Quase todos os nove países que possuem armas nucleares (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel) continuaram seus programas de modernização nuclear em 2024, seja atualizando as armas existentes, seja adicionando novas versões, afirmou na segunda-feira, 16, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), em avaliação anual sobre armamento e segurança internacional.
Em meados da década de 1980 havia cerca de 64.000 ogivas, bombas e projéteis nucleares em todo o mundo. Hoje esse número é estimado em 12.241. Essa tendência de queda parece estar prestes a ser revertida, de acordo com o instituto, e esse é "o aspecto mais preocupante que vemos nos arsenais nucleares no momento", disse o diretor do Sipri, Dan Smith.
"A era de redução do número de armas nucleares no mundo, que perdurou desde o fim da Guerra Fria, está chegando ao fim. Em vez disso, observamos uma tendência clara de crescimento dos arsenais nucleares, o aumento da retórica nuclear e o abandono dos acordos de controle de armas", afirmou o analista Hans Kristensen, do Sipri, no relatório.
Desde o colapso da União Soviética, em 1991, e o consequente fim da Guerra Fria, o desmantelamento de ogivas aposentadas vem ultrapassando a inclusão de novas nos estoques nucleares. Embora a modernização de arsenais nucleares seja uma prática comum entre as potências nucleares, Smith afirma que houve intensificação desse processo a partir do fim do segundo mandato do ex-presidente Barack Obama, com mais investimentos em novas gerações de mísseis e porta-aviões.
Segundo Smith, trata-se de um processo intenso de modernização, incluindo "algumas mudanças realmente drásticas", e não de alguns pequenos ajustes.
Pesquisadores do Sipri concluíram que, do estoque estimado de 12.241 ogivas nucleares em todo o mundo em janeiro de 2025, 9.614 estavam disponíveis para uso potencial, seja colocadas em mísseis ou localizadas em bases com forças operacionais, seja estocadas em centros de armazenagem.
Desse número, 3.912 estavam implantadas em mísseis e aeronaves e, destas, cerca de 2,1 mil eram mantidas em mísseis balísticos em estado de alerta máximo — quase todas pertenciam à Rússia ou aos EUA, mas é possível que também a China mantivesse algumas ogivas em mísseis, de acordo com a avaliação do instituto.
Entre os nove países com armas nucleares, os Estados Unidos e a Rússia continuam possuindo os maiores arsenais, com cerca de 90% de todas as armas nucleares existentes no mundo. Analistas do Sipri alertam que mais países estão hoje considerando desenvolver armas nucleares ou mantê-las em seus territórios e que os debates internos sobre o status e a estratégia nuclear foram revitalizados.
A Rússia, por exemplo, afirma ter estacionado armas nucleares no território de Belarus, e vários países europeus que são membros da Otan sinalizaram disposição para hospedar armas nucleares dos EUA.
Em 2007, o presidente russo Vladimir Putin proferiu um discurso na Conferência de Segurança de Munique no qual criticou a ordem mundial dominada pelos EUA, a expansão da Otan para o leste e o desarmamento. Dois anos depois, Obama anunciou, em Praga, a meta de desarmamento nuclear total.
"A existência de milhares de armas nucleares é o legado mais perigoso da Guerra Fria", disse. Ele afirmou que os EUA tomariam medidas concretas em direção a um mundo sem armas nucleares e negociariam um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Novo Start) com a Rússia.
Esse tratado foi assinado e entrou em vigor em 2011. Mas, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, o governo do presidente Joe Biden publicou uma Revisão da Postura Nuclear que colocou a modernização do arsenal nuclear dos EUA como prioridade máxima. E, em fevereiro de 2023, Putin assinou um projeto de lei suspendendo a participação da Rússia no Novo Start.
"A maré de insegurança foi crescendo lentamente, desde 2007, 2008, passando por 2014, até o momento em que as ondas começaram a quebrar, em fevereiro de 2022", disse Smith. "Acho que foi então que muitas pessoas acordaram para essa deterioração, que naquele momento já existia havia mais de uma década."
A mensagem central é: os arsenais nucleares do mundo estão sendo ampliados e modernizados. O Sipri estima que a China tenha pelo menos 600 ogivas nucleares e que seu arsenal nuclear esteja crescendo mais rapidamente do que o de qualquer outro país.
A avaliação do instituto é de que também a Índia tenha ampliado ligeiramente seu arsenal nuclear em 2024, enquanto o seu país vizinho e arquirrival, Paquistão, continuou a desenvolver novos sistemas de lançamento e a acumular material físsil, um componente-chave das armas nucleares.
Israel, que na sexta-feira passada lançou ataques a instalações nucleares iranianas, matando líderes militares e cientistas, mantém uma deliberada ambiguidade sobre suas próprias capacidades nucleares. Acredita-se que o país esteja em processo de modernização de seu próprio arsenal nuclear, bem como de um reator de produção de plutônio no deserto de Negev.
