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Como projeto aprovado no Senado afeta o meio ambiente e divide até governo
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Como projeto aprovado no Senado afeta o meio ambiente e divide até governo

Senadores aprovam projeto patrocinado pela bancada ruralista que afrouxa regras para licenciamento ambiental e prevê andamento acelerado para empreendimentos "estratégicos". Críticos acusam retrocesso
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Mudanças na legislação foram aprovadas no Senado Federal (Foto: Valter campanato/Agencia Brasil)
Foto: Valter campanato/Agencia Brasil Mudanças na legislação foram aprovadas no Senado Federal

O embate que levou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), a se retirar da Comissão de Serviços de Infraestrutura ocorre dias depois de o próprio Senado ter aprovado o projeto de lei 2159/21, que flexibiliza o licenciamento ambiental brasileiro.

A proposta tramita há 21 anos e causa polêmica no próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, em 2021, mas, como passou por mudanças no Senado, terá de retornar à Câmara para ter as alterações confirmadas ou não pelos deputados. Caso seja aprovada definitivamente, a proposta segue para sanção do presidente Lula.

O projeto foi aprovado de forma esmagadora, por 54 votos a 13. O PT votou contra e Marina Silva tem feito ferrenha oposição ao projeto. Porém, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), posiciona-se a favor. Ambientalistas apelidam o projeto de "mãe de todas as boiadas" e "PL da Devastação".

O projeto reduz significativamente o número de empreendimentos que precisarão do licenciamento ambiental para sair do papel e cria uma modalidade que permite a um órgão político autorizar obras a despeito de seus impactos ao meio ambiente. Também impede que o dano indireto de uma atividade seja considerado no licenciamento, de modo que a construção de uma estrada, por exemplo, não precisará levar em conta as condicionantes ambientais paralelas à sua construção — como o desmatamento no entorno.

Promovido pela bancada ruralista, o projeto impacta diretamente a Política Nacional do Meio Ambiente que, desde 1981, obriga uma extensa análise prévia para autorizar atividades que utilizem recursos ambientais, causem poluição ou possam provocar degradação ambiental.

Se a nova lei for aprovada pela Câmara, um dos setores mais beneficiados seria a agropecuária, que não precisará de licenciamento para atividades extensivas, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte que não ameaçam a vegetação nativa.

"Apenas empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente, a ínfima minoria, será objeto de licenciamento regular, mediante análise prévia do órgão licenciador", afirma o Instituto Socioambiental (ISA), em nota técnica contrária ao PL.

Defensores do projeto argumentam que o Brasil precisa desburocratizar suas mais de 27 mil regras ambientais, e que a nova Lei poderia destravar 5 mil obras paradas por falta de licenciamento. Já os críticos, entre eles o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), entendem que o texto viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, consolidado na jurisprudência, e coloca em risco a segurança ambiental e social no país.

"O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. O Brasil está voltando ao padrão de desenvolvimento que criou exemplos como o de Cubatão, com gravíssimos danos à saúde pública, ao meio ambiente e até mesmo ao desenvolvimento econômico", afirmou Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em reportagem do Observatório do Clima.

Já a ONG WWF apontou que a "provação do 'PL da Devastação" pelo Senado é inconstitucional e pode gerar retrocessos ambientais irreversíveis".

O que muda com a nova lei

Um dos pontos mais polêmicos é a ampliação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Ela funciona mediante uma autodeclaração do empreendedor, que afirma não explorar o meio ambiente de forma ilegal. A concessão da licença é automática, ou seja, não há exigência de estudos prévios ou análise técnica para averiguar a veracidade da declaração.

Segundo cálculo informado pela ex-presidente do Ibama Suely Araújo à imprensa, a proposta amplia o modelo de autodeclaração para 90% dos atuais licenciamentos ambientais expedidos no Brasil. A única condição para obter a licença é que a atividade seja de pequeno ou médio porte e não cause extensa degradação ao meio ambiente. Anteriormente, a LAC era válida apenas para atividades de baixo impacto ambiental.

A licença não será autorizada se houver desmatamento de vegetação nativa, já que nesse caso há necessidade de autorização específica. Mesmo assim, projetos em áreas sensíveis poderão usar o mecanismo.

Ele será válido, por exemplo, para obras de duplicação de rodovias e dragagens, além de empreendimentos de saneamento básico. Segundo o MMA, estes empreendimentos seriam monitorados por amostragem, dispensando a necessidade de fiscalização e ampliando o risco ambiental.

A pasta também avalia que o texto enfraquece o papel do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ao permitir que empreendimentos em unidades de conservação sejam licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do órgão gestor da área.

