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Nova guerra fria? A disputa entre EUA e China sobre a IA
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Nova guerra fria? A disputa entre EUA e China sobre a IA

Estados Unidos lançou plano para manter o domínio sobre a inteligência artificial enquanto China promoveu conferência internacional e defendeu consenso global para equilíbrio entre desenvolvimento e segurança
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Robôs boxeadores na Conferência Mundial de Robôs (WRC) 2025 em Pequim, China, em 8 de agosto de 2025 (Foto: Xie Han/Xinhua)
Foto: Xie Han/Xinhua Robôs boxeadores na Conferência Mundial de Robôs (WRC) 2025 em Pequim, China, em 8 de agosto de 2025

As duas maiores economias do planeta, Estados Unidos e China, prorrogaram nesta semana a entrada em vigor das tarifas de importação, em meio a meses de tratativas diplomáticas relacionadas à guerra comercial promovida por Washington contra países do mundo todo — com destaque para o Brasil. Enquanto isso, outra frente de disputa está aberta. Envolve a inteligência artificial (IA) e tem potencial para desenhar o futuro do mundo. O controle da IA representa poder econômico, mas também político, científico, comportamental e inclusive bélico.

No fim de julho, a Casa Branca anunciou plano de ação com objetivos declarados de promover o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) nos Estados Unidos, a exportação, e eliminar o "viés ideológico" dos chatbots. O presidente Donald Trump anunciou investimentos milionários em infraestrutura e produção de energia, necessárias para o desenvolvimento dessa tecnologia.

"O presidente destacou que o avanço e domínio dos Estados Unidos em matéria de inteligência é uma prioridade nacional", ressaltou em entrevista coletiva David Sacks, principal assessor da Casa Branca para a IA. "Estamos imersos em uma corrida em escala mundial para assumir a liderança em IA e queremos que os Estados Unidos vençam essa disputa."

Na mesma semana, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, pediu que a comunidade internacional construa um consenso global sobre a governança da inteligência artificial, destacando os riscos à segurança.

Em discurso de abertura na Conferência Mundial de Inteligência Artificial (WAIC), em Xangai, Li disse ser necessário "encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e segurança, o que exige urgentemente um maior consenso de toda a sociedade".

Li também anunciou a criação de um órgão liderado pela China para promover a cooperação global em IA e o desenvolvimento de código aberto, a fim de evitar que a IA se torne "privilégio de poucos países e poucas empresas".

Na cerimônia de abertura da WAIC, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou em uma mensagem de vídeo que a regulamentação da IA seria "um teste decisivo para a cooperação internacional".

Poucos dias antes, Trump, anunciou a redução das regulamentações de IA para manter o domínio dos Estados Unidos na área, mesmo com Washington continuando a restringir as exportações de chips de ponta para a China, alegando preocupações com a segurança nacional. O documento foi batizado de America's AI Action Plan: Winning the Race (Plano de Ação de IA da América: Ganhando a Corrida).

Essas restrições estão forçando as empresas chinesas a buscar alternativas, com a startup DeepSeek apresentando um modelo de IA em janeiro que se equiparava ao desempenho dos principais sistemas americanos, apesar de trabalhar com chips menos avançados.

Li, sem citar os EUA, criticou o controle monopolista e pediu acesso aberto às tecnologias de IA, alertando sobre o fornecimento insuficiente de chips de IA e restrições à troca de talentos. "Somente aderindo à abertura, ao compartilhamento e à equidade no acesso à inteligência, mais países e grupos poderão se beneficiar da IA", afirmou.

O plano de Trump busca romper a linha de seu antecessor Joe Biden, que defendia um desenvolvimento controlado, com ênfase na segurança e na compreensão dos riscos. A Casa Branca identificou cerca de 90 medidas que serão implementadas nos próximos meses.

O Centro para a Democracia e Tecnologia apontou que o governo Trump se comporta "como um ministério da verdade da IA" e busca forçar os grandes atores a criar modelos "que se ajustem à sua interpretação da realidade". (AFP e DW)

Gigantes de chips para IA nos EUA protagonizam batalha com a China

A gigante americana de microprocessadores Nvidia aceitou pagar ao governo dos Estados Unidos 15% de sua receita proveniente da venda de chips especializados em inteligência artificial (IA) para a China, confirmou nesta segunda-feira, 11, Donald Trump.

Segundo a imprensa americana, o mesmo acordo afeta a concorrente nacional AMD, outra gigante do setor que está no centro de uma disputa tecnológica entre Estados Unidos e China.

Os chips envolvidos são os modelos "H20" da Nvidia e "MI308" da AMD.

Sobre a Nvidia, "eu disse a eles (...), quero que paguem algo ao nosso país, porque estou concedendo uma isenção", declarou o presidente dos Estados Unidos a jornalistas na Casa Branca.

