No interrogatório mais esperado do chamado "núcleo crucial" da ação penal sobre um plano de golpe de Estado no País, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve, ontem, frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF). Denunciado como líder e uma trama golpista, Bolsonaro admitiu que foi estudado decretar estado de sítio depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou o pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno.
Ele disse que debateu o tema com os comandantes das Forças Armadas, mas negou que se tratasse de um plano de ruptura institucional após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial de 2022.
Questionado por Moraes, Bolsonaro admitiu que em uma reunião do dia 7 de dezembro daquele ano, com o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e os ex-comandantes Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Almir Garnier Santos (Marinha), foi mostrado um documento que ficou conhecido durante as investigações como minuta do golpe. No entanto, tudo foi "rápido" e ele negou ter editado documentos.
"Isso foi colocado numa tela de televisão e mostrado e forma rápida ali... mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força de modo que nada foi à frente. A ideia de que alguns levantaram seria um estado de sítio, por exemplo", afirmou o ex-presidente, que procurou minimizar a importância do documento "Tinha os 'considerandos' ali apenas. Não tinha cabeçalho, nem o 'fecho'", disse.
Em um dos momentos mais tensos do interrogatório - que durou cerca de três horas -, o ministro questionou o ex-presidente sobre a minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022 e prender autoridades do STF e do Congresso. Bolsonaro negou ter recebido ou alterado o documento, como reiterou em depoimento o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, que fechou delação premiada e o implicou nos fatos investigados.
"Eu refuto qualquer possibilidade de falar de minuta de golpe, que não esteja enquadrada dentro da Constituição brasileira", afirmou. Em interrogatório nesta segunda, 9, Cid reafirmou que Bolsonaro recebeu, leu e "enxugou" o documento. "Não procede o enxugamento", rebateu o ex-presidente.
O PL foi multado em R$ 22,9 milhões por má-fé ao questionar o resultado da eleição. "Sobrou para a gente buscar uma alternativa na Constituição", observou Bolsonaro. "Não foi discutido (um plano de golpe), foi conversado hipóteses de dispositivos constitucionais. Nada foi assinado."
Bolsonaro afirmou ter tratado com os comandantes das Forças Armadas sobre a decretação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para lidar com os acampamentos com reivindicações golpistas em frentes aos quartéis e com o bloqueio de rodovias no Pará por caminhoneiros.
O ex-presidente, no entanto, negou ter colaborado com o 8 de Janeiro. O ex-presidente alegou que não desmobilizou os acampamentos em Brasília para evitar um cenário "pior ainda" - a dispersão dos manifestantes para a Praça dos Três Poderes.
Segundo Bolsonaro, os apoiadores que invadiram os prédios do Planalto, do STF e do Congresso "mal sabiam o que estavam fazendo". Para o ele, ocorreu uma "baderna", mas não uma tentativa de golpe. "Sem qualquer participação minha, sem qualquer liderança, sem Forças Armadas, sem armas, sem um núcleo financeiro, sem nada. Isso não é golpe."
Outro destaque do interrogatório, foi relacionado à reunião ministerial de 5 de julho de 2022. Na data, conforme vídeos, Bolsonaro questiona a segurança do sistema de votação e cobra ministros do governo a agirem antes das eleições. O ex-presidente afirmou que foi um "desabafo". "Não tinha prova de nada no tocante a isso daí. Um desabafo meu, com toda certeza", justificou.
"A minha retórica me levou a falar dessa maneira. Essa reunião não era para ter sido gravada. Era algo reservado. Alguém gravou, no meu entender, de má-fé", disse.
Em sua primeira resposta, o ex-presidente pediu desculpas aos ministros Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, por acusá-los de terem recebido entre US$ 30 milhões e US$ 50 milhões para fraudar as eleições.
Bolsonaro fez as declarações na reunião ministerial. Ao comentar as suas falas ontem, o ex-presidente minimizou o episódio. "Era uma retórica. Se fossem outros três ocupantes (do TSE) eu teria a mesma conduta. Me desculpe. Não tinha intenção", explicou. (Agência Estado)
Braga Netto diz que Mauro Cid mentiu e nega financiar atos
O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, rebateu nesta terça, 10, declarações do tenente-coronel Mauro Cid e negou ter financiado operações da trama golpista. Braga Netto foi um dos principais implicados na delação do ex-ajudante de ordens da Presidência, que alegou ter recebido dinheiro em uma caixa de vinho do general. "O coronel Cid, para mim, faltou com a verdade", declarou.
"Eu não tinha contato com empresários. Eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid", declarou o ex-ministro em interrogatório. Os recursos, conforme Cid, eram para bancar acampamentos bolsonaristas após a eleição de 2022.
Braga Netto foi ouvido por videoconferência do Comando da 1.ª Divisão de Exército, no Rio, onde está preso desde dezembro de 2024. Ele também negou ter planejado o encontro que ocorreu na casa dele, em 12 de novembro de 2022, em que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram debatidas medidas para "neutralizar" autoridades como parte do plano de golpe.
No início do interrogatório, o ministro do STF Alexandre de Moraes e Braga Netto protagonizaram cena inusitada. Moraes questionou se o militar já tinha sido preso. Braga Netto respondeu: "Estou preso, presidente". (Agência Estado)
Heleno não responde Moraes e atende apenas a advogado
Outro general interrogado ontem, Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse que "não havia clima" para usar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão vinculado ao GSI, para produzir relatórios com informações falsas sobre as urnas.
Heleno fez uso do direito ao silêncio e respondeu apenas às perguntas da própria defesa.
Questionado sobre declarações feitas na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, quando falou sobre a possibilidade de "infiltrar" agentes nas campanhas de adversários de Jair Bolsonaro, Heleno disse que o objetivo era o "acompanhamento das eleições" para evitar novos atentados como o que Bolsonaro sofreu em 2018.
A defesa questinou se seria correto afirmar que o cliente jamais defendeu atos ilegais."Realmente não havia oportunidade", respondeu Heleno, adicionando que fala de Jair Bolsonaro "cortou a possibilidade". Questionado novamente pelo advogado, a resposta foi: "Não, lógico que não".
Já o ex-ministro da Defesa, general cearense Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, disse no interrogatório desconhecer a minuta golpista e refutou declarações de ex-comandantes das Forças Armadas. "Eu nunca tratei nem peguei minuta para tratar com comandante de Força." (Agência Estado)
O que disse Bolsonaro a Moraes no STF
"Um vazio"
"Quando você perde uma eleição, é um vazio que o senhor não imagina"
Bolsonaro sobre os meses que se seguiram à sua derrota para Lula, em outubro de 2022
Suposta trama golpista
"Nunca se falou em golpe, golpe é uma coisa abominável"
Ausência na posse de Lula
"Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil"
Bolsonaro, sobre a decisão de se ausentar da posse de Lula e não passar ao sucessor a faixa presidencial
Vice na chapa em 2026
Bolsonaro se permitiu brincar com o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de "ditador" e "canalha" no passado. "Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 26", disse o ex-presidente, inelegível até 2030. "Eu declino" a oferta, respondeu Moraes
Pedido de desculpas
"Então, me desculpem, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores (três ministros do STF)"
Reuniões
"Era conversa informal, ver se existia alguma hipótese de um dispositivo constitucional para nós atingirmos aqui, um objetivo que não tínhamos atingido no TSE"
Intervenção
"Tem sempre os malucos ali que ficam com aquela ideia de AI-5