A socióloga Rosângela Lula da Silva, a Janja, tem dado o que falar sobre o papel de primeira-dama. Diferentemente de antecessoras, ela não passa despercebida no mandato do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ela aparece, causa repercussão até internacional, já é incluída em pesquisa até para presidente da República — embora impedida de ser candidata — e agora o PT lança campanha para defendê-la. Janja é uma das principais personagens do governo Lula, tem papel preponderante como conselheira do presidente e é também o alvo predileto da oposição. A visibilidade provoca tensão entre o protagonismo feminino e os limites institucionais do cargo não oficial que ocupa.
A figura da primeira-dama costuma ser associada à “vitrine de projetos sociais do governo”, observa Monalisa Torres, cientista política do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC). “Elas normalmente encenavam um papel de assistência social. A cultura do primeiro-damismo está relacionada a esse lugar da mulher que cuida”, contextualiza.
Janja, no entanto, “parece performatizar uma busca para além desse perfil”. Para Monalisa, essa ruptura gera ruído em um cenário de polarização política. “A eleição não resolveu o conflito causado por esse antagonismo, e qualquer movimento do governo inflama tensionamentos. O fato de ela não ter sido eleita e, mesmo assim, influenciar decisões, intensifica ainda mais o ambiente polarizado, colocando em xeque algumas pautas do Lula", avalia.
Em meio a outras polêmicas, a atuação de Janja foi questionada mais uma vez após, segundo relatos do portal G1, ela pedir a palavra em um jantar com o líder chinês Xi Jinping e afirmar que o TikTok, plataforma chinesa, favorece conteúdos de direita. Em entrevista à Folha de S. Paulo, a primeira-dama negou ter quebrado protocolos.
"Quer dizer que eu não posso falar? Eu não sou um biscuit de porcelana. Eu não vou num jantar só para acompanhar meu marido. E ele nunca disse: 'Não fale, fique quieta'", rebateu. A fala, no entanto, alimentou críticas acerca do desempenho dela em espaços institucionais.
“Qualquer deslize diplomático pode interromper negociações. E aí você tem uma pessoa sem função política, sem voto. Portanto, sem legitimidade para estar onde está”, analisa Monalisa.
A cientista política Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita (OED) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ressalta que é preciso distinguir críticas misóginas de discussões sobre institucionalidade. “Parte das críticas nem deveriam estar em pauta, mas é saudável, em uma democracia, debatermos os limites institucionais de todas as pessoas no poder, eleitas ou não”.
Para ela, o problema surge quando a atuação da primeira-dama transborda para uma performance de poder. “A questão é quando ela parece falar em nome do governo, o que não tem previsão legal”, resume Kalil.
Uma mostra dessa tensão está na reação do Partido dos Trabalhadores (PT). Na quinta-feira passada, 22, a legenda lançou campanha nas redes sociais em defesa da primeira-dama. "Estou com Janja" é o slogan.
Se, por um lado, Janja tenta romper papel decorativo historicamente atribuído à primeira-dama, por outro, a atuação dela ocorre em um ambiente sem respaldo constitucional para influenciar decisões. “Institucionalmente, primeira-dama não é uma função política. Ela não foi eleita para isso”, reforça a pesquisadora do Lepem-UFC.
Já a coordenadora do OED destaca que o Brasil não reconhece formalmente o papel de primeira-dama, e regularizá-lo implicaria institucionalizar a conjugalidade do presidente. "O que há, e faz sentido ter, são diretrizes". A exemplo, ela cita orientação normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a atuação da cônjuge do presidente da República em compromissos nacionais e internacionais.
Monalisa complementa: “Talvez essa insistência dela em reconstruir esse lugar também se relacione à polarização atual. Janja incorpora pautas caras a uma parte da esquerda, como se se sentisse representante desse segmento, mas ela não tem voto. Se quisesse isso, teria ce concorrer".
Nesse contexto, primeiras-damas passaram a figurar em pesquisas eleitorais. Levantamento encomendado por aliados de Lula aponta que Janja e Michelle Bolsonaro estariam empatadas em intenções de voto em um eventual segundo turno, com 41% cada.
A pesquisa, feita por telefone, tem margem de erro de três pontos percentuais. Michelle é vista como possível alternativa ao ex-presidente Jair Bolsonaro, caso ele siga inelegível. Janja, por sua vez, está impedida de disputar a Presidência em 2026 por ser casada com o atual mandatário — poderia concorrer apenas se Lula renunciasse antes.
"Até aqui, na história da Nova República, é a primeira vez que falamos de primeiras-damas e ex-primeiras-damas com aspirações políticas. Janja extrapola a função tradicional e surge como um contraponto a Michelle", reflete Kalil.
Em meio às polêmicas, Janja visita Fortaleza nesta segunda-feira, 26. Ela participa de evento da Coalizão Global da Alimentação Escolar e da certificação de 30 turmas concludentes do curso de panificação social do Amor na Massa, desenvolvido dentro do programa Ceará Sem Fome.