As duas empresas, sediadas na Califórnia, haviam desenvolvido esses chips avançados — embora menos potentes que seus modelos de ponta — especificamente para o mercado chinês, a fim de contornar as restrições americanas impostas desde 2022. No entanto, a exportação também havia sido suspensa.

Trata-se de um tipo de processador gráfico considerado essencial porque funciona como "acelerador" de IA, oferecendo potência de cálculo indispensável para executar tarefas complexas, explicou Dylan Loh, professor adjunto da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.

"Evidentemente, é uma ferramenta-chave para atender à demanda insaciável de países e empresas que estão construindo suas ferramentas de IA", acrescentou Loh.

Inicialmente, a exportação desses chips sofisticados para a China estava sujeita a restrições dos Estados Unidos, sob a presidência de Joe Biden, por razões de segurança nacional. Posteriormente, Donald Trump adotou novas medidas restritivas, incluindo incentivos para a relocalização da produção.

Em abril passado, os dois fabricantes americanos de chips alertaram para as graves consequências financeiras dessas medidas. A Nvidia estimou em 5,5 bilhões de dólares (R$ 30 bilhões) o impacto dessas restrições sobre a empresa, enquanto a AMD previa que isso poderia reduzir seus resultados em cerca de 800 milhões de dólares (R$ 4,35 bilhões).

A Nvidia, assim como outras empresas americanas de chips, pressionou o governo americano para suspender essas restrições.

Essa iniciativa parece ter dado resultado, pois, em julho passado, a Nvidia anunciou ter obtido autorização de Washington para retomar a venda de seus chips H20 na China. Essa mudança de política "levantou questionamentos", afirmou Loh.

"Esses chips e muitos outros têm, por natureza, uso duplo, o que significa que podem ser utilizados (pelos chineses) para melhorar suas capacidades militares de várias maneiras", explicou.

Isso inclui o possível uso desses chips pelas próprias forças americanas em caso de conflito, destacou, por sua vez, Chong Ja Ian, professor associado da Universidade Nacional de Singapura.

Ao defender a mudança de política, o responsável pela área de IA do presidente Donald Trump, David Sacks, afirmou à CNBC que o H20 era um "chip obsoleto".

Ele também indicou que Washington revisou sua posição porque a rival chinesa da Nvidia, Huawei, estava fazendo "enormes avanços" e poderia ameaçar o domínio da Nvidia no mercado.

O acordo sobre a transferência de lucros é "sem precedentes", declarou, contudo, Chong.

Mesmo assim, nem todos os obstáculos desapareceram para os fabricantes americanos do setor: legisladores dos Estados Unidos propuseram obrigar a Nvidia e outros fabricantes de chips especializados em IA avançada a incluir recursos de geolocalização em seus produtos.

Por sua vez, Donald Trump exigiu a renúncia "imediata" do novo diretor da Intel, outro fabricante americano de chips, depois que um senador republicano manifestou preocupações sobre segurança nacional devido a seus vínculos com empresas na China.

Enquanto isso, a China tem buscado aumentar a autossuficiência na área de chips. A própria Nvidia enfrenta crescente desconfiança no gigante asiático, já que a mídia estatal classificou no domingo os chips H20 como "inseguros".

"A decisão do governo americano de permitir que a Nvidia exporte seu chip H20 para a China inevitavelmente gera preocupações", informou o Yuyuan Tantian, uma conta de rede social afiliada à televisão estatal CCTV.

"Não é um chip seguro para a China, não é avançado e não é ambientalmente correto", acrescentou essa mesma fonte em um artigo na plataforma WeChat.

Em julho, o principal órgão regulador da internet de Pequim convocou representantes da Nvidia para pedir explicações sobre o que considerava "graves problemas de segurança" relacionados aos chips H20.

A gigante americana assegurou de imediato que seus chips não continham nenhuma suposta "porta dos fundos" que permitisse controlá-los remotamente. (AFP)

O plano de Trump para a IA

A estratégia do governo dos Estados Unidos gira em torno de três pilares:

1 Centros de dados e fornecimento de energia

O primeiro deles visa a facilitar a construção de novos centros de dados (essenciais para o funcionamento da IA) e a realização de grandes projetos energéticos para atender às suas necessidades. O governo Trump deseja, especialmente, simplificar a concessão de licenças e autorizações para novas obras.

2 Diplomacia da IA

A segunda parte do plano se refere à "diplomacia da IA", nas palavras do assessor da Casa Branca David Sacks, e envolve a mobilização de dois braços financeiros do país para o comércio internacional — a Agência de Desenvolvimento e Financiamento dos Estados Unidos e o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos — com o objetivo de que apoiem as exportações de IA americana.

"Para vencer essa corrida, é necessário que os modelos americanos de IA sejam usados em todo o mundo", ressaltou na coletiva Michael Kratsios, diretor de Assuntos Científicos e Tecnológicos da Casa Branca.

Trump tornou uma prioridade a divulgação no exterior da tecnologia americana, e da IA em particular. "Em termos de tecnologia de IA, é fundamental que as empresas americanas possam ser competitivas", comentou um representante do lobby tecnológico CCIA, que elogiou a capacidade do plano de ação de "eliminar barreiras".

3 Ideologia

A terceira diretriz importante do programa busca responder ao que o presidente considera um "viés ideológico" da IA generativa. Também pretende proibir que serviços, ministérios e agências do seu governo adquiram softwares de IA generativa que sigam essa orientação.

Kratsios ressaltou que trata-se de "garantir que esses sistemas permitam a liberdade de expressão". Segundo um funcionário americano, "o principal" viés ideológico está relacionado, de acordo com a Casa Branca, às iniciativas que promovem a diversidade e inclusão de minorias.

Big techs e direito autoral

Gigantes da tecnologia, como OpenAI, Google e Meta, já demonstraram incômodo em relação ao avanço de regulação restritiva em diferentes países, incluindo a Europa, que aprovou legislação severa aos olhos dessas empresas.

No Brasil, o Marco da IA, que está em discussão na Câmara, sofreu pressões e alterações no Senado.

"A inteligência artificial é importante demais para ser sufocada em burocracia nesta fase inicial, seja no nível estadual ou federal", diz o documento de Washington.

As big techs também acreditam que têm o direito de usar obras protegidas por direitos autorais, como livros, filmes e arte, para treinar seus modelos. Segundo o jornal New York Times, a Meta pediu à Casa Branca que emitisse uma ordem executiva para "esclarecer que o uso de dados publicamente disponíveis para treinar modelos é inequivocamente justo".

O plano não faz menções à lei de direitos autorais, mas tudo aquilo que for considerado obstáculo deve entrar na mira do governo.

Amazon

A gigante americana de tecnologia Amazon fechou laboratório de pesquisa em IA em Xangai, informou fonte com conhecimento direto do assunto. Em captura de tela do aplicativo WeChat que circulou amplamente na rede social chinesa, Wang Minjie, cientista do laboratório, afirma que o encerramento das atividades se deve ao "alinhamento estratégico entre a China e os Estados Unidos"

Big techs

Empresas de tecnologia como Microsoft e IBM reduziram recentemente as equipes de pesquisa na China em meio à rivalidade e às tensões nessa área entre as duas maiores economias do mundo

Homem interage com robô na Conferência Mundial de Robôs 2025 em Pequim, China
Homem interage com robô na Conferência Mundial de Robôs 2025 em Pequim, China

Regras da UE sobre transparência de IA entram em vigor

Novas regras de transparência para modelos de inteligência artificial (IA) de uso geral, como o ChatGPT, da OpenAI, e o Gemini, do Google, entraram em vigor no início deste mês na União Europeia, conforme previsto em lei aprovada no ano passado pelo bloco para regulamentar o setor.

A medida abrange sistemas de IA que podem ser utilizados para fins diversos, como geração de textos e códigos ou análise de linguagem. Pelas novas regras, os desenvolvedores têm que explicar como seus modelos funcionam e quais dados foram usados para treiná-los — medida que, em parte, visa reforçar a proteção de direitos autorais, já que muitos profissionais e artistas do setor criativo reclamam que seus trabalhos estão sendo usados pelas ferramentas de IA.

Pelas regras da UE, modelos de IA mais avançados, cujo uso possa trazer riscos ao público, também são obrigados a informar sobre isso e documentar medidas de segurança. Quem infringir a lei estará sujeito a multas de até 15 milhões de euros, ou 3% do faturamento global anual.

Os desenvolvedores agora têm de informar de onde retiraram os dados usados para treinar a IA, e se eles foram obtidos mediante coleta automatizada de informações na internet — a chamada raspagem de dados. Outra obrigação é a de descrever as medidas adotadas para proteger a propriedade intelectual, e manter canais de contato para os detentores desses direitos.

Mas diversas associações que representam criadores, artistas e editoras não estão satisfeitas com a lei. Em nota, a iniciativa Urheberrecht, um grupo de defesa dos direitos autorais com sede na Alemanha, argumentou que as regras são inócuas se não há exigência de nomear
conjuntos de dados ou domínios específicos.

Embora indivíduos já possam, a partir de agora, processar provedores de IA com base na nova lei, a fiscalização por parte do Escritório Europeu de IA só começará mais tarde. O órgão supervisionará novos modelos a partir de agosto de 2026, e modelos lançados antes de 2 de agosto de 2025 serão analisados só a partir de agosto de 2027.

A Comissão Europeia também emitiu diretrizes voluntárias e um código de conduta para orientar sobre o cumprimento da lei. O Google anunciou que pretende aderir, mas alertou que a regulamentação pode sufocar a inovação no setor; já a Meta, dona do Facebook, recusou. (DW)

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