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Pelo menos 30 questionamentos sobre concursos no Ceará foram feitos pelo MPCE este ano
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Pelo menos 30 questionamentos sobre concursos no Ceará foram feitos pelo MPCE este ano

Entre recomendações, acordos extrajudiciais, ações judiciais e processos de diferentes naturezas, MPCE e TCE atuam para conter o uso recorrente de "vínculos precários"
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Concursos publicos, ou falta deles, são problemaem prefeituras (Foto: iStock / Drazen Zigic)
Foto: iStock / Drazen Zigic Concursos publicos, ou falta deles, são problemaem prefeituras

Quem se prepara para entrar no serviço público, muitas vezes, encontra portas fechadas não por falta de vagas, mas por ausência de editais. No Ceará, há caso em que o último concurso público ocorreu há mais de duas décadas. Em outras situações, os processos seletivos são substituídos por contratações temporárias, mesmo quando destinadas a funções permanentes. 

Entre recomendações, acordos extrajudiciais, ações judiciais e processos de diferentes naturezas, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e o Tribunal de Contas (TCE) atuam para conter o uso recorrente de "vínculos precários".

As inadequações ultrapassam o Poder Executivo municipal e esbarram no Legislativo das cidades. No primeiro semestre deste 2025, o O POVO constatou que pelos menos 30 iniciativas relativas a concursos públicos estiveram na mira do MPCE, sendo 24 ligadas a prefeituras e seis a câmaras. O dado, no entanto, pode ser maior.

“Essa demanda dos concursos públicos é recorrente e objeto de preocupação permanente de todos os promotores de Justiça que atuam no estado do Ceará”, afirma Daniel Lira, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público (Caodpp) do MPCE. Ele assegura que em quase todos os 184 municípios existe algum tipo de procedimento do órgão ministerial sobre o tema.

Entre os casos que chamam atenção está o da Câmara Municipal de Aracati, município no litoral leste do Ceará e distante 148 quilômetros de Fortaleza. O único concurso público nesse parlamento foi realizado há mais de 20 anos. Por isso, em março, foi firmado acordo tanto para realização de um certame como para implementação de ponto eletrônico.

Segundo o órgão ministerial, mais de 95% dos servidores da Casa ocupam cargos comissionados sem efetivo controle de ponto. O termo de ajustamento de conduta (TAC) estabeleceu que todos os atos administrativos, processos e contratos firmados pela Câmara deverão ser publicados no site oficial da Casa parlamentar.

Em Forquilha, a 214 quilômetros de Fortaleza, a recomendação do MPCE atingiu tanto Prefeitura quanto Câmara. No Executivo, o objetivo é concurso público para substituição de contratações temporárias. Em maio, a gestão municipal anunciou que seguirá a orientação. O último certame da cidade ocorreu em 2013.

Já no Legislativo, um TAC acordou o primeiro concurso da Câmara de Forquilha e a instalação de ponto eletrônico de frequência com biometria. O Parlamento nesse caso, como conta o órgão ministerial, não tem servidores efetivos e a aferição sobre a frequência dos trabalhadores é manual e não permite descontos ou perda de remuneração em caso de atraso ou ausência injustificada.

Em meio às fiscalizações do tema, também há casos de erros em provas. Em Araripe, a 543 quilômetros de Fortaleza, a Prefeitura anulou provas de processo seletivo para contratação de professores temporários do município devido à recomendação da Promotoria de Justiça da Comarca.

Conforme o MPCE, 80% das questões de português foram plagiadas. Situação que, de acordo com o órgão ministerial, fere os princípios de igualdade entre os candidatos.

Já em janeiro, o MPCE recomendou que a Prefeitura de Cedro anulasse edital de seleção simplificada para nutricionista e convocasse aprovados em concurso público. A Promotoria de Justiça da localidade identificou que o processo seletivo era irregular. Além disso, havia concurso em andamento com vaga de cadastro de reserva para nutricionista.

Embora o cenário preocupe, os resultados dessa fiscalização já surtem efeitos. Após acordo com MPCE, a Prefeitura de Brejo Santo, por exemplo, realizou concurso público para cargos efetivos. No TAC, foram estabelecidas 332 vagas imediatas e 601 para cadastro de reserva.

