tom de apoio ao prefeito eleito, na esperança de que ele assuma o cargo. "Ainda acredito que ele possa fazer alguma coisa. Conhecimento ele tem, contatos que podem vir para ajudar as pessoas. O que precisamos no Choró é de ajuda (...) É uma cidade boa, precisa de uma sacudida. Não dessa que aconteceu, porque está bom já, né?!".

Outra moradora disse que, apesar da ausência, os serviços continuaram. "A política continua, secretarias de saúde e educação estão funcionando, está tudo funcionando".

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