O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta semana a fase de interrogatórios das ações penais que investigam a tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. Ao todo, foram ouvidos 31 réus de quatro núcleos da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Com o encerramento da instrução, as defesas têm prazo para apresentar requerimentos ou pedir novas diligências. Em seguida, terá início um novo prazo, de 15 dias, para as alegações finais da PGR e das defesas — última etapa antes da sentença, que poderá levar à absolvição ou condenação dos acusados.
Os réus respondem por crimes como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, entre outros, com penas que podem ultrapassar 30 anos de prisão.
O núcleo 1, que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro como réu, já recebeu pedido de condenação da PGR. No parecer de 517 páginas, o procurador-geral Paulo Gonet sustenta que o grupo agiu para subverter o resultado eleitoral por meio de articulações ilegais e uso da máquina pública.
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e delator na ação do golpe, apresentou as alegações finais e pediu, na terça-feira, 29, a absolvição do militar. Em 78 páginas, os advogados apresentaram as alegações finais. Eles afirmam que Mauro Cid se sente 'traído' pela Procuradoria-Geral da República que pediu a condenação do réu.
"O que se viu foi uma deturpação das informações fornecidas, em ilações convertidas em insumo para atribuir-lhe crimes que jamais cometeu ou poderia cometer", afirma a defesa.
Os advogados dos demais acusados terão prazo conjunto de mais 15 dias para apresentar as alegações. Trata-se da última manifestação da defesa e da acusação antes da sentença, que pode condenar ou absolver os acusados.
Após receber todas as alegações finais, o relator, Alexandre de Moraes, preparará o voto para liberar o processo para julgamento na 1ª turma do STF.
Uma vez que o processo esteja liberado, caberá ao presidente da turma, ministro Cristiano Zanin, marcar a data do julgamento. Além de Moraes e Zanin, a 1ª turma é composta por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux. (Com Agência Estado)
Acampamentos em frente aos quartéis
Segundo Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no caso, o general Walter Braga Netto, vice na chapa que tentava a reeleição, seria o elo entre Bolsonaro e os acampamentos golpistas em frente aos quartéis. Ele também afirmou que o ex-presidente se omitiu ao não agir para dispersar os manifestantes. A omissão, segundo a investigação, ajudou a criar o clima para os ataques de 8/1 de 2023.
No interrogatório, Cid relatou pressão para Bolsonaro substituir o general Marco Antônio Freire Gomes, que resistiu ao plano de golpe. Segundo o tenente-coronel, Braga Netto e o general Mário Fernandes foram os responsáveis por pressionar Bolsonaro pela substituição no comando do Exército.
O que os réus confessaram
Em depoimento, Mário Fernandes, que era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, admitiu ter visitado o acampamento, mas afirmou que o fez como "cidadão", defendendo que parte dos manifestantes não tinha intenção golpista.
O que os réus negaram
Bolsonaro negou saber da atuação de Braga Netto junto aos acampamentos e refutou qualquer envolvimento.
Sacola de dinheiro
Mauro Cid declarou que recebeu dinheiro de Braga Netto em uma sacola de vinho para financiar mobilizações.
O que os réus negaram
Braga Netto negou: "Não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid", afirmou.
O tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira também negou ter recebido o valor, acusando Cid de basear a história apenas em sua própria palavra. O militar apontou que Cid afirmou ter recebido uma sacola lacrada de vinho, da qual ele não viu o conteúdo, apenas presumindo que tinha dinheiro.
Monitoramento de Moraes e Lula
O uso da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar autoridades foi um dos pontos mais sensíveis dos depoimentos. Cid confirmou que Bolsonaro solicitou o monitoramento de Alexandre de Moraes, o que seria prática recorrente contra adversários. Ele afirmou que as informações eram checadas informalmente, sem aparato de inteligência.
A Polícia Federal sustenta que o ex-presidente sabia e se beneficiava da chamada "Abin paralela", que teria usado o software israelense FirstMile para rastrear ministros, parlamentares e jornalistas.
O que os réus negaram
Bolsonaro negou qualquer monitoramento ilegal e classificou as acusações como "fantasiosas".
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, e Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, negaram uso ilegal do sistema e participação em plano golpista.
