A Polícia Federal (PF) indiciou nesta quarta-feira, 20, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso de processo e abolição do Estado Democrático de Direito ao tentar interferir no julgamento da ação penal do golpe, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). O relatório da PF que descreve os indícios de crimes cometidos pelo ex-presidente e o filho foi enviado ao gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Em seu despacho, Moraes determinou a aplicação de medidas restritivas contra o pastor Silas Malafaia, alvo de busca e apreensão e de retenção de passaporte.
"Com base nos elementos probatórios apresentados neste relatório, conclui-se que EDUARDO NANTES BOLSONARO e JAIR MESSIAS BOLSONARO, com a participação de PAULO FIGUEIREDO e SILAS LIMA MALAFAIA, encontram-se associados ao mesmo contexto, praticando condutas com o objetivo de interferir no curso da Ação Penal n. 2668 - STF, processo no qual o segundo nominado consta formalmente como réu", escreveram os os delegados Leandro Almada, Rafael Caldeira e Itawan Pereira no relatório de 170 páginas.
No material que instrui o inquérito que tramita no Supremo sobre a tentativa de coação de integrantes da Corte para evitar o julgamento da ação penal do golpe, há conversas de áudio extraídas do celular de Bolsonaro e nas quais ele afirma ao filho Eduardo que mantém diálogo com ministros da Corte.
Segundo o relatório da PF, no dia 27 de junho o ex-presidente disse a Eduardo: "Esqueça qualquer crítica ao Gilmar", em possível menção ao ministro Gilmar Mendes. Bolsonaro então afirma que tem "conversado com alguns do STF" e que "todos ou quase todos demonstram preocupação com sanções", referindo-se às medidas que viriam a ser adotadas pelos EUA contra o Brasil. Nas mensagens, o ex-presidente não especifica com quais ministros teria conversado.
As mensagens obtidas pela PF no celular do ex-presidente mostram também Eduardo xingando o pai e criticando gestos feitos por Bolsonaro ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Na visão do deputado federal, as declarações de Bolsonaro em apoio a Tarcísio poderiam atrapalhar o trabalho feito por ele e pelo comunicador Paulo Figueiredo perante o governo Donald Trump para sancionar autoridades brasileiras na tentativa de salvar o ex-presidente de uma eventual condenação por tentativa de golpe.
Tarcísio é cotado para ocupar uma candidatura no campo bolsonarista na eleição presidencial de 2026, mas o filho do ex-presidente também quer a bênção do pai para se candidatar.
Em uma das mensagens mais fortes, segundo a PF, Eduardo escreve a Bolsonaro no dia 15 de julho: "Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando em dar uma porrada nele, para ver se vc (sic) aprender. VTNC SEU INGRATO DO C......".
Na entrevista citada, Bolsonaro diz que falou com o filho para interromper os ataques a Tarcísio, mas que, apesar de Eduardo ter 40 anos "ele não é tão maduro, talhado para a política".
"Me f…… aqui! Vc (sic) ainda te ajuda a se f…. aí! Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC (sic) ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f…. é vc (sic) e VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA NESTA P…. AQUI. TENHA RESPONSABILIDADE!", continua Eduardo Bolsonaro, segundo o documento da PF.
Horas depois, já na madrugada do dia 16, o deputado federal pede desculpas ao pai. "Desculpa. Peguei pesado. Estava p… na hora", diz ele na mensagem enviada a Bolsonaro.
No dia 24 de junho, Bolsonaro manda uma notícia de uma pesquisa eleitoral para Eduardo Bolsonaro. O levantamento aponta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perderia para o próprio Bolsonaro, Tarcísio e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. "Você perde para o molusco. Vagão 39,1 x 41,6 Lula", escreve o ex-presidente para o filho, que responde com ironias