O Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta segunda-feira, 9, a escutar os réus da ação penal da trama golpista. O primeiro a ser ouvido foi o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens. Em condição de delator nas investigações, ele afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esperava encontrar uma fraude nas urnas eletrônicas para convencer os comandantes das Forças Armadas a aderirem à tentativa de golpe para reverter o resultado das eleições de 2022.
Durante o depoimento, Cid disse que Bolsonaro e o general Walter Braga Netto, ex-ministro do governo e vice na chapa de 2022, esperavam encontrar uma fraude nas urnas para justificar uma intervenção militar no país.
Por esse motivo, segundo Mauro Cid, o ex-presidente pressionava o general Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa, a insinuar que não era possível descartar a possibilidade de fraudes na votação eletrônica.
"A grande expectativa era que fosse encontrada uma fraude nas urnas. O que a gente sempre viu era uma busca por encontrar fraude na urna. Com a fraude na urna, poderia convencer os militares, dizendo que a eleição foi fraudada e, talvez, a situação mudasse", declarou.
Ele confirmou ainda que esteve presente em uma reunião na qual foi apresentado ao ex-presidente Jair Bolsonaro um documento que previa a decretação de medidas de estado de sítio e prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outras autoridades, em 2022.
Segundo ele, teriam sido pelo menos duas reuniões em que Felipe Martins, o ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, levou ao ex-presidente um documento com a proposta golpista para reverter o resultado das eleições de 2022. No encontro, Bolsonaro leu a minuta e propôs alterações no documento, segundo o militar.
"Foi levado esse documento ao presidente. O documento consistia em duas partes. A primeira parte eram os considerandos. Dez, onze, doze páginas, muito robusto. Esses considerandos listavam as possíveis interferências do STF e TSE no governo Bolsonaro e nas eleições. Na segunda parte, entrava em uma área mais jurídica, estado de defesa, estado de sítio e prisão de autoridades", afirmou.
Segundo Cid, após as alterações feitas por Bolsonaro, a minuta passou a prever somente a prisão de Alexandre de Moraes. "Ele, de certa forma, enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso", completou. Moraes brincou: "O resto foi conseguindo um habeas corpus."
Mauro Cid também confirmou o conteúdo dos depoimentos de delação premiada prestados à Polícia Federal (PF) e negou ter sofrido qualquer tipo de pressão para assinar o acordo de delação premiada. "Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles", declarou.
Houve ainda, segundo Cid, houve um suposto plano para financiar ações extremas — incluindo sequestros e até assassinatos — com dinheiro em espécie entregue dentro de uma caixa de vinho. De acordo com o tenente-coronel, ele recebeu dinheiro de Braga Netto e repassou ao major Rafael Martins de Oliveira, outro acusado de tentativa de golpe.
O dinheiro, relatou Cid, estava numa caixa de vinho. "O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro que eu não sei precisar quanto foi. Recebi e no mesmo dia passei para o major De Oliveira." Questionado sobre a origem do dinheiro, respondeu que "provavelmente" veio do "pessoal do agronegócio que estava ajudando a manter as manifestações na frente dos quartéis".
A audiência também carregou simbologias. Enquanto Mauro Cid bateu continência ao ex-presidente Jair Bolsonaro no momento em que o viu, o capitão reformado se esquivou do encontro. Depois se trancou no banheiro da Corte por alguns minutos. Bolsonaro permaneceu cerca de cinco minutos recluso, e só retornou à antessala quando Cid já havia sido conduzido à sala de depoimentos. Lá, antes de a sessão ter início, Bolsonaro e Cid se cumprimentaram. (Agência Estado e Wilnan Custódio/Especial para O POVO)