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TRE-CE confirma cassação de prefeito de Santa Quitéria por vínculo com facção
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TRE-CE confirma cassação de prefeito de Santa Quitéria por vínculo com facção

|Eleição| Magistrados consideram o caso o mais emblemático já decidido na Justiça Eleitoral do Ceará. Nova eleição foi decretada
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BRAGUINHA (PSB), à esquerda, e Gardel Padeiro (PP), à direita, prefeito e vice cassados de Santa Quitéria (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram BRAGUINHA (PSB), à esquerda, e Gardel Padeiro (PP), à direita, prefeito e vice cassados de Santa Quitéria

José Braga Barrozo, conhecido como Braguinha (PSB), e Francisco Gardel Mesquita Ribeiro, o Gardel Padeiro (Progressistas), eleitos em 2024 para a Prefeitura de Santa Quitéria, distante 223,46 km de Fortaleza, tiveram recurso não acolhido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) nesta terça-feira, 1°.

Com relatoria de Luciano Nunes Maia Freire, o Pleno do TRE-CE decidiu, por unanimidade, manter na íntegra a sentença da primeira instância que cassou os mandatos, determinou a inelegibilidade de ambos e a realização de nova eleição no município.

O relator qualificou este como o "caso mais emblemático, mais grave e ultrajante com que a Justiça Eleitoral desse Estado já se deparou".

Ainda durante a sessão do TRE-CE, o procurador Samuel Miranda Arruda, representando o Ministério Público, disse que esse caso talvez seja “o mais emblemático das eleições do Ceará”. Ele disse ainda que esse foi um julgamento tardio, que deveria ter sido julgada em 2020, "quando os fatos criminosos começaram em Santa Quitéria".

A Corte decidiu sobre recurso em face de sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) contra os acusados, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).

Braguinha foi preso instantes antes de tomar posse no novo mandato, em 1° de janeiro de 2025, após ser reeleito em 2024. Ele e o vice, Gardel Padeiro, foram alvos de pedido de cassação pelo MPE por abuso de poder político e econômico ao se envolver com integrantes de uma facção criminosa com o objetivo de influenciar o voto dos eleitores e violar a normalidade e legitimidade do último pleito.

"Vejo condutas gravíssimas, altamente reprováveis e atentatórias ao próprio sistema democrático", disse o relator. "Com magnitude não só suficiente, mas exaustiva para macular a legitimidade, a normalidade, a lisura do pleito e a paridade de armas da eleição majoritária de Santa Quitéria".

Prosseguiu Luciano Nunes Maia Freire: "Não há como se inferir que o resultado da eleição de 2024 naquele município realmente correspondeu à vontade soberana dos eleitores diante desse cenário de macrocriminalidade, desse cenário horroroso de criminalidade".

Ele acrescentou: "Não há como negar que o pleito de Santa Quitéria foi totalmente corrompido. Infelizmente essa é a verdade".

Após a cassação dos mandatos do prefeito e vice eleitos, o filho de Braguinha, Joel Barroso (PSB), assumiu o Executivo do Município. O prefeito em exercício é presidente da Câmara Municipal, mas sua eleição para a mesa diretora recebeu questionamentos por se tratar de um terceiro mandato consecutivo, situação que já foi alvo do Supremo Tribunal Federal (STF) em outros casos.

As denúncias

O relator citou no voto informações do delegado Marcos Aurélio Elias de França, segundo o qual houve ameaças a cabos eleitorais de Tomás Figueiredo (MDB), candidato adversário de Braguinha no pleito.

O voto menciona que Daniel Claudino, conhecido como DA30, foi enviado do Rio de Janeiro por facção criminosa. O delegado informa ter sido constatado que DA30 estaria hospedado, a propósito, no mesmo hotel em que estavam o promotor e o juiz da comarca. A Polícia foi até lá e prendeu Claudino.

Em delação premiada, o membro de facção informou as duas missões designadas a ele no Ceará: tumultuar a campanha de Tomás Figueiredo e "tomar" o município de Varjota da facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Para isso, DA30 receberia "300 e poucos mil" reais.

Freire, no voto, cita ainda Francisco José Martins da Silva, delegado que atua contra crimes institucionais e investiga ilícitos eleitorais. Ele realizou diligências em Santa Quitéria e constatou que as pessoas não queriam dar nenhum depoimento. Segundo o delegado, as pessoas estavam receosas, num clima de ameaças caso votassem em Figueiredo.

