Logo O POVO+
A guinada discursiva de líderes da esquerda na Segurança
Politica

A guinada discursiva de líderes da esquerda na Segurança

A segurança pública deve ser um dos principais temas da eleição de 2026; o assunto ganha contornos de urgência na política
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Camilo Santana, Lula e Elmano de Freitas (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Camilo Santana, Lula e Elmano de Freitas

De um lado, o "bandido bom é bandido morto". Do outro, as "vítimas da sociedade". Formas caricaturais como esquerda e direita resumem as mútuas concepções sobre segurança pública. Mais que uma pauta meramente eleitoral, trata-se de desafio para governantes em todo o Brasil. As linhas discursivas distintas defendem desde um combate com mão de ferro (repressão) a uma atuação com investimentos em políticas públicas que possam mudar a raiz do problema (prevenção). O discurso mais duro foi, historicamente, apropriado por setores da direita, mas sinalizações recentes sugerem uma “guinada” discursiva de líderes da esquerda, que passaram a enrijecer os discursos, a partir do Ceará.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o governador cearense, Elmano de Freitas, ambos do PT, são exemplos desse endurecimento, que tenta reposicionar não só o partido, mas o campo da esquerda no debate sobre a violência. No âmbito federal, a gestão Lula 3 enfrenta queda de popularidade, com desaprovação em alta. No cenário estadual, o governo Elmano tem sofrido com indicadores de violência, uma chaga que perpassa as últimas administrações no Ceará e que se agrava com a ampliação da atuação de facções.

A cerca de um ano e meio da eleição de 2026, Lula discursou prometendo impedir que o país se transforme numa “República do ladrão de celular”. A declaração foi dada em agenda no Ceará. Elmano, desde o ano passado, dá declarações similares, afirmando que a esquerda precisa “atualizar" o discurso e que “entre um policial ser vítima e bandidos tombarem, que eles (criminosos) levem sempre a pior”. O desafio é aglutinar, no discurso e na prática, a defesa da repressão ao crime e a legalidade das ações do Estado.

A mudança de tom não é ao acaso, a pauta da segurança dá e tira votos. Pesquisas apontam a questão como um fator de avaliação negativa para governantes; o tema deve ser, inclusive, o holofote na eleição de 2026. A mudança de discurso de parte da esquerda busca, também, responder à parcela da população que cobra mudanças efetivas.

Juliana Fratini, cientista política e doutora em ciências sociais pela PUC-SP, explica que, devido ao contexto histórico, a esquerda abdicou de falar abertamente sobre punição, abrindo brecha para que outros grupos ideológicos ocupassem o espaço.

“A esquerda teve um rompimento com instituições policiais no passado devido a ocorrências de ações desproporcionais destas instituições, fosse na humilhação de pessoas pobres e pretas ou em outras questões, porém, isso fez com que a própria esquerda acabasse negligenciando, em seus próprios discursos, a necessidade de punição. O que gerou certa revolta social e possibilitou que a direita crescesse dentro desse vácuo discursivo”, pontua.

Fratini avalia que os governantes da esquerda buscam voltar a falar sobre isso, como forma de reverter o atual quadro político de desgaste. “É importante que a esquerda venha a se apropriar da temática da segurança novamente, não apenas para demonstrar que tem domínio e controle, mas também para ganhar credibilidade junto ao eleitorado”, diz.

E continua: “O Estado é quem detém o monopólio do uso legítimo da força, operada por meio de instituições policiais e forças armadas. Ocorre que quando o Estado ou essas forças não agem com vigor o crime organizado toma conta da sociedade, gerando violência e pânico na população”, comenta, ao justificar o que motiva a mudança discursiva.

A professora Paula Vieira, pesquisadora ligada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídias, da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), avalia o cenário estadual e explica que a gestão Elmano já chegou ao poder, em 2023, precisando responder demandas feitas ao governo anterior, de Camilo Santana (PT).