Licença especial definida por órgão político

O PL também cria uma modalidade nova, a Licença Ambiental Especial (LAE). Entram nesse rol projetos que forem considerados por decreto como prioritários ou estratégicos pelo governo federal. Eles passarão por um rito especial, com dispensa de etapas e prioridade de análise. O responsável por escolher as atividades estratégicas que contornam o licenciamento seria o Conselho de Governo, um órgão político composto por ministros de Estado e outros membros do gabinete presidencial.

Tais empreendimentos podem entrar nesta lista ainda que seja "utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente".

A criação dessa licença especial pode possibilitar, por exemplo, o avanço da autorização para a exploração de petróleo na Amazônia, como no caso do pedido feito pela Petrobras para explorar petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas.

Fim da análise do impacto indireto

Segundo o ISA, o PL ainda impede que sejam exigidas condicionantes sobre os empreendimentos, inclusive em casos de significativo impacto ambiental, como desmatamento, pressão sobre comunidades indígenas, ou contaminação de corpos d'água. Isto porque ele exclui as áreas de influência indireta (AII) do processo de licenciamento.

Se aprovado, o impacto secundário de hidrelétricas e ferrovias, por exemplo, não poderá ser considerado para liberação da construção. Ainda recorre a um novo modelo de renovação automática de licenças para atividade de baixo ou médio potencial poluidor que não tenha mudado seu porte. A renovação também aconteceria via autodeclaração. 

Outro ponto que muda com o novo projeto é a punição. O agente público que autorizar um licenciamento em desacordo com as normas ambientais só poderá ser punido criminalmente se houver intenção de cometer o crime. (DW com Agência Senado)

O que muda com o projeto sobre licenças ambientais

O que muda com o projeto de lei 2.159/2021:

Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)

É uma modalidade simplificada de licenciamento. Nela empreendimentos de baixo potencial poluidor fazem informam que cumprem as regras ambientais e não causam grande impacto. O projeto amplia a possibilidade da LAC para obras ou atividade de médio porte e médio potencial poluidor nos quais órgãos fiscalizadores não tiverem identificado fragilidade ambiental. Hoje a LAC se restringe a empreendimentos de baixo impacto ambiental. Nesse caso, o licenciamento é transferido do órgão ambiental para o próprio empreendimento, que informa o impacto que irá causar.

A concessão da licença é automática, sem necessidade de estudos prévios ou análise técnica para averiguar a veracidade da declaração. É previsto um monitoramento por amostragem. Ou seja, nem todos os empreendimentos licenciados nessa modalidade passam por fiscalização de órgão ambiental.

Essa se torna a regra do licenciamento ambiental no Brasil. A exceção passam a ser empreendimentos de alto impacto para o meio ambiente.

Cerca de 90% dos atuais licenciamentos ambientais expedidos no Brasil poderiam ser substituídos pelo modelo de autodeclaração, segundo cálculo informado pela ex-presidente do Ibama Suely Araújo.

Uma questão é como definir o impacto ambiental de uma atividade que não passou por avaliação. Nesse caso, vale a manifestação do empreendedor. Além disso, a proposta permite autodeclaração, sem qualquer análise ténica prévia, em projetos como duplicação de rodovias e dragagens e ações de saneamento básico, cujo impacto potencial é alto.

Projetos em regiões sensíveis e habitadas por comunidades vulneráveis podem usar o mecanismo.

O LAC também pode ser usado para regularizar empreendimentos que já estão em operação e deveriam ter se submetido a licenciamento ambiental, mas não foram.

Não é autorizada licença por autodeclaração se houver desmatamento de vegetação nativa. Nesse caso, é necessária autorização específica.

Licença Ambiental Especial (LAE)

Esta nova modalidade de licenciamento ambiental foi proposta por emenda de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado. Pela proposta, projetos que forem considerados por decreto como prioritários ou estratégicos pelo Governo Federal passarão por rito especial, com dispensa de etapas e prioridade de análise. A responsabilidade por definir as atividades que se enquadrarão e poderão contornar o licenciamento será o Conselho de Governo, órgão político composto por ministros de Estado e outros membros do gabinete presidencial. Podem cumprir o rito especial mesmo empreendimento que usa "recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente". A criação dessa licença especial pode possibilitar a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na foz do rio Amazonas.

