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Mensalão 20 anos:onde estão os personagens de um dos maiores escândalos do Brasil (até então)
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Mensalão 20 anos:onde estão os personagens de um dos maiores escândalos do Brasil (até então)

Do coração do poder à política regional: o escândalo que deixou marcas profundas inclusive no Ceará — de envolvidos a investigadores
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Os ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa chegam ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para o vigésimo segundo dia de trabalho no julgamento da ação penal 470, conhecida como processo do mensalão, no capítulo sobre lavagem de dinheiro  (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Foto: José Cruz/Agência Brasil Os ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa chegam ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para o vigésimo segundo dia de trabalho no julgamento da ação penal 470, conhecida como processo do mensalão, no capítulo sobre lavagem de dinheiro

Em 6 de junho de 2005, a história política do Brasil teve um ponto de virada. O País foi sacudido por um dos maiores escândalos políticos já vistos — até aquele momento. A estranha palavra "mensalão" foi incorporada ao vocabulário político.

Duas décadas depois, o caso ainda reverbera na memória nacional. Foi um divisor de águas. Os mais atingidos foram o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e o centrão. Todos eles se recuperaram. Lula teve mais dois mandatos, ambos pelo PT, e o centrão é hoje mais forte do que nunca. Mas houve uma geração de dirigentes petistas e líderes do velho centrão que foram atingidos. Alguns dos quais retornaram à cena da política.

Outro reflexo destacado, o escândalo foi um ponto de virada para o protagonismo político do Poder Judiciário — em particular o Supremo Tribunal Federal (STF) — e do Ministério Público. O jornalismo político também se transformou, com a primeira grande cobertura da era digital, por meio dos blogs, ainda antes da era das redes sociais.

O neologismo "mensalão" surgiu a partir da entrevista concedida pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), que revelou a existência de um esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base aliada do governo Lula, no valor de R$ 30 mil, em troca de apoio no Congresso Nacional. A entrevista foi publicada em 6 de junho daquele ano, na Folha de S.Paulo.

Jefferson era alvo de investigações e se sentia abandonado pelo governo. Em 14 de maio, havia sido revelada uma gravação em vídeo de Maurício Marinho, então funcionário dos Correios, recebendo dinheiro de propina de pessoas identificadas como empresários. Na gravação, ele falava ter aval de Roberto Jefferson.

O que se comentava na época era que o "quarteirão estava sendo esvaziado" em torno de Jefferson. Ou seja, ele seria sacrificado como responsável pelo escândalo. O "quarteirão esvaziado" seria para não afetar mais gente ou o próprio governo. Então, o "homem-bomba" decidiu se explodir. Levou junto um pedaço poderoso da República.

Como foi o julgamento

Na época procurador-geral da República, o cearense Antonio Fernando de Souza denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 11 de abril de 2006, 40 pessoas pelo mensalão.

Em 28 de agosto de 2007, após cinco dias de debates, o STF recebeu a denúncia e abriu processo criminal.

Em 7 de julho de 2011, o também cearense Roberto Gurgel, que havia assumido a PGR, pediu a condenação de 37 dos 40 denunciados.

O STF julgou e condenou, pela primeira vez na história do combate à corrupção no Brasil, políticos e empresários de alto escalão. O julgamento teve início em 2012 sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa e durou mais de um ano por causa da complexidade e ineditismo de tantos políticos e empresários com foro privilegiado. Foram 53 sessões, totalizando 138 dias de julgamento e gerando uma cobertura até então inédita da imprensa.

Entre os condenados estavam o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e Marcos Valério, considerado operador do esquema. Eles foram condenados por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha.

Qual foi o reflexo do mensalão na sociedade

O escândalo do mensalão mudou a forma como a sociedade brasileira enxerga a corrupção política. Foi o primeiro grande caso em que figuras de alta projeção foram julgadas e condenadas, o que representou, à época, um avanço institucional na responsabilização de agentes públicos.

