As tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a produtos brasileiros envolvem mais do razões econômicas. O movimento revela a transformação do comércio internacional em ferramenta de punição ou recompensa para governos alinhados à doutrina da Casa Branca.
"O que a gente observa, principalmente desde o primeiro mandato do Trump, é um uso mais temático dessa ferramenta, tanto da pressão comercial, quanto da restrição às relações de investimento dos Estados Unidos", diz Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV.
"Claro que, formalmente, não se trata de uma sanção, mas a gente poderia colocar essas tarifas no mesmo patamar de efeitos das sanções, que tentam gerar pressão política. Então, elas são ferramentas, de fato, políticas, mais do que ferramentas econômicas. E essa transformação vem ocorrendo paulatinamente à medida que os Estados Unidos vão tendo mais espaços de resistência à sua hegemonia na política internacional", afirma.
Se o aumento das tarifas passa a ser utilizado como arma geopolítica, há dúvidas se o mundo continuará a valorizar a diplomacia comercial — ações coordenadas por um Estado, por meio de seus órgãos diplomáticos e comerciais, para promover seus interesses econômicos no exterior.
Essas ações envolviam negociações de acordos bilaterais e multilaterais, abertura de mercados, proteção de empresas nacionais, atração de investimentos estrangeiros e defesa de exportadores diante de barreiras tarifárias e regulatórias, além de órgão reguladores, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo.
De acordo com Carolina Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Unifesp, esses instrumentos surgiram no passado por iniciativa dos Estados Unidos, em contexto de bipolaridade com a União Soviética, como forma de fazer prevalecer a sua visão mais liberal sobre a economia mundial, com a expectativa de quanto mais livre o comércio, os países estariam menos propensos a sucumbir ao bloco socialista.
"O regime de comércio internacional construído no pós-2ª Guerra Mundial e que teve o seu ápice na criação da OMC, cujo objetivo era derrubar as barreiras ao livre-comércio, está fortemente prejudicado", diz.
Trump também usou as redes sociais, palco onde a extrema direita é forte nos dois países, para reclamar do suposto cerceamento da liberdade das big techs. Esse estímulo ao engajamento virtual representa o vínculo do governo Trump com as redes sociais, como um dos pilares de sustentação do governo, e o debate que o Brasil vem tentando sobre a atuação dessas empresas.
"O movimento brasileiro de discutir esses limites atinge diretamente o núcleo do governo Trump. E, tendo conhecimento do ativismo brasileiro em tais plataformas, sem dúvidas a articulação da extrema direita nas redes era um efeito colateral desejado, sobretudo em um contexto maior de desempenho sofrível do governo brasileiro e das esquerdas, no geral, nesse mesmo ambiente", diz Carolina Silva Pedroso.
Além disso, além do alinhamento ideológico com o bolsonarismo e do movimento das big techs, o anúncio tarifário ecoa a disputa dos Estados Unidos com a China pela hegemonia da influência na América Latina, região onde o Brasil exerce presença importante.
"A zona de influência 'natural' dos Estados Unidos tem se tornado cada vez mais porosa a potências externas à região, o que, na lógica geopolítica, também indica esse declínio da hegemonia estadunidense", afirma Pedroso.
O governo Trump, porém, deverá encontrar dificuldades para retomar espaço. "É muito difícil pensar que, mesmo com toda essa pressão que os Estados Unidos possam exercer, você consiga substituir de fato a China. Então, por isso que eu sou um pouco cético da capacidade dos Estados Unidos de retomarem plenamente essa liderança que um dia já tiveram aqui na região", afirma Pedro Brites, da FGV. (DW)