“A grande crítica ao primeiro mandato do Camilo foi a segurança. Era uma novidade, no sentido de que as facções, no Ceará, datam de aproximadamente 12 anos atrás, ao menos nessa proporção que elas vêm tomando. A demanda do Camilo, inicialmente, não foi respondida. Quando Elmano chega, ele já chega precisando dar uma resposta. E quando vemos essas ações de facções se intensificando, com homicídios, tensionamento do processo eleitoral, ataques a provedores de internet, a coisa escalona e fica urgente”.

Paula diz que embora parte da esquerda não falasse abertamente sobre segurança, há uma interpretação equivocada na sociedade do que o campo defende. “Não existia um discurso tão direto, mas há, de modo geral, uma má interpretação do que seria o posicionamento do PT, do Lula e do Elmano. Se colocou esse falso discurso de que os direitos humanos seria para defender bandidos. O tratamento nunca foi esse, o que se defende é que pessoas acusadas de crimes tivessem direitos dentro de sistemas de punições”.

A professora continua a argumentação: “Quem são as pessoas geralmente cooptadas pelas facções? São pessoas negras, pobres, de baixa renda. O discurso do PT era muito mais preventivo, no sentido de entender onde o Estado não chega e o que precisa ser feito para impedir que o crime seja uma alternativa. Porém, como o problema não foi tratado e com as facções ampliando a permeabilidade, entendeu-se agora que era preciso endurecer”.

A guinada seria para além do processo eleitoral. “Não se pode resumir todo discurso apenas a uma eleição. É uma resposta do governo. É um endurecimento diante do contexto de ações de violência, que cobram respostas”, diz Paula, que lembra que outros setores da esquerda criticam o endurecimento das falas, por conta de discussões paralelas que abarcam desde ações truculentas em abordagens policiais a perseguições históricas a grupos minoritários.

Novos discursos de líderes da esquerda sobre segurança

Lula

1 - “Nós vamos ter que enfrentar a violência sabendo que nós temos que enfrentar o crime organizado. E não é o estado sozinho. É o estado, é o município e é o governo federal, porque a gente não vai permitir que os bandidos tomem conta do nosso país. A gente não vai permitir que a República de ladrão de celular comece a assustar as pessoas na rua desse País”

2 - “É por isso que nós estamos apresentando uma PEC da Segurança, para que a gente possa, junto com os governadores dos estados e com os prefeitos, agir definitivamente, dizer que o Estado é mais forte do que os bandidos”

3 - "Lugar de bandido não é na rua, assaltando e assustando pessoas”

Falas de Lula durante visita ao Ceará, em março de 2025.

Elmano de Freitas

1 - "Entre um policial ser vítima e bandidos tombarem, que eles levem sempre a pior. Minha determinação será sempre agir dentro da lei, mas com a força que for necessária para combater firme o crime e dar mais paz para nossa população. Nossas Forças de Segurança têm meu apoio"

Governador Elmano, em março de 2025, ao comentar uma operação policial em Parambu

2 - "A diferença que nós temos com a extrema direita é que eles defendem uma política de segurança sem lei, em que pode tudo: torturar, matar, descer a um nível que o Estado civilizado não pode permitir. Mas a esquerda tem que atualizar o discurso e propor uma ação muito dura contra o crime. É defender claramente que as organizações criminosas são inimigas do povo no seu dia a dia, e que querem abalar nossas instituições. Precisamos de um projeto com oportunidades para a população, mas, se a pessoa resolver ir para o mundo do crime, vamos tratá-la como inimiga do povo e da democracia"

Elmano em entrevista ao jornal O Globo, em junho de 2024

Camilo Santana

1 - "Concordo com a mudança de olhar sobre esse tema. Nós temos que acabar com esse preconceito, essa dificuldade de discutir um tema tão importante para a população brasileira, que é esse medo, o temor, do problema da violência”

Camilo Santana em junho de 2024, após Elmano defender que a esquerda atualizasse o discurso sobre a segurança em outra entrevista

O que você achou desse conteúdo?