No Judiciário, o próprio conceito de corrupção mudou. Na ação penal 307, o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, ele foi inocentado ainda que se tenha comprovado que ele recebeu dinheiro. Porém, não se conseguiu provar por que ele recebeu aquele dinheiro. Na ação penal 470, do mensalão, o recebimento dos pagamentos foi suficiente para a condenação. Nesse caso, os pagamentos seriam para que votassem a favor do governo em determinadas votações. Entretanto, o posicionamento de alguns parlamentares foi contrário à orientação governista. Mesmo assim houve as condenações.

Contudo, o legado do mensalão traz uma ambiguidade: se por um lado mostrou que a Justiça pode alcançar os poderosos, por outro revelou as falhas estruturais do sistema político — muitas das quais permanecem. A sensação de impunidade ganha ares de realidade ao passo que nomes envolvidos no escândalo seguem em posições de poder.

O Ceará e o mensalão

José Genoino:

da guerrilha ao escândalo

José Genoino foi um dos nomes centrais do escândalo do mensalão. Ex-guerrilheiro, foi deputado federal por várias legislaturas e presidente nacional do PT. Natural de Quixeramobim, Genoino se destacou ainda jovem como militante contra a ditadura militar.

Embora não tenha sido apontado como operador direto do esquema, José Genoino foi condenado por ter assinado, como presidente do partido, os empréstimos fraudulentos junto ao Banco Rural e ao BMG que foram utilizados para irrigar o caixa paralelo do PT e fazer os pagamentos aos parlamentares aliados.

Em 2012, o STF o condenou 6 anos e 11 meses de prisão. Em março de 2015, recebeu o indulto da pena, encerrando o cumprimento da sanção. Atualmente está afastado da política institucional, mas segue atuante como militante do PT.

Guimarães e o episódio dos dólares na cueca

Em julho de 2005, a Polícia Federal flagrou Adalberto Vieira, na época assessor de José Guimarães (PT) — irmão de José Genoino e, na época, deputado estadual —, tentando embarcar com R$ 209 mil em dinheiro em uma mala de mão e US$ 100 mil escondidos na cueca.

Guimarães negou qualquer envolvimento, não foi denunciado, e o processo foi arquivado pelo Ministério Público em 2007 por falta de provas. Após 16 anos do caso, a Justiça Federal do Ceará encerrou o processo.

Em 20 de dezembro de 2005, Guimarães escapou de ter mandato cassado na Assembleia Legislativa

do Ceará.

Atualmente, aos 66 anos, é um dos nomes mais fortes do partido no Ceará. Guimarães exerce papel de destaque como líder do governo Lula na Câmara e é pré-candidato pelo PT ao Senado em 2026.

Antonio Fernando
e a denúncia

Natural de Fortaleza, foi o autor da denúncia que resultou na ação penal 470, o processo criminal do mensalão. Foi nomeado procurador-geral da República pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 29 de junho de 2005, no mês em que Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão.

Ele foi primeiro colocado na lista tríplice formulada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e encaminhada a Lula — que não era obrigado a escolher um dos membros da lista, por não se tratar de instrumento oficial previsto em lei.

Em junho de 2007, Lula reconduziu Antônio Fernando, dois meses após a apresentação de denúncia contra 40 pessoas

pelo mensalão.

Formou-se em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Roberto Gurgel e
o desfecho

Quando Antônio Fernando de Souza deixou a PGR, foi substituído por outro cearense de Fortaleza. Roberto Gurgel. Ele foi responsável por conduzir até o fim a denúncia preparada e apresentada pela equipe do antecessor. Foi também ele quem fez a sustentação oral das acusações ao pedir a condenação dos réus.

Após o resultado, do julgamento, coube a ele tomar providências como pedir a apreensão dos passaportes e a prisão dos condenados. Foi indicado para a PGR por Lula em 29 de junho de 2009 e reconduzido por Dilma Rousseff (PT) em 6 de julho de 2011.

Formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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