O que os réus confessaram
General Heleno admitiu conversas sobre esquemas para monitorar
movimentos eleitorais.
O general do Exército Mário Fernandes confirmou ter elaborado o documento "Punhal Verde e Amarelo", que previa ações violentas contra autoridades, mas alegou tratar-se de "pensamento digitalizado", que "não foi compartilhado com ninguém". Fernandes, que era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência na época. O general chegou a assumir a SGP interinamente durante o governo de Jair Bolsonaro.
O general confirmou que imprimiu o plano, mas, logo depois, o "rasgou". "Eu imprimi para não forçar a vista e logo depois eu rasguei. Não compartilhei com ninguém", disse Fernandes.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Marcelo Câmara, acusado por supostas ações de monitoramento de Moraes, disse que a responsabilidade por vigiar o ministro do STF seria de Mauro Cid. Câmara disse que se sentia "usado" pelo tenente-coronel. Ainda segundo Câmara, as informações coletadas por ele não "tinham profundidade e nem são completas em termo de monitoramento".
Kids Pretos negam acusações de tentativa de golpe
Militares das Forças Especiais do Exército, conhecidos como "kids pretos", respondem, entre outras acusações, por um plano de tentativa de assassinato de Lula, Alckmin e de Moraes.
O que os réus negaram
Ao STF, eles negaram as acusações da PGR de que teriam executado ações táticas para uma ruptura institucional. Todos os réus sustentam que as situações apontadas pela PGR foram menos graves do que o descrito.
Rafael Martins afirmou que o grupo "Copa 2022", apontado pela PF como responsável por monitorar Moraes para assassiná-lo, era na verdade um grupo de discussão sobre futebol. Ele negou qualquer conhecimento sobre um plano de golpe, como o "Punhal Verde e Amarelo". A PF havia identificado que os integrantes do grupo usavam codinomes de países da Copa do Mundo e CPFs de terceiros para ocultar as identidades.
Outro réu, o tenente-coronel Rodrigo Bezerra, negou ser o usuário "Brasil" no grupo e questionou a precisão dos extratos de Estação Rádio Base (ERBs) apresentados pela PGR. Martins, por sua vez, defendeu Bezerra, afirmando que ele nunca fez parte de qualquer grupo golpista com sua participação.
Ambos os militares também negaram estar em reunião na casa do general Braga Netto, onde supostamente teria sido discutido o plano para matar Moraes. Martins classificou a narrativa como um "conto de fadas" e sugeriu que qualquer reunião de "kids pretos" passou a ser interpretada como parte de uma conspiração golpista.
O coronel Marcio Nunes Resende Júnior também minimizou as acusações, alegando que o grupo de WhatsApp "dossss!!!!", formado por oficiais militares e que a PF sustenta ter sido usado para pressionar autoridades, era apenas um grupo de "amizade" e "zoeira".
Resende Júnior afirmou que uma reunião em 28/11/2022, apontada pela PF como um encontro para elaborar uma carta de pressão ao comandante do Exército, foi na verdade uma "confraternização" e um "evento informal" entre amigos. Ele argumentou que seria "impraticável" para militares de sua patente se reunirem para tal propósito, o que resultaria em "prisão na certa".
Minuta do golpe
Mauro Cid disse que Bolsonaro leu e sugeriu alterações na minuta golpista. Bolsonaro nega: "Da minha parte, nunca se falou em golpe".
Outras versões:
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, afirmou que viu uma apresentação genérica em reunião com Bolsonaro, mas não sobre golpe;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, confirmou reunião sobre estado de sítio, mas negou levar minuta a comandantes. Disse que saiu "preocupadíssimo";
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, negou envolvimento com plano e alegou não lembrar como a minuta foi parar na casa dele;
Filipe Martins, ex-assessor, acusou Cid de mentir e negou participação em reuniões com o alto comando militar;
Reginaldo Vieira de Abreu, coronel da reserva, confirmou sugestão ao general Mário Fernandes de reunião "com a rataria" sobre golpe. Disse que a mensagem foi "desabafo".
Urnas e discurso de fraude
Mauro Cid afirmou que Bolsonaro e Braga Netto esperavam achar fraudes nas urnas para justificar intervenção militar. Cid relatou pressão do então presidente sobre o ministro da Defesa para alimentar dúvidas sobre o sistema.