"Os atos de campanha do candidato Tomás Figueiredo foram nitidamente prejudicados", disse o relator.

Responsabilidades

O relator rebateu o argumento da defesa de que o prefeito e o vice não teriam responsabilidade pela ação criminosa. Freire ressaltou que a mera condição de beneficiários é suficiente para cassar os mandatos. A responsabilidade ou não pelos atos, no entendimento dele, é relevante apenas para decidir a inelegibilidade ou não dos réus.

O relator mencionou que o prefeito, no mandato anterior, "mantinha nos quadros da administração pessoas comprovadamente ligadas à facção criminosa".

Disse ainda que o gestor, se não tiver determinado, autorizou dois funcionários "com os quais tinha proximidade" a irem a Fortaleza pegar um carro e de lá para a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. O objetivo da viagem era levar um veículo a um traficante, com R$ 1,5 milhão dentro

Destacou-se ainda que os criminosos eram orientados a não mencionar Braguinha nas ameaças e pichações. Apenas falavam contra Tomás Figueiredo.

Sobre o argumento da defesa, de que o candidato, então prefeito, determinou que as pichações criminosas fossem removidas, o relator afirmou não haver comprovação de tal fato nos autos. Ele afirma que, segundo testemunhas, era a Polícia quem apagava as mensagens. 

Relembre o caso

José Braga Barrozo, conhecido como Braguinha, foi reeleito para a Prefeitura de Santa Quitéria nas eleições de 2024, mas teve a prisão preventiva decretada antes de tomar posse.

À época, a ação se deu em cumprimento de mandado de prisão preventiva expedido pelo TRE-CE. Além da prisão, também foi decretada ordem de busca e apreensão na casa do prefeito, que foi conduzido para Fortaleza.

Em 5 de janeiro ele foi liberado para cumprir prisão domiciliar por decisão do então presidente do TRE-CE, Raimundo Nonato Silva Santos. Braguinha é acusado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) de envolvimento com uma facção criminosa, que teria coagido eleitores, candidatos e funcionários da Justiça Eleitoral durante o pleito de 2024.

Entre as justificativas para substituir a prisão preventiva pela domiciliar, foi utilizado o argumento de "deficiência física (perna amputada) com uso de prótese e cardiopatias". A prisão domiciliar foi mantida sob condições, incluindo fazer uso de tornozeleira eletrônica durante o período.

Em março deste ano, Braguinha foi liberado da prisão domiciliar na qual estava desde janeiro. A decisão foi do desembargador eleitoral Luciano Nunes Maia Freire, que considerou o estado de saúde do prefeito. Entretanto, o afastamento das funções no Executivo foi mantido.

Para a decisão, o magistrado considerou o estado de saúde de Braguinha. Em substituição à prisão domiciliar, foram aplicadas medidas cautelares. Ele já havia sido afastado da Prefeitura no primeiro mandato, em 2023, acusado de irregularidades na administração.

Em seu retorno à Santa Quitéria, José Braga Barrozo foi recepcionado por apoiadores em uma atmosfera de festa. Durante uma entrevista, ele agradeceu o apoio e disse ser “inocente igual a um passarinho que foi preso na gaiola”. Braguinha esteve em prisão domiciliar, em Fortaleza, por 78 dias.

Facção influenciou eleições em Santa Quitéria

A facção criminosa Comando Vermelho (CV) atuou para garantir o resultado das eleições municipais de Santa Quitéria em 2024. "Quando ocorreu a eleição municipal de Santa Quitéria, foi detectado que uma das maiores organizações criminosas aqui no Estado estaria agindo para dirigir o resultado do pleito", resumiu ao O POVO o subprocurador-geral de Justiça Jurídico do Ministério Público do Ceará (MPCE), Plácido Rios.

Segundo ele, a facção criminosa comprava apoio político utilizando dinheiro do tráfico, expulsava moradores, proibia bandeiras e propagandas de adversários afixadas em casas, impedia passeatas e reuniões políticas e ameaçava de morte quem contrariasse essas ordens.

“Inclusive, chegaram a ameaçar destruir o cartório eleitoral de Santa Quitéria, incendiando o cartório", contou Plácido Rios.

Apoio de líder do CV no município teria sido decisivo para que José Braga Barrozo fosse eleito em 2020 e 2024, conforme a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE).

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