A iniciativa foi tomada após o órgão ministerial instaurar inquérito para apurar irregularidades na contratação temporária de agentes públicos pelo município. Foi constatado que as contratações ocorriam sem a realização de processo seletivo, o que, segundo o MP cearense, pode resultar em favorecimento político, nepotismo e corrupção no Executivo municipal.

No TAC, a prefeitura se comprometeu a rescindir os contratos de todos os servidores contratados temporariamente e com cargos comissionados em que os ocupantes não exerçam exclusivamente as funções de direção, chefia e assessoramento. Esses vagas devem ser ocupadas pelos aprovados no concurso público.

Como atuam MPCE e TCE

No âmbito do Ministério Público do Ceará (MPCE), a constatação de irregularidade é feita a partir de um diagnóstico local sobre a composição dos quadros de pessoal. Quando são detectadas, há uma espécie de negociação entre a comarca e o gestor responsável pelo município ou pelo parlamento. Em seguida, costuma ser emitida uma recomendação.

De acordo com o promotor Daniel Lira, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público (Caodpp), todo membro do MP é capacitado para esse diagnóstico inicial. "Ele tenta uma solução consensual para aquela situação e, a partir disso, geralmente expede uma recomendação, que é um documento que não tem caráter vinculante", explica.

Havendo disposição, pode ser firmado um termo de ajustamento de conduta (TAC). Quando esse caminho se esgota, o MPCE judicializa a questão. "Só quando nada disso funciona é que o Ministério Público vai ao poder Judiciário com as ações civis públicas", pondera Lira.

Ao O POVO, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) contou que incluiu no Plano Anual de Fiscalização para o biênio 2025-2026 ação específica voltada à verificação da regularidade dos "vínculos precários" tanto no âmbito estadual quanto no municipal, com ênfase em contratações temporárias e terceirizações.

Por nota, o tribunal explicou que um dos intuitos é avaliar "os reflexos" da ausência de concursos públicos no provimento de cargos permanentes. No controle externo, a Corte de Contas destaca o acompanhamento dessa questão por meio da análise dos dados encaminhados pelos jurisdicionados no Sistema de Informações Municipais (SIM).

A atuação pode resultar em alertas, recomendações, determinações e, quando cabíveis, comunicações ao MP. A fiscalização de concursos públicos, no âmbito do TCE, também tem sido objeto de decisões em processos de diferentes naturezas, como inspeção, prestação de contas, representação, denúncia e consultas formuladas por gestores públicos.

"O TCE Ceará mantém articulação permanente com o Ministério Público e incentiva o diálogo com entidades representativas da sociedade civil, visando ao fortalecimento da legalidade, da estabilidade no serviço público e da adequada gestão dos recursos humanos", informa.

 

O que as administrações argumentam para não fazer concursos

Questões orçamentárias são citadas por entidades representativas para explicar as motivações que afastam a realização de concursos públicos nas cidades cearenses. Assim como o Ministério Público do Ceará (MPCE), a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) não dispõe, no momento, de dados consolidados sobre a realização de certames.

A União dos Vereadores e Câmaras do Ceará (UVC), do mesmo jeito. Conforme Giordano Mota, advogado e contador consultor da UVC, o cenário não é analisado de maneira geral por causa da questão do custeio das câmaras. Ele indica que a maioria tem "orçamento limitado".

"Do ponto de vista de gestão pública, se é uma atividade meio e não precisa do concurso público, o posicionamento é que se poderia flexibilizar essas contratações através de processo seletivo ou terceirização em si. Mas, a orientação é que, naquelas atividades fins, que obrigatoriamente a câmara tem que ter pessoas concursadas, aí sim realizar os concursos".

Em relação às prefeituras, a Aprece destaca se tratar de uma prerrogativa de cada administração, que depende de análise específica da realidade local, especialmente no que diz respeito à responsabilidade fiscal.