IA eleva ameaça atômica
O diretor do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), Dan Smith, alerta para o uso da inteligência artificial (IA) e de novas tecnologias na nova corrida armamentista nuclear.
"A próxima corrida armamentista nuclear envolverá tanto IA, ciberespaço e espaço sideral quanto mísseis em bunkers ou submarinos ou bombas em aeronaves. Envolverá tanto o software quanto o hardware", afirmou Smith.
Isso torna a questão de como controlar e monitorar armas e estoques nucleares mais complicada do que apenas comparar totais de ogivas. Há amplos debates sobre IA em relação aos chamados "robôs assassinos" (Sistemas de Armas Autônomas Letais) e ao uso de drones automatizados e semiautomatizados, mas não tanto em relação a armas nucleares.
A inteligência artificial permite que uma grande quantidade de informações seja processada rapidamente e, em tese, isso deveria ajudar tomadores de decisão. No entanto, se algo der errado no software ou num sistema totalmente dependente de LLMs (modelos de linguagem de grande escala), aprendizado de máquina e IA, mesmo uma pequena falha técnica tem potencial para gerar um ataque nuclear.
"Acredito que deve haver uma linha vermelha com a qual provavelmente todos os líderes políticos e militares também concordarão: a decisão sobre um ataque nuclear não pode ser tomada por inteligência artificial", disse Smith.
Ele menciona o exemplo do tenente-coronel soviético Stanislav Petrov, que, em 1983, recebeu alerta no centro de comando do sistema de alerta nuclear soviético, a 100 quilômetros de Moscou: o lançamento de um míssil balístico intercontinental dos EUA, seguido de mais quatro.
Petrov, felizmente, suspeitou que o alerta fosse falso e decidiu esperar em vez de repassar a informação imediatamente à cadeia de comando. A decisão provavelmente evitou um ataque nuclear retaliatório e, na pior das hipóteses, uma guerra nuclear em larga escala. "Num mundo de inteligência artificial, quem vai desempenhar o papel do tenente-coronel Petrov?", perguntou Smith. (DW)
Números
12.241
é o número estimado de ogivas nucleares hoje em todo o mundo
64.000
era o número de ogivas, bombas e projéteis nucleares no mundo no fim da Guerra Fria, há cerca de 40 anos
9.614
ogivas nucleares no mundo estariam disponíveis para uso potencial, seja colocadas em mísseis ou localizadas em bases com forças operacionais, seja estocadas em centros de armazenagem
3.912
ogivas nucleares estavam implantadas em mísseis e aeronaves
2.100
ogivas nucleares no mundo são mantidas em mísseis balísticos em estado de alerta máximo, quase todas com Rússia e EUA, algumas possivelmente com a China
90%
de todas as armas nucleares existentes no mundo pertencem a Estados Unidos e Rússia
Entenda as repercussões dos ataques de Israel para o programa nuclear do Irã
O ataque de Israel ao Irã, com o objetivo declarado de impedir o país de desenvolver armas atômicas, é um duro golpe para o programa nuclear de Teerã, mas o impacto ainda não pode ser avaliado com precisão
Qual é o alcance dos danos?
A parte externa da planta piloto de enriquecimento de urânio de Natanz, no centro do país, foi "destruída", informou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), citando informações das autoridades iranianas.
Esta agência da ONU indicou, nesta terça-feira, que novos elementos mostram "impactos diretos nas salas subterrâneas", segundo uma avaliação com base em imagens de satélite de alta resolução.
A outra planta de enriquecimento, a de Fordo, situada ao sul da capital iraniana, também foi atacada, mas "não foram registrados danos", segundo a AIEA.
Outros quatro edifícios foram atingidos na instalação nuclear de Isfahan, no centro do país, inclusive o laboratório central de química, uma planta de conversão de urânio, a planta de fabricação de combustível para o reator de pesquisas de Teerã e uma instalação em construção.
É dentro do recinto deste complexo que supostamente se encontram as importantes reservas de urânio altamente enriquecido.
O programa nuclear pode ser destruído?
"Israel pode causar danos ao programa nuclear iraniano, mas é pouco provável que consiga destruí-lo", assinalou o pesquisador Ali Vaez, da organização International Crisis Group.
A razão, explica, é que Israel dispõe das bombas potentes necessárias "para destruir as instalações fortificadas de Natanz e Fordo", enterradas a grande profundidade.
Para isso, precisaria da "assistência militar americana", confirma Kelsey Davenport, especialista da Arms Control Association, uma organização com sede nos Estados Unidos.
Os conhecimentos adquiridos por Teerã não podem ser aniquilados, embora nove cientistas tenham morrido nos ataques, acrescenta.
Outra pergunta é o que ocorreu com as reservas de urânio enriquecido. Por enquanto, é impossível saber. "Se o Irã conseguir transferir algumas delas para instalações secretas, Israel terá perdido a partida", ressalta Vaez.
Quais os riscos para a população?
A agência nuclear da ONU não reportou um aumento nos níveis de radiação ao redor das diferentes plantas afetadas.
