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A reeleição deu errado?
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A reeleição deu errado?

Possibilidade do fim da reeleição reacende discussões sobre uso da máquina pública e os efeitos da reeleição no equilíbrio democrático e na administração pública.
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Em 1999, dois anos após a entrada em vigor, o jurista e ex-ministro da Justiça Paulo Brossard escreveu que a reeleição é "um insulto” à nação brasileira". “A Constituição brasileira, na sua sabedoria, proibiu a reeleição dos presidentes”. Para ele, a reeleição "é uma deformação do presidencialismo".

"Parece que esquecemos um pouco de nossa história. No plano federal, sempre se vedou a reeleição do presidente para o período imediato", escreveu Brossad no livro A eleição da reeleição, do jornalista Sebastião Nery.

A emenda constitucional n° 16 foi promulgada no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em junho de 1997, e instituiu a possibilidade de reeleição imediata para um segundo mandato do chefe do Poder Executivo dos três níveis da administração pública — federal, estadual e municipal. Essa mudança permitiu a reeleição de FHC em 1998. E, dali em diante, da maioria dos que chegam ao poder em qualquer esfera.

Fernando Henrique admitiu, 23 anos depois da implementação, que a reeleição para cargos executivos não deu certo no Brasil. “Cabe aqui um ‘mea culpa’”, escreveu o ex-presidente em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 2020.

Olhando para a história, a reeleição foi importante inicialmente para os grupos progressistas, segundo o professor de ciências políticas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Paulo Ramirez.

Por exemplo, Ramirez explica que FHC, "apesar de alianças com grupos conservadores, manteve o controle da inflação, a estabilidade da moeda". "Então, essa continuidade foi importante do ponto de vista econômico para o Brasil. Já Lula e Dilma (Rousseff), que foram reeleitos também, consolidaram políticas sociais que tiraram milhares de pessoas da pobreza", destaca o professor.

Ramirez também destaca que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), único chefe do Executivo federal a não ser reconduzido desde a adoção do instituto da reeleição em 1997, teve a derrota em 2022 interpretada como reflexo do "fracasso das suas políticas econômicas e sociais".

O professor reforça que o eleitor é o termômetro da reeleição. "Muitos governadores de direita conseguiram a reeleição e continuam nesse processo desde a invenção da reeleição, o que mostra que, de alguma forma, eles foram bem-sucedidos. A reeleição tem como termômetro sempre o eleitor, e o eleitor julga conforme a qualidade desses governos", afirma Paulo Ramirez.

O debate sobre a reeleição voltou à pauta após a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da proposta de emenda à Constituição (PEC) 12/2022, que propõe o fim da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. A matéria segue para análise em plenário, em regime de urgência.

Críticos da reeleição argumentam que o ocupante do cargo executivo dispõe de vantagens no processo eleitoral por meio do uso da máquina pública, o que desequilibra a disputa.

Capitão Wagner (União Brasil), ex-deputado federal e candidato ao Governo do Ceará em 2022 e à Prefeitura de Fortaleza em 2016, 2020 e 2024, destaca que a reeleição “gerou uma prática negativa” na qual os governantes “querem ser reeleitos e depois fazer sucessores, usando a máquina pública mais para pensar nas eleições do que no resultado das políticas públicas”.

“É um favorecimento desleal, desproporcional. Eu sei bem porque eu sempre disputei eleição na oposição, então senti na pele o quanto os cargos, a pressão aos terceirizados, aos comissionados para votar no candidato da máquina acabam influenciando", revela Wagner.

No entanto, Paulo Ramirez defende que o fim da reeleição por si só talvez não seja o suficiente para acabar com o uso da máquina pública no processo eleitoral. O professor explica que o objetivo de todo governante é se manter ou se perpetuar no poder. Assim, "nada impede de haver a manutenção do uso da máquina pública para garantir a eleição de um sucessor".

