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O que o interrogatório de Bolsonaro e dos outros réus representa para o processo
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O que o interrogatório de Bolsonaro e dos outros réus representa para o processo

O interrogatório dos réus é a última etapa da fase de instrução do processo penal. Especialista considera que réus não foram capazes de confrontar as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República
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Os réus acusados de participar de uma organização criminosa que tramou golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder depuseram na segunda e na terça-feira à 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi a primeira vez que Bolsonaro teve que responder a perguntas do ministro Alexandre de Moraes — relator do processo e, no passado, alvo frequente da retórica inflamada do ex-presidente e de seus apoiadores.

O ex-presidente e outros sete réus são apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o "núcleo crucial" da trama golpista. O interrogatório do grupo começou na segunda-feira. Bolsonaro foi o sexto a ser ouvido, e abriu sua fala negando a denúncia.

O ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu que cogitou decretar estado de sítio após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitar um pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Bolsonaro reconheceu ter mostrado a minuta do golpe de Estado aos comandantes das Forças Armadas, mas negou ter tratado de ruptura institucional com os militares.

Em entrevista à Rádio Eldorado, a professora da FGV Direito SP Eloísa Machado avaliou que os depoimentos dos oito réus do chamado "núcleo crucial" do golpe não foram capazes de confrontar as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ela também ressaltou que a estratégia de defesa de alegar que o golpe não foi consumado não está amparada na lei sobre o tema aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio Bolsonaro.

"Não há diferenciação entre tentativa e golpe. A tentativa é um fato consumado. Me parece que resultará em condenação", afirmou Eloísa Machado.

Confira o que de principal os depoimentos trouxeram. (DW e Agência Estado)

os Principais pontos do interrogatório de Bolsonaro

Minuta do golpe

Bolsonaro negou que tenha discutido planos de dar um golpe, argumentando que apenas debateu alternativas dentro da Constituição. Essas alternativas teriam sido avaliadas, segundo Bolsonaro, após Moraes multar o partido dele, o PL, em R$ 22,9 milhões por contestar o resultado das eleições no TSE.

Bolsonaro disse que buscou os militares porque "não tinha clima para convidar" mais ninguém. "Sobrou eles, até como um desabafo", explicou-se. "E eu confesso que muita coisa que eles falaram eu absorvi e chegou à conclusão rapidamente que não tinha mais o que fazer." Depois disso, Bolsonaro disse que apoiou a transição pacífica de governo. "Pacifiquei o máximo que pude nos dois meses de transição." O ex-presidente também negou ter "enxugado" a minuta de golpe.

Bolsonaro também negou que soubesse do plano "punhal verde e amarelo" — que, segundo a denúncia da PGR, previa o assassinato do ministro Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice dele, Geraldo Alckmin.

Urnas eletrônicas

Bolsonaro voltou a pôr o sistema ELEITORAL em dúvida e argumentou que ele não é o único com esse posicionamento, citando declarações atribuídas por ele ao ministro Flávio Dino, do STF. "Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado, com certeza. Mas o meu objetivo sempre foi mais uma camada de proteção para as eleições, de modo que evitasse qualquer conflito, qualquer suspeição".

Pressão sobre ministro

Bolsonaro negou ter pressionado o general Paulo Sérgio Nogueira para que as Forças Armadas elaborassem um relatório desfavorável às urnas eletrônicas.

Acusações contra o STF

Moraes perguntou a Bolsonaro sobre uma acusação feita por ele de que membros da corte teriam recebido propina de "50 milhões de dólares". Bolsonaro argumentou que a fala foi um "desabafo" e pediu desculpas. O ex-presidente disse ter se sentido injustiçado pelas autoridades eleitorais. "Eu fui alvo de muita coisa. Agora, o outro lado podia tudo, até me chamar de genocida."

OS Principais pontos do interrogatório de Mauro Cid

"Bolsonaro revisou minuta"

O tenente-coronel Mauro Cid confirmou uma tentativa de golpe de Estado e que "presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles". O militar, contudo, negou que tivesse conhecimento prévio dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. O militar também negou ter sido alvo de qualquer tipo de coação para fechar a delação.

Cid afirmou que Bolsonaro recebeu no fim de 2022 a minuta de um decreto que previa a criação de uma comissão para organizar novas eleições. Esse rascunho também mencionava a prisão de ministros do STF e membros do Legislativo. Cid disse que Bolsonaro alterou esse trecho do documento e manteve apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes. "Ele enxugou o documento, basicamente retirando as prisões das autoridades. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso", disse Cid.

Envolvimento de militares

Cid afirmou que havia pressão sobre o comando das Forças Armadas para que fosse assinado um documento decretando Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Mas, segundo Cid, o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi o único comandante militar que aderiu ao plano. O tenente-coronel também relatou que o general cearense Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres e réu no STF, afirmou a ele que o Exército iria cumprir uma ordem golpista de Bolsonaro caso o ex-presidente assinasse um decreto com as determinações. Cid também confirmou que recebeu do ex-ministro Braga Netto, general da reserva do Exército, uma caixa de vinho cheia de dinheiro vivo para entregar ao tenente-coronel Rafael de Oliveira — militar suspeito de liderar um grupo que planejava matar Moraes, Lula e Alckmin. Mauro Cid relatou que Braga Netto era o elo entre Bolsonaro e os acampamentos instalados em frente a quartéis pelo país.

Pressão para produzir relatório contra urnas

Mauro Cid também disse que Bolsonaro pressionou, em 2022, o então ministro da Defesa, o cearense Paulo Sérgio Nogueira, para produzir um relatório "duro" para lançar suspeitas sobre a lisura do processo eletrônico de votação. "A grande expectativa era que fosse encontrada uma fraude nas urnas". No entanto, o relatório entregue pelos militares não apontou fraudes no sistema. "No final, foi meio termo, nem como o Paulo Sérgio tinha rascunhado, nem como o presidente queria", disse Cid.

Principais pontos do interrogatório de Ramagem

Nega "Abin paralela"

Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin negou que existisse uma "Abin paralela" responsável por monitoramento ilegal de autoridades, entre elas ministros do STF.

"Anotações contra
urnas eram privadas"

Ramagem negou ter enviado a Bolsonaro arquivos de word com informações falsas para embasar lives do então presidente para alimentar suspeitas sobre as urnas. "Era algo privado, com opiniões privadas minhas".

Principais pontos do interrogatório de Anderson Torres

"Nunca discuti minuta"

Ex-ministro da Justiça, Anderson Torres disse que a minuta do golpe apreendida pela PF em sua casa foi parar lá por uma "fatalidade" e que o documento deveria ter sido jogado no lixo. "Não é da minha lavra, não sei quem fez, não sei quem mandou fazer e nunca discuti esse tipo de assunto." "Naquela época, era voz corrente na Esplanada. A gente recebia minutas, papéis, uma autoridade disse que recebeu três minutas como essa. E isso foi parar lá, eu levava pastinhas simples, e foi colocado para ser descartado", afirmou. "Nem me lembrava dessa minuta, vi quando foi apreendido. Foi uma surpresa."

Omissão como secretário

Torres afirmou que, na época em que era secretário de Segurança do Distrito Federal, havia deixado um protocolo "robusto" de ações, com fechamento da Praça dos Três Poderes e policiamento especial, antes de viajar de férias em janeiro de 2023.

Os principais pontos do interrogatório de Garnier

"Nunca disponibilizei tropas para golpe"

O ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos negou ter colocado a tropa à disposição de Bolsonaro. "Nesse contexto em que foi atribuída a minha fala, eu nunca disponibilizei tropas para ações dessa natureza."

Minuta do golpe

Garnier confirmou que, na reunião de 7 de dezembro de 2022, foram discutidas medidas de "garantia da lei e da ordem" diante da "dificuldade na condução do país" e "preocupação" do governo com "algo que pudesse descambar em algo não muito agradável". O militar da Marinha argumentou que não viu minuta de golpe, e sim "uma apresentação na tela do computador" com considerações que poderiam levar ao decreto de GLO.

Desfile de tanques

Em agosto de 2021, Garnier colocou tanques de guerra para desfilar na Esplanada dos Ministérios no dia em que a Câmara votou, e rejeitou, a PEC do voto impresso. Em depoimento ao STF, Garnier que o desfile já estava planejado antes da votação da PEC no Congresso e negou que o ato tenha sido uma tentativa de intimidação dos militares. "Foi uma coincidência", afirmou. "Esse planejamento logístico leva meses de antecedência, porque esses blindados vêm do Rio de Janeiro."

Os principais pontos do interrogatório de Paulo Nogueira

"Alertei Bolsonaro"

O general cearense e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira disse ter alertado Bolsonaro sobre a "gravidade" da decretação de um estado de defesa ou de sítio logo depois dessa reunião. Nogueira, porém, referiu-se ao encontro como um brainstorm, "tempestade de ideias sobre ações futuras que viessem a acontecer caso as coisas fossem à frente". O ex-ministro disse ter convocado uma nova reunião em 14 de dezembro de 2022 porque "temia uma fissura" e estava preocupado diante de manifestantes que pediam intervenção militar em frente aos quartéis e de uma carta assinada por oficiais da ativa que pressionavam o então chefe do Exército, Freire Gomes, a apoiar um golpe.

Urnas eletrônicas

Nogueira disse também que não tratou de relatório sobre o sistema eleitoral com Bolsonaro nem sofreu pressão para alterá-lo. Negou ainda ter conhecimento de uma minuta que menciona fraudes nas urnas. O militar também se desculpou perante Moraes por ter dito, numa reunião ministerial em dezembro de 2022, que o TSE faz o que quer "e a gente fica meio que de mãos atadas". Nogueira afirmou que "foram palavras mal colocadas". Nogueira também negou ter tido contato com o hacker Walter Delgatti, preso por invasão ao sistema do CNJ.

General Heleno só respondeu aos advogados

O general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, optou por não responder às perguntas do STF e da PGR, mas apenas às de seus advogados. Em alguns momentos, ao perceber que Heleno começava a se estender numa resposta, o advogado o interpelou para impedir que fosse adiante: "A pergunta é só sim ou não". Heleno negou ter orientado a Abin a produzir relatórios com informações falsas sobre a eleição e ter usado recursos do GSI para disseminar informações falsas sobre uma pretensa fraude eleitoral. Também negou ter participado de reuniões sobre o plano de golpe.

Os principais pontos do interrogatório do general Braga Netto

"Não entreguei dinheiro nem assediei comandantes"

General Braga Netto negou ter repassado dinheiro ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro para ser entregue aos kids pretos. Ele disse que foi procurado pelo tenente-coronel e o encaminhou ao PL por achar que eram "contas atrasadas de campanha", mas que o assunto "morreu" depois que o partido disse que não podia ajudar. Braga Netto também negou ter procurado o general Lourena Cid, pai de Mauro Cid, para obter informações sobre o acordo de delação premiada dele.

Ataques virtuais

Braga Netto também negou ter ordenado ataques de apoiadores de Bolsonaro aos ex-comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, por não terem aderido à proposta golpista.

Fala enigmática

Em 18 de novembro de 2022, Braga Netto disse a apoiadores de Bolsonaro: "Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora." Moraes quis saber do que ele estava falando e ouviu que a fala era uma alusão a um recurso apresentado ao TSE. "Falei vamos ter fé, normal, vem alguma coisa aí. Sabia que o PL iria entrar com documento no TSE e eu achei que poderia render alguma coisa."

Imprensa internacional repercute interrogatório de Bolsonaro no STF

A imprensa internacional repercutiu o interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal (STF)

"PLATAFORMA POLÍTICA" E DESCULPAS

O jornal britânico The Guardian destacou que, embora tenha negado a tentativa de golpe, Bolsonaro admitiu ter avaliado dispositivos da Constituição para contestar o resultado da eleição. "Estudamos possibilidades outras dentro da Constituição. Ou seja, jamais saindo das quatro linhas", disse Bolsonaro durante o interrogatório. O jornal registrou que Bolsonaro transformou o interrogatório em "plataforma política" e que, apesar das expectativas de um embate com Moraes, acabou pedindo desculpas ao ministro por acusações infundadas sobre a Justiça Eleitoral.

"Comício"

Assim como o The Guardian, o El País, da Espanha, publicou que o interrogatório se tornou em "comício" do ex-presidente, sobretudo pela primeira resposta, na qual fez uma longa exposição sobre os feitos de sua gestão no governo federal. O interrogatório de Bolsonaro, conduzido por Moraes, foi descrito pela publicação como "o duelo mais aguardado dos últimos tempos" no Brasil.

"Histórico"

A rádio americana NPR descreveu o julgamento sobre a tentativa de golpe como "histórico". "É a primeira vez na história do Brasil que um ex-chefe de Estado está sendo julgado por tentar derrubar o governo", registrou a emissora dos Estados Unidos. Moraes é apresentado na reportagem como uma "figura polarizadora" que enfrenta críticas de Bolsonaro, do empresário Elon Musk e do presidente dos EUA,
Donald Trump.

Apoiadores "malucos"

Com informações da agência Associated Press, o jornal Washington Post, dos Estados Unidos, destacou a fala em que Bolsonaro chama de "malucos" os que clamavam por intervenção militar e AI-5 nas manifestações em frente aos quartéis após as eleições de 2022. A reportagem registrou que Bolsonaro "parecia tranquilo" ao ser interrogado e que Moraes conseguiu concluir todos os interrogatórios do "núcleo crucial" nesta terça-feira, um ritmo "célere" que pode resultar em uma sentença no segundo semestre do ano.

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