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Por que a velha receita de Lula não funciona agora
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Por que a velha receita de Lula não funciona agora

Quando chegou ao fim do segundo mandato, Lula tinha 83% de avaliação ótima ou boa no Datafolha, melhor desempenho de um presidente na história. Na metade final do terceiro mandato, ele registra as piores avaliações como governantes e dúvidas sobre o futuro
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do lançamento do Plano Safra 2025/26, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de junho de 2025 (Foto: Evaristo SA / AFP)
Foto: Evaristo SA / AFP O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do lançamento do Plano Safra 2025/26, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de junho de 2025

É de se imaginar que, após mais de 10 anos no comando do País, a experiência acumulada tornaria o ato de governar mais fácil. No entanto, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou amadurecido ao Palácio do Planalto, o Brasil o recebeu mais exigente e dividido.

“Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação", discursou Lula ao sair vitorioso no segundo turno das eleições de 2022.

Mesmo com o desemprego caindo para 6,2% no trimestre favereiro-abril-maio — patamar mais baixo desde 2012 — apostas de retomada do programa Minha Casa, Minha Vida e no Bolsa Família, a popularidade do presidente continua decaindo.

Em 2006, ao fim do primeiro mandato presidencial, Lula registrava cerca de 52% de avaliação positiva, segundo o Datafolha, apesar do mensalão. Ao final do segundo mandato, em dezembro de 2010, ele alcançou 83% de ótimo e bom no Datafolha, o melhor desempenho de um presidente na história. Na pesquisa mais recente do instituto, ele teve 28% de ótimo e bom, frente a 40% de ruim e péssimo.

Apesar de ser um político com trajetória consolidada e considerado um dos principais operadores políticos do Brasil, o petista enfrenta hoje um cenário institucional e social completamente distinto dos contextos de seus primeiros mandatos.

Segundo a cientista política Luciana Santana, o Brasil passou por uma mudança tanto contextual, quanto institucional. Em relação ao contexto brasileiro, as condições de governança já não são as mesmas.

“Nos dois primeiros governos, ele conseguiu, mesmo em meio a crises políticas, como a do mensalão, garantir uma maioria legislativa no parlamento e, por meio do presidencialismo de coalizão, havia uma garantia para que ele pudesse levar adiante seu governo“, explica.

Luciana destaca que, após o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, houve uma mudança no contexto brasileiro. “Mas especialmente uma mudança institucional, que é uma fragilização do presidente como a instituição, ou seja, do Executivo diante do Legislativo“, acrescenta.

Depois de três presidentes, a explosão das redes sociais, uma pandemia e o advento de um novo antagonismo político, essa fragilização institucional pode ser justificada em alguns aspectos.

O Congresso Nacional tem o histórico de ser centro-direita, porém, nas últimas eleições, houve o aumento de parlamentares da extrema direita, associados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em 2022, o Partido Liberal, principal adversário do governo e que já era o maior partido na Câmara, elegeu 99 deputados federais, 23 assentos a mais do que nas eleições anteriores. “Negociar com esses parlamentares é praticamente impossível”, afirma Luciana Santana.

Já os parlamentares que ocupam o espaço de centro-direita no Congresso "têm outros trunfos para barganhar". "Hoje eles vêm tendo poder sobre o orçamento, que é muito mais atrativo do que ter um ministério nas mãos, por exemplo", destaca.

“Hoje o mais desafiador pro governo, mais do que a extrema direita, é lidar com essa nova configuração de força que está na mão desse centrão que não vê mais atrativo ser governo, mas poder ditar as regras do jogo”, explica Luciana.

Antes da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, os parlamentares definiam para onde as emendas deveriam ir e o Executivo avaliava se deveria ou não executá-la. A aprovação da EC 86/2015 tornou obrigatória a execução de parte da programação orçamentária, focando nas emendas individuais apresentadas pelos parlamentares.

O ex-deputado e professor Artur Bruno (PT) lamenta que os governos anteriores “se dobraram aos interesses paroquiais de muitos congressistas”. Para ele, é “inadmissível” o Legislativo ter mais poder do que o Executivo.

“O parlamento ter mais poder hoje do que o próprio Executivo é inadmissível em um país presidencialista como o Brasil. Fui deputado federal de 2011 a 2014. Naquela época, cada deputado federal tinha R$ 15 milhões de emendas. Hoje são R$ 38 milhões de emendas impositivas, sem se falar em emendas de bancada, de comissões. O parlamento está exacerbadamente grande, é desigual hoje a relação do Executivo com o Legislativo”, afirma.

Bruno, porém, reconhece falhas na comunicação. “Comunicação hoje exige muita agilidade, criatividade e simplicidade, comunicação mais direta numa linguagem mais simples. Então, o governo tem tentado recuperar isso”, reconhece o ex-deputado.

Sobre a ação do governo nas redes sociais, Luciana Santana acredita que a gestão tem erros inegáveis que, inclusive, impactaram a avaliação da população. “Desde o ano passado, com a questão do Pix, são vários episódios, vários fatos que o governo não conseguiu responder. Não tinha ali um plano emergencial para saber lidar, e mesmo trocando a comunicação, ainda não conseguiu calibrar”, afirma.

Por outro lado, Carlos Matos, ex-deputado estadual pelo PSDB e atualmente filiado ao União Brasil, enfatiza a perda da capacidade de diálogo e de formação de coalizões nacionais no governo atual, diferentemente do primeiro mandato de Lula.

Matos considera que o terceiro mandato do petista age de forma "desesperada" ao tentar "polarizar com a luta de classes", o que não contribui para a busca de soluções conjuntas.

"Hoje aquele Lula que era respeitado, admirado e que conseguia dialogar com as diferentes forças, parece que desapareceu. Surgiu um Lula enfraquecido e irritado, com pouca capacidade de diálogo e sem um time à altura para poder governar o país", afirma.

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade.        Caption(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. Caption

Segundo ele, o presidente Lula do primeiro mandato tinha o foco mais voltado para a coalizão nacional, "com capacidade de diálogo e de continuar um projeto que havia sido muito bem formulado pelo PSDB e que ele teve a inteligência de não destruí-lo".

"Depois, a com a Dilma Rousseff já deu para sentir que o projeto deixou de ser um projeto nacional para ser um projeto petista e foi demonstrando a própria incapacidade de dialogar com o Congresso, e isso agora volta com toda força", destaca o ex-deputado.

A promessa de unidade no discurso após o segundo turno vai de encontro, agora anos depois, a um Brasil ainda polarizado, a dificuldades de se comunicar e administrar conflitos com uma base legislativa fragmentada e com uma oposição fortalecida.

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