Na política partidária há 27 anos, o deputado federal Eunício Oliveira (MDB) se elegeu para a Câmara dos Deputados no mesmo ano da inédita reeleição de FHC. Eunício argumenta que a busca pela reeleição atrapalha a gestão. Ele se incomoda com a antecipação das articulações para os pleitos eleitorais.

O deputado explica que o primeiro ano de mandato de um chefe do Executivo serve para “arrumar a casa”. “No linguajar político, é para arrumar casa, quando está organizando o governo", diz Eunício.

“Quando ele (o governador) está arrumando a casa, vem a eleição para prefeito do meio do mandato. Daqui a um ano nós vamos ter eleição majoritária para presidente, governador, senador etc. Aí o prefeito vai ser envolvido nessa eleição. Quando ele sai dessa eleição, já tem a eleição dele”, comenta.

“Então, na realidade, nós vivemos eleição, eleição, eleição, eleição, e isso cria muita dificuldade para os governantes. Na minha visão, não beneficiou em absolutamente nada, só o Fernando Henrique à época para ele ser reeleito”, acrescenta.

Prazo para "arrumar a casa"

Ao analisar os números da eleição de 1997, o jornalista Sebastião Nery concluiu: "Apesar de estar no governo com a caneta e a gula na mão", Fernando Henrique Cardoso ganhou com 33% dos votos, 13% a mais de votos do que o principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Como representação nacional, embora legítima, é pequena", afirmou Nery.

Mais de duas décadas depois, o debate sobre a reeleição no Brasil tem distraído a população de outra mudança proposta pela PEC, igualmente relevante: a ampliação dos mandatos únicos de quatro para cinco anos, válidos também para parlamentares.

Essa mudança têm encontrado respaldo entre políticos que já ocuparam cargos no Executivo e conhecem os desafios da gestão. Assim como Eunício Oliveira, deputado federal, outros nomes defendem que o atual tempo de mandato é insuficiente.

Cláudio Pinho (PDT), deputado estadual no Ceará e ex-prefeito de São Gonçalo do Amarante, município distante 61 km de Fortaleza, relata a pressão enfrentada ao longo do ciclo político.

"Eu fui gestor e tive o primeiro ano muito difícil, porque tive que reorganizar a casa. Porém, nos outros três anos, já entrei no período eleitoral, para reeleição, com o Município a pleno vapor", afirma.

Eunício reforça essa percepção e defende mandatos de seis anos. "Porque se elege, tem prazo para arrumar a casa, tem prazo para governar e (o gestor) não vai pensando na reeleição dele, vai governar até o fim", argumenta o deputado.

O cenário antecipado de articulações políticas se repete neste ano, antes de uma nova eleição nacional. As movimentações em torno das candidaturas de 2026 já começaram. O senador Eduardo Girão (Novo), por exemplo, se lançou como pré-candidato ao governo do Ceará em março. Mais recentemente, Roberto Cláudio se colocou e deixou o PDT com esse objetivo, com o União Brasil com provável destino. A vaga ao Senado, por sua vez, vem reunindo interessados desde o fim de 2022 e ainda mais nos últimos meses.

Diante do calendário político, o professor Paulo Ramirez analisa os possíveis efeitos da ampliação dos mandatos. "Caso um governo seja bom, um ano a mais também será bom, já que há essa ideia de continuidade do mandato. Agora, se o político agir contra a sociedade, com atitudes impopulares ou para privilegiar apenas um grupo, teremos mais um ano desse político no poder", pondera o professor.

Segundo ele, a "paralisia decisória" em cargos do Executivo é um fenômeno que pode fazer com que políticas importantes sejam "travadas". "Um político eleito ao cargo executivo que não consiga formar uma maioria no legislativo, aumenta a ingovernabilidade, o que chamamos de paralisia decisória", explica Ramirez.

"Pode ser que durante cinco anos um país, uma prefeitura, um governo fique travado ou até mesmo tenha mais facilidade de sofrer impeachment diante de uma perspectiva de um governo longo de 5 anos, em que não há uma maioria no legislativo. Então isso pode travar de fato políticas importantes para todos os níveis", acrescenta.

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