Dispensas de licenciamento

A proposta dispensa de licenciamento ambiental atividades que se considera que não oferecem risco ambiental ou precisam ser executadas por questão de soberania nacional ou de calamidade pública. São elas:

  • Obras e intervenções emergenciais ou realizadas em casos de estado de calamidade pública ou situação de emergência decretados por qualquer ente federativo.
  • Atividades de caráter militar previstas no preparo e no emprego das Forças Armadas, não consideradas utilizadoras de recursos ambientais, não potencial ou efetivamente poluidoras ou incapazes de causar degradação do meio ambiente.
  • Manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou nas proximidades de rodovias (faixas de domínio) ou linhas de transmissão elétrica (faixas de servidão).
  • Empreendimentos não incluídos nas listas de atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental.

Renovação automática de licença

O projeto permite renovação automática das licenças ambientais para atividade considerada de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte que apresente relatório de cumprimento das condições do contrato. A renovação automática é permitida se não houver alteração nas características e no porte do empreendimento, se não tiver ocorrido alteração na legislação ambiental aplicável e se forem cumpridas as condicionantes da licença, mediante apresentação de relatório assinado por profissional da área.

Mudanças na operação que não tenham impacto ambiental negativo devem ser comunicadas com antecedência mínima de 30 dias. Depois desse prazo, se não houver manifestação do órgão ambiental, será considerado que a autorização foi concedida. 

ICMBio perde poder

Empreendimentos em unidades de conservação, como parques nacionais e estações ecológicas federais, passam a poder ser licenciados sem manifestação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). 

Órgãos colegiados perdem poder

O projeto retira poderes de órgãos colegiados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e os conselhos estaduais. Competências são transferidas para estados e municípios.

Menos rigor em áreas indígenas

A manifestação dos órgãos competentes pela proteção de terras indígenas passa a ocorrer apenas em áreas já homologadas e territórios quilombolas já titulados. Lugares com processo de reconhecimento formal dos territórios indígenas ou quilombolas em andamento deixam de estar resguardados.

Agricultura e pecuária sem licenciamento

Pelo projeto, atividades agricultura e pecuária são dispensadas de licenciamento ambiental se estiverem inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Os dois instrumentos não avaliam impactos como uso excessivo de água, poluição do solo e pressão sobre áreas de preservação. O relator argumentou que atividades agropecuárias já são reguladas pelo Código Florestal quando ao desmatamento que provoquem.

Impactos indiretos desconsiderados 

O projeto exclui dos estudos de impacto ambiental áreas de influência indireta (AII). Por exemplo, um grande empreendimento pode gerar efeitos para além do território específico onde está instalado, como o desmatamento do entorno para construir uma rodovia, grilagem de terra nas proximidades de uma indústria, poluição de um rio que passe nas redondezas ou interferência sobre povos indígenas que vivem próximos ao local onde uma atividade funciona. Essas áreas que podem sofrer impactos indiretos deixam de ser consideradas.

Questionar impactos indiretos

Impactos indiretos mesmo na própria área do empreendimento passam a ser passíveis de questionamento por ausência de relação comprovada com a atividade ou por não ter "poder de polícia" para evitar ação de terceiros relacionada ao empreendimento.

Pena maior por costruir sem licença

A pena por construir ou reformar obras ou serviços poluidores sem licença ambiental, hoje de um a seis meses de prisão, passa para seis meses a dois anos ou multa, ou ambas cumulativamente. A pena aumenta em até o dobro se o licenciamento for sujeito ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Punição só se houver intenção

Agente público que autorizar licenciamento em desacordo com as normas ambientais só poderá ser punido criminalmente se houver intenção de cometer o crime.

Fontes: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, DW e Agência Senado

Ministro de Lula defende proposta de licenciamento ambiental, na contramão de Marina

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental "avança sem precarização". O chefe da Agricultura disse ainda respeitar o posicionamento contrário da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmando que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é plural.

"Eu respeito o posicionamento dela, talvez ela fazendo uma análise mais profunda do texto pode haver divergências. O governo é plural. As áreas podem ter, em algum momento, conflito de ideias e de pensamentos. Mas eu, particularmente, acho que é um projeto que avança muito sem precarização", afirmou Fávaro.

Segundo Fávaro, o projeto de licenciamento ambiental pode dar uma grande capacidade para o governo licenciar obras de infraestrutura e garantir "crescimento sustentável".

"É impossível a gente crescer de forma sustentável sem que a infraestrutura acompanhe e puxe na frente. A gente precisa de mais portos, mais aeroportos, mais ferrovias e mais energia elétrica", afirmou Fávaro.

Contra a vontade de ambientalistas, o projeto de lei foi aprovado no Senado por 54 votos favoráveis a 13 contrários. A proposta estabelece regras nacionais para os processos de licenciamento, com definição de prazos, procedimentos simplificados para atividades de menor impacto e a consolidação de normas atualmente dispersas.

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