O que os réus negaram
O general cearense Paulo Sérgio Nogueira negou ter sofrido pressão e disse que o relatório das Forças Armadas ao TSE foi técnico. Ele, no entanto, pediu desculpas públicas por críticas infundadas feitas ao sistema eleitoral.
Alexandre Ramagem e General Heleno negaram ter alimentado desinformação sobre as urnas. Já Anderson Torres, que participou de live com Bolsonaro, afirmou que não tinha conhecimento técnico e apenas reproduziu relatórios da PF.
O que os réus confessaram
Giancarlo Gomes, subtenente, confirmou que, enquanto atuava na Abin, buscou elos entre um parente de Luís Roberto Barroso, ministro do STF, e a empresa Positivo, que fabricou as urnas usadas em 2022.
A PGR acusa Giancarlo de integrar um "núcleo de contrainteligência", responsável por produzir desinformação contra opositores com o aparato da Abin.
Blitze da PRF no 2º turno
Dados revelados durante a investigação apontaram atuação desproporcional na região: foram 2.185 ônibus fiscalizados no Nordeste, frente a 310 no Norte e 528 no Sudeste. A investigação aponta ainda que Vasques teria dado ordens para dificultar o transporte de eleitores no dia do
segundo turno.
O que os réus negaram
O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, negou que a corporação tenha realizado blitze ilegais no Nordeste para dificultar o voto em Lula. Segundo ele, as ações visavam coibir crimes eleitorais.
As contradições de Mauro Cid
Desde que firmou acordo de colaboração com a Justiça, o tenente-coronel Mauro Cid tem se envolvido em episódios que colocam em dúvida a credibilidade como delator e ameaçam o pacto firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em março de 2024, a revista Veja divulgou áudios em que Cid criticava a condução das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. Ele acusava o ministro Alexandre de Moraes de ter uma "narrativa pronta". Convocado a prestar esclarecimentos, Cid voltou à prisão preventiva, mas foi solto em 3 de maio, sob medidas cautelares. O acordo de delação foi mantido.
Outro ponto de tensão surgiu após a deflagração da Operação Contragolpe, em novembro de 2023, que revelou um plano para assassinar autoridades, batizado de "Punhal Verde e Amarelo". Segundo a Polícia Federal, Cid tinha conhecimento da conspiração, mas omitiu a informação. A corporação pediu a anulação do acordo, mas após nova audiência com Moraes, a colaboração foi preservada.
Em junho de 2024, durante interrogatório, Cid foi questionado pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre um perfil no Instagram, de nome @gabrielar702. O militar afirmou não saber se o perfil pertencia à sua esposa. Reportagem da Veja, no entanto, revelou que a conta — vinculada a um email em nome de Cid, segundo a Meta — teria sido usada por ele para repassar a terceiros informações sigilosas do acordo.
Cid também foi confrontado em uma acareação com Braga Netto, a pedido da defesa do ex-ministro. O ponto central foi uma reunião ocorrida em 12 de novembro de 2022, na casa de Braga Netto. Cid declarou que o encontro, ao qual compareceu com dois dos chamados "kids pretos", teve como pauta a preparação de ações para instaurar um "caos social". Braga Netto nega e afirma que todos os presentes chegaram e saíram juntos — Cid diz que deixou o local antes.
O tenente-coronel mudou de versão sobre o encontro ao longo do tempo. Inicialmente, disse que a reunião era apenas para os dois militares tirarem uma foto com Braga Netto. Só em audiência com Moraes, em novembro de 2024, é que relatou discussões sobre um plano de desestabilização social.
Outro ponto de divergência entre os dois réus é a suposta entrega de dinheiro em uma caixa de vinho. Cid afirma que Braga Netto lhe entregou um pacote lacrado, que, segundo ele, continha dinheiro destinado aos "kids pretos". O general nega, e ambos mantiveram suas versões durante a acareação. A defesa de Braga Netto classificou Cid como "mentiroso", enquanto a PGR considerou inverossímil a negativa do general.
Nas alegações finais, a Procuradoria reconheceu que a colaboração de Cid contribuiu para a investigação, mas ressaltou que grande parte dos fatos foi esclarecida de forma "espontânea" pela Polícia Federal.