"Há muito poucos riscos de que os ataques às instalações de enriquecimento de urânio provoquem emissões radioativas e perigosas", diz Davenport.
Mas um ataque contra a usina nuclear de Bushehr, no sul do país, poderia, sim, ter "graves consequências para a saúde e o meio ambiente", acrescenta.
O Irã realmente está perto de obter a bomba atômica?
Após a retirada unilateral dos Estados Unidos do acordo nuclear internacional, em 2018, o Irã se desligou gradualmente de certas obrigações e acelerou o enriquecimento de urânio muito acima do limite estabelecido em 3,67%.
Em meados de maio, o país dispunha de 408,6 kg de urânio enriquecido a 60%, perto dos 90% necessários para desenvolver uma bomba atômica, segundo um relatório da AIEA consultado pela AFP.
O Irã é o único país não detentor de armas nucleares que produz este tipo de material, informou a agência da ONU.
O último relatório da AIEA aponta que "não tem indícios críveis de que haja um programa nuclear estruturado", destinado a adquirir armas nucleares, como pode ter ocorrido no passado. Teerã nega ter estas ambições. (AFP)
Israel diz que Irã trabalha em gatilho para bomba nuclear
Antes de iniciar os ataques ao Irã, Israel informou aos EUA que Teerã conduzia pesquisas para uma arma nuclear, incluindo um sistema de disparo explosivo. Os americanos, no entanto, não se convenceram, segundo oficias dos EUA e dois assessores do Congresso familiarizados com as discussões.
A inteligência compartilhada por Israel menciona o trabalho do Irã em partículas de nêutrons para gerar uma reação em cadeia — parte crítica da fissão nuclear. Oficiais também afirmam que foram citados explosivos plásticos e integração de material físsil em um dispositivo explosivo.
A resposta dos EUA a Israel foi que a inteligência apenas mostrava que o Irã ainda pesquisa armas nucleares, mas os dois países concordam em grande parte que o Irã se colocou em posição mais forte nos últimos meses para construir a bomba nuclear. O Irã, por outro lado, insiste que seu programa nuclear é para fins pacíficos.
Os EUA estimam que levaria de uma a duas semanas para o Irã produzir urânio enriquecido em nível de armas suficiente para uma arma nuclear, e oficiais dos EUA disseram que o Irã poderia construir algum tipo de arma nuclear rudimentar em meses. (AFP)
Mudança
Em 25 de março de 2025, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard, afirmou à Comissão de Inteligência do Senado que o Irã não estava construindo armas atômicas. A posição de Tulsi é oposta a que hoje defende o governo Trump, que tem apoiado a posição de Israel, segundo a qual o Irã está próximo de construir uma bomba nuclear
A GBU-57
A única bomba convencional capaz de destruir as instalações nucleares subterrâneas do Irã é a GBU-57, ogiva antibunker de 13 toneladas, que Israel não possui, é capaz de penetrar dezenas de metros abaixo da superfície antes de explodir. Uma característica quase exclusiva nas mãos de Donald Trump, caso ele decida intervir
Por que essa bomba?
Embora em cinco dias o Exército israelense tenha conseguido dizimar o comando militar iraniano e numerosas instalações, "persistem muitas dúvidas sobre a eficácia dos ataques israelenses contra o núcleo central do programa nuclear iraniano", a usina de Fordow em particular, declarou Behnam Ben Taleblu, da Fundação para a Defesa das Democracias, um centro de pesquisa americano de tendência neoconservadora.
Alcance
O que torna essa bomba americana única é sua capacidade de penetrar rocha e concreto. A GBU-57 "foi projetada para penetrar até 61 metros no subsolo antes de explodir", indica o Exército americano.
Diferentemente de muitos mísseis ou bombas que detonam ao impacto, essas ogivas antibunkers buscam primeiro se enterrar no solo e só explodem quando alcançam a instalação subterrânea.
Como é lançada?
Os aviões americanos B-2 são os únicos capazes de lançar essa bomba.
Consequências
Uma intervenção desse tipo "teria um alto custo político para os Estados Unidos", avalia Behnam Ben Taleblu. E "não é a única solução", acrescenta. Na ausência dessa bomba, um ataque israelense contra um complexo subterrâneo como Fordow poderia envolver "tentar atacar as entradas, derrubar o que for possível, cortar a eletricidade", enumera o especialista.
Ventilação
"A era de redução do número de armas nucleares no mundo, que perdurou desde o fim da Guerra Fria, está chegando ao fim. Em vez disso, observamos uma tendência clara de crescimento dos arsenais nucleares, o aumento da retórica nuclear e o abandono dos acordos de controle de armas"
Hans Kristensen, analista do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri)
Ventilação
"A maré de insegurança foi crescendo lentamente, desde 2007, 2008, passando por 2014, até o momento em que as ondas começaram a quebrar, em fevereiro de 2022. Acho que foi então que muitas pessoas acordaram para essa deterioração, que naquele momento já existia havia mais de uma década"
Dan Smith, diretor do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri)