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Em pressão por Bolsonaro, governo Trump pune Alexandre de Moraes com Lei Magnitsky
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Em pressão por Bolsonaro, governo Trump pune Alexandre de Moraes com Lei Magnitsky

A decisão é parte da pressão dos bolsonaristas por punições contra integrantes do STF a fim de paralisar o julgamento do ex-presidente Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado em 2022
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MINISTRO Alexandre de Moraes no STF após ataques de 8 de janeiro de 2023 (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF MINISTRO Alexandre de Moraes no STF após ataques de 8 de janeiro de 2023

O governo de Donald Trump aplicou nesta quarta-feira, 30, sanções financeiras ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes por meio da Lei Magnitsky. O dispositivo legal acionado pela Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos se aplica a estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos. A decisão representa uma escalada na crise envolvendo o governo Trump e os comandos dos Poderes Executivo e Judiciário brasileiros - o presidente americano assinou ontem o decreto que oficializa tarifas de 50% a produtos exportados pelo Brasil.

Ministro-relator da ação penal do golpe - que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como principal réu -, Moraes se tornou o alvo principal das ameaças do governo americano. A medida bloqueia contas bancárias e trava o acesso do ministro ao sistema financeiro dos Estados Unidos. A lei ainda prevê proibição de entrada no país. O seu visto e de outros sete integrantes do STF e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, já haviam sido suspensos por ordem de Trump na semana passada.

A aplicação da lei foi publicada no site do Tesouro dos EUA. O nome do ministro passou a constar na lista do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC). O escritório afirmou em comunicado que Moraes "usou sua posição para autorizar detenções arbitrárias antes do julgamento (da ação penal do golpe) e suprimir a liberdade de expressão".

O secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, reproduziu o discurso de Trump ao justificar a punição de Moraes Ele citou nominalmente Bolsonaro como um dos alvos do ministro "em sua campanha de censura, detenções arbitrárias que violam direitos humanos e perseguição política".

Segundo Bessent, o ministro "tomou para si o papel de juiz e júri numa caça às bruxas ilegal contra os Estados Unidos e cidadãos e empresas brasileiras". "A decisão de hoje (ontem) deixa claro que o Tesouro vai continuar a fiscalizar aqueles que ameaçam os interesses dos Estados Unidos e a liberdade de nossos cidadãos."

Porém, diferentemente do que alega o secretário de Trump, as decisões de Moraes têm sido submetidas ao plenário e referendadas pelos demais ministros do STF, além de contar com pareceres da Procuradoria-Geral da República.

Sem precedentes

O rol de punições a Moraes inclui o bloqueio de bens em seu nome ou que sejam seus, mas, eventualmente, estejam sob posse de americanos. Além disso, quaisquer empresas ou entidades ligadas ao ministro estão proibidas de operar no país. A interlocutores, Moraes já afirmou que não mantém bens ou aplicações nos EUA e, portanto, essa medida específica seria inócua.

A aplicação da Lei Magnitsky também prevê sanções a instituições financeiras e outras pessoas que "se envolverem em determinadas transações ou atividades" com o ministro. Empresas como bancos e operadoras de cartões de crédito estão proibidas de realizar qualquer operação que envolva Moraes. "O objetivo final das sanções não é punir, mas promover uma mudança positiva de comportamento", finaliza o comunicado do Tesouro.

A decisão tem como base o pedido apresentado pela organização Legal Help 4 You LLC à Justiça Federal da Flórida por punições a membros da Suprema Corte brasileira. A entidade atua como amicus curiae (amigo da Corte) no processo judicial movido pelas empresas Trump Media, cujo dono é o presidente dos EUA, e Rumble

Na semana passada, a organização pediu o envio dos autos do processo ao governo Trump para que fosse analisada a viabilidade de aplicação das sanções contra Moraes e outros ministros do STF

Soberania

A Legal Help 4 You LLC argumenta no Tribunal da Flórida que o STF viola a soberania dos Estados Unidos ao restringir a atuação das suas companhias. As decisões proferidas por Moraes em relação à Trump Media e à plataforma Rumble têm como justificativa a falta de ação das empresas para restringir a disseminação de notícias falsas e o discursos de ódio em seus domínios.

A Lei Magnitsky aplicada contra Moraes foi aprovada em 2012, durante o governo de Barack Obama.

Em maio deste ano, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ameaçou acionar a lei contra membros do Judiciário brasileiro. "Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça", disse Rubio na ocasião ao ser questionado pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida

A decisão, agora em vigor, se insere no contexto de pressão dos bolsonaristas por punições contra integrantes do STF a fim de paralisar o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado em 2022. O protagonista do lobby por sanções a Moraes é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) - filho do ex-presidente -, que está nos Estados Unidos desde março articulando com agentes do governo Trump formas de enquadrar o ministro.

