O governo dos Estados Unidos renovou ontem os ataques ao Judiciário brasileiro, ao afirmar, em um documento oficial, que "a situação dos direitos humanos no Brasil piorou ao longo do ano", sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em linha oposta, o ministro Edson Fachin, próximo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu o fortalecimento dos direitos humanos na América Latina e fez críticas à "erosão da democracia" e aos "ataques à independência judicial".
Os fatos reforçam a escalada de atritos entre os dois países desde o anúncio, pelo governo de Donald Trump, da aplicação de tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil. A sanção foi justificada com base numa alegada "perseguição" ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a decisões do STF contra empresas americanas de tecnologia.
Os posicionamentos do governo americano foram divulgados em um relatório anual do Departamento de Estado. O documento acusa o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, de "censurar" apoiadores de Bolsonaro e diz que os tribunais brasileiros "tomaram medidas amplas e desproporcionais para minar a liberdade de expressão e a liberdade na internet".
"O governo minou o debate democrático ao restringir o acesso a conteúdo online, suprimindo desproporcionalmente o discurso de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, bem como de jornalistas e políticos eleitos, muitas vezes em processos secretos sem as garantias do devido processo legal. O governo também suprimiu discursos politicamente desfavoráveis, alegando que constituíam 'discurso de ódio', um termo vago e desvinculado do direito internacional dos direitos humanos", diz o documento
O texto cita Moraes ao tratar de censura à liberdade de expressão. De acordo com o relatório do departamento americano, decisões do Supremo "restringiram a liberdade de expressão de indivíduos que considerou estarem violando a lei que proíbe a expressão antidemocrática".
O relatório citou ainda a decisão de Moraes de mandar suspender o X, em agosto do ano passado, após o empresário bilionário Elon Musk, dono da plataforma, se recusar a nomear um representante para responder pela empresa no Brasil. A decisão, segundo o documento, "corroeu ainda mais a liberdade de imprensa".
Ajustado às prioridades da política externa do presidente Donald Trump, o relatório anual sobre direitos humanos no mundo, do Departamento de Estado dos EUA, exalta governos aliados, mesmo quando há restrições de liberdades individuais - como é o caso da administração de Nayib Bukele, em El Salvador - e critica nações europeias que mantêm distância da atual linha do Partido Republicano.
Na América Latina, Washington também criticou regimes de esquerda como Venezuela e Nicarágua - onde diz que a situação dos direitos humanos "piorou" em 2024 - e não vê "mudanças significativas" em Cuba.
Com o texto, governo Trump rompe com a análise sobre o Brasil durante os anos da gestão de Joe Biden. Embora registrassem violações aos direitos humanos no Brasil, os relatórios da gestão Biden apontaram para a existência de instituições como um "judiciário efetivo" e um "sistema político democrático e funcional".
Os relatórios da gestão Biden não deixaram de registrar violações aos direitos humanos consideradas "graves". Os estudos, no entanto, não indicaram problemas relativos às instituições brasileiras em si, e sim quanto à aplicação das garantias legais.
Até a noite desta terça, 12, o Itamaraty e o STF não haviam se pronunciado sobre o conteúdo do documento americano. Em evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Fachin defendeu a cooperação internacional no Judiciário, diante "das tentativas de erosão democrática".
"Vivemos tempos de apreensão, com tentativas de erosão democrática e com ataques à independência judicial nas Américas. É aí que se situam essas próprias tentativas de enfraquecimento da convenção e das decisões da Corte Interamericana", afirmou o magistrado.
Trump cobrou explicitamente, na carta em que anunciou o tarifaço ao Brasil, a paralisação do julgamento da ação penal na qual Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado após a eleição de 2022. O governo americano revogou o visto de oito ministros da Corte, incluindo Fachin, e aplicou punições ainda mais duras contra Moraes, que conduz o processo, com o intuito de blindar o ex-presidente.
Fachin deve ser confirmado hoje como presidente do STF a partir de setembro, em substituição a Luís Roberto Barroso. Moraes passará a ocupar o posto de vice-presidente da Corte.
O futuro chefe do Judiciário nacional disse que é papel do Supremo fomentar a discussão sobre direitos humanos na América Latina. "Ainda hoje, lamentavelmente, persiste em alguns espaços a ideia de que os direitos humanos encampam uma agenda contra o Estado. Não procede esse tipo de conclusão."
Anteriormente, Fachin já tinha defendido a soberania nacional e Moraes dos ataques dos EUA. Ele criticou a aplicação da Lei Magnitsky ao magistrado e afirmou que a medida se trata de "interferência indevida" e "discórdia institucional". (Agência Estado com agências internacionais)