"A entidade preza pela sustentabilidade das finanças públicas municipais e orienta os gestores a conduzirem, antes de qualquer edital de concurso, um estudo detalhado dos impactos econômicos e financeiros para a gestão, garantindo que a contratação de novos servidores seja compatível com a capacidade orçamentária e fiscal do ente", explica Joacy Júnior, presidente da Aprece.

A falta de uma cultura de realização de concurso público é outro fator. "A maioria dos cargos são de confiança e as câmaras não têm uma estrutura muito grande. Então, eles não têm, digamos, aquela 'necessidade' de estar fazendo concurso, até porque eles vão ter interesse — já que são cargos que eminentemente de confiança —, de colocar as pessoas da confiança deles, que é o que seria natural", desenvolve o consultor da UVC.

Giordano ainda menciona a ausência de uma cultura dos gestores para realização dos certames. Cenário que também é apontado pelo MPCE.

"Boa parte dos municípios, infelizmente, veem um concurso como algo muito custoso para administração pública. Eles preferem, do ponto de vista da flexibilidade, contratar por meio de contrato temporário. E isso é ilegal na imensa maioria das vezes. Existe uma cultura de aversão ao concurso público", diz o promotor Daniel Lira, coordenador do Caodpp.

A dificuldade, segundo ele, é esse entendimento de ser "dispendioso" para administração pública a médio e longo prazo. Contudo, Lira ressalta que a Constituição Federal não parte dessa premissa.

Joacyr, por sua vez, sinaliza que, apesar dos desafios fiscais enfrentados pelos municípios, especialmente os de menor porte, algumas prefeituras cearenses tem conseguido realizar concursos, fruto de planejamento e adequação das contas públicas.

"A entidade avalia positivamente esse movimento e entende que, com o devido equilíbrio fiscal e responsabilidade na gestão, há margem para que mais municípios avancem nessa direção nos próximos anos", analisa.

A Aprece informa oferecer suporte técnico "permanente" às gestões, com orientações relacionadas ao cumprimento da legislação e de recomendações dos órgãos de controle. A UVC também dispõe de atendimentos político, legislativo e contábil "diariamente".

Prejuízos da ausência de concursos públicos

A ausência de concursos públicos não apenas compromete a eficiência da administração, mas também mina a confiança da população nas regras do Estado democrático de direito. A avaliação é do coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público (Caodpp) do Ministério Público do Ceará (MPCE), promotor Daniel Lira.

"Vários são os problemas e prejuízos que essa situação pode causar. Primeiro, é a sensação na população de que alguns merecem mais do que os outros, sem um critério objetivo", afirma. Nesse sentido, quando não há seleção por concurso, abre-se espaço para indicações e favorecimentos incompatíveis com o "parâmetro republicano".

"O cidadão tem o direito de saber quais são as regras de ingresso do serviço público para que, caso queira ser servidor público, participar em condições de igualdade com outras pessoas a fim de que não haja privilégio por outros critérios que não de merecimento".

O coordenador do Caodpp ressalta que o concurso, mesmo com falhas, é o mecanismo idealizado pela Constituição para garantir isonomia e qualificação no acesso ao serviço público. "Embora tenha alguns problemas, ele foi a solução que a Constituição encontrou para garantir essa equidade".

Ele destaca que, na prática, a ausência de concursos pode resultar em contratações sem critérios mínimos de qualificação. "Você pode ter servidores nomeados que têm muito mais qualificação do que um servidor concursado, mas nós podemos dizer que, em linhas gerais, acaba-se não tendo um critério mínimo objetivo para dizer se aquela pessoa tem capacidade ou reúne competências e habilidades mínimas para prestar um serviço público na ponta".

Outro prejuízo é o impacto na continuidade do serviço público. "A administração investe nesse servidor temporário. Ele é qualificado, às vezes, dentro da administração, incorpora a experiência, a rotina administrativa, e quando muda a gestão, ele muda. E aí, a gestão recomeça do zero com outro servidor nessa condição".

Em contrapartida, desenvolve Lira, um servidor efetivo do quadro tem minimamente uma garantia de continuidade. O promotor alerta para riscos como interferência política, nepotismo, servidores fantasmas. Situações que, como pondera, por vezes andam alinhadas com práticas que não prestigiam concurso público.

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