Após o anúncio da sanção, ele voltou a defender a aprovação de uma anistia no Congresso. "O mundo está olhando para o Brasil", escreveu em sua conta no X. "Chegou a hora do (sic) Congresso agir. A anistia ampla, geral e irrestrita é urgente."

O uso de Lei Magnitsky pelos EUA é inédito contra um ministro de Suprema Corte no mundo. Esta é a também primeira vez que uma autoridade de país democrático é punida pela lei. Até o momento, a norma só havia sido aplicada para violadores graves dos direitos humanos, como autoridades de regimes ditatoriais, integrantes de grupos terroristas e criminosos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro e de assassinatos em série.

Entre os casos emblemáticos estão assessores diretos do príncipe Mohammed bin Salman, da ditadura da Arábia Saudita, responsabilizados pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi; o ditador da Chechênia Ramzan Kadyrov, acusado de execuções extrajudiciais; integrantes de grupos terroristas do Iraque e do Afeganistão e dirigentes do Partido Comunista Chinês, sancionados por comandar políticas de repressão sistemática no país.

Na América do Sul, foram punidos membros de facções criminosas com conexões no Brasil; envolvidos em lavagem de dinheiro e evasão de divisas; e o ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes, punido após deixar o cargo, sob a acusação de envolvimento em esquemas de corrupção e lavagem de recursos.

Para ter o nome retirado da lista, Moraes teria de provar que não teve ligação com as atividades ilegais que levaram à punição, que já respondeu na Justiça pelos atos ou que mudou de comportamento de forma significativa. O próprio governo americano também pode retirar as sanções.

O STF divulgou nota defendendo Moraes e dizendo que não se desviará do "papel de cumprir a Constituição".

O que diz a Lei Magnitsky

Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é a primeira autoridade de um país democrático a ser punida com as sanções previstas na norma, criada para restringir direitos de violadores graves dos direitos humanos.

A Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades de regimes ditatoriais e condenados por tortura e tráfico humano. O texto foi sancionado em 2012 pelo governo de Barack Obama. A medida leva o nome de Sergei Magnitsky, um advogado russo que denunciou um esquema de corrupção de autoridades de seu país e morreu em uma prisão de Moscou, em 2009. Ao ser sancionado, o texto contemplou sanções contra as autoridades responsáveis pela morte de Magnitsky.

A Lei Magnitsky foi ampliada ainda no governo Obama e teve seus termos atuais promulgados em 2016. Com a nova redação, o texto passou a permitir sanções contra autoridades de quaisquer países que violassem direitos humanos.

Quais são as punições estabelecidas pela Lei Magnitsky?

Proibição de entrada nos EUA: o punido pela Lei Magnitsky é impedido de ingressar no território americano. Caso o alvo da medida já possua um visto de entrada, o documento é revogado.

Bloqueio de bens e propriedades: a Lei Magnitsky prevê o bloqueio dos bens e propriedades do punido que estejam localizados no território americano.

Proibição "extraterritorial" de prestação de serviços: a medida também impõe sanções que devem ser cumpridas por todas as entidades que operem sob leis americanas ou mantenham relações econômicas com os Estados Unidos. Isso significa que todas as empresas que possuam ativos nos Estados Unidos devem restringir o acesso do alvo da sanção aos seus serviços, o que inclui instituições financeiras e plataformas de tecnologia. Dessa forma, o punido é impedido de acessar serviços bancários e de ter contas em redes sociais. O texto da Lei Magnitsky expressa que a sanção é "extraterritorial", ou seja, o bloqueio deve ocorrer mesmo que a prestação de serviços ocorra fora dos limites territoriais dos Estados Unidos.

Quantas vezes a Lei Magnitsky foi usada?

Segundo um levantamento da entidade Human Rights First, que atua na promoção de direitos humanos, a Lei Magnitsky foi aplicada 48 vezes durante o segundo semestre de 2024. O rol de punidos inclui violadores graves de direitos humanos, como autoridades condenadas por tráfico humano, torturas e repressão violenta de protestos.

A mais recente aplicação da Lei Magnitsky é de 9 de julho. Membros do Partido Comunista da China foram punidos pela violação de direitos humanos dos uiguris, povo que habita o oeste do país asiático.

Como é o trâmite da Lei Magnitsky?

A iniciativa de sanções pela Lei Magnitsky parte do presidente dos Estados Unidos e deve ser aprovada pelo Congresso do país. O Partido Republicano detém maioria nas duas Casas do Poder Legislativo.

Para deixar o rol de punidos pela Lei Magnitsky, o alvo da medida deve provar ao governo americano que não possui relação com os fatos que levaram à punição, que já respondeu na Justiça pelos atos ou que mudou de comportamento de forma significativa.

Autoridades do governo Trump dizem que Moraes promoveu 'caça às bruxas' e cometeu abuso ao autorizar detenções antes de julgamento

O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, afirmou em nota nessa quarta-feira, 30, ao anunciar a sanção do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com base na Lei Global Magnitsky, que o magistrado "assumiu para si o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil".

Bessent também afirmou que Moraes é responsável por uma "campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados, incluindo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro". Ele acrescentou que a medida "deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de seus cidadãos".

"Alexandre de Moraes assumiu para si o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil. De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados - incluindo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos", disse Bessent.

A medida foi anunciada duas semanas após o Departamento de Estado ter revogado os vistos de Moraes e de outros ministros. Segundo o Tesouro, desde sua nomeação ao STF, em 2017, Moraes teria feito "prisões preventivas arbitrárias, censurado opositores e empresas de tecnologia, e usado seu cargo para perseguições políticas".

Já o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, acusou Moraes de violar seriamente os direitos humanos e abusar da sua posição ao autorizar detenções antes de julgamento e "privar a liberdade de expressão", em comunicado divulgado pelo departamento nessa quarta.

Ao contrário do secretário do Tesouro, Scott Bessent, a nota de Rubio não traz menção direta ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Contudo, Rubio acusa Moraes de "engajar em esforços politicamente motivados para silenciar uma crise política ao emitir ordens secretas compelindo plataformas online, incluindo redes sociais dos EUA, a banir contas de indivíduos por postarem discurso protegido".

Segundo ele, Moraes fez detenções arbitrárias com "negação flagrante de garantias de um julgamento justo".

Rubio citou as sanções aprovadas pelo Tesouro contra o juiz brasileiro e disse que os EUA "vão utilizar todos os meios apropriados, efetivos, diplomáticos, políticos e legais para proteger o discurso de americanos contra atores estrangeiros malignos".

Em publicação separada, no X, o secretário de Estado afirmou que este é um "aviso". "Que este seja um aviso para aqueles que pisotearam em direitos fundamentais dos seus compatriotas: vestes judiciais não poderão protegê-lo", escreveu. (Agência Estado)

 

Eduardo Bolsonaro usa sanção a Moraes para pedir 'anistia irrestrita': não se trata de vingança

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou nessa quarta-feira, 30, as sanções impostas pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para pedir novamente que o Congresso Nacional aprove uma anistia "ampla, geral e irrestrita" - a qual beneficiaria, portanto, seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo o parlamentar, a anistia é "urgente para restaurar a paz".

O deputado ainda voltou a chamar o tarifaço do presidente Donald Trump a produtos brasileiros de "tarifa-moraes", afirmando que a taxação é um sintoma de que o País está "isolado" e "em conflito com seus próprios cidadãos".

"Não se trata de vingança, mas de justiça. Não se trata de política, mas de dignidade. É hora de virar a página, juntos", escreveu em seu perfil no X. A publicação foi feita na esteira do anúncio da aplicação, ao ministro do STF, da Lei Magnitsky - que trata de sanções a pessoas e instituições envolvidos em corrupção ou abusos de direitos humanos.

Em nota, o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, alegou que Moraes "assumiu para si o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil". (Agência Estado)

Nota

A embaixada dos EUA no Brasil compartilhou nota do secretário de Estado, Marco Rubio: "Que isso sirva de alerta a todos que atropelam os direitos fundamentais de seus compatriotas", traduziu a embaixada

Apoio

Flávio Dino foi o primeiro ministro do STF a se solidarizar com Moraes. "(...) suas decisões são julgadas e confirmadas pelo COLEGIADO competente", diz trecho da publicação

AGU diz que adotará medidas para garantir autonomia do Judiciário

O advogado-geral da União, Jorge Messias, reagiu ao anúncio do governo dos Estados Unidos de aplicar sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com a Lei Magnitsky, afirmando que medida é "arbitrária e injustificável" e representa "tentativa de intimidação do Poder Judiciário brasileiro".

Na nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que vai adotar "de forma ponderada e consciente nos fóruns e momentos adequados" todas as medidas de responsabilidade do Estado brasileiro para "salvaguardar sua soberania e instituições, especialmente em relação à autonomia de seu Poder Judiciário".

A estratégia jurídica para tentar reverter as medidas de Donald Trump ainda estão em fase de elaboração. A nota afirma que "merece forte repúdio qualquer tentativa de intimidação do Poder Judiciário brasileiro, sobretudo quando voltada a afetar a integridade do exercício de suas funções constitucionais".

"A existência de uma Justiça independente é pilar essencial de qualquer democracia e nós, brasileiros, jamais admitiremos sofrer assédio político contra quem aqui cumpre seu dever constitucional. Não nos curvaremos a pressões ilegítimas, que tentam macular a honra e diminuir a grandeza de nossa nação soberana", diz trecho da nota publicada no X (antigo Twitter).

Na frase final da nota, Messias deixa claro que não está em negociação a possibilidade de intervenção nas decisões tomadas pelo STF no julgamento de processos que afetam Jair Bolsonaro e a família dele. "Soberania não se negocia!", escreveu o advogado-geral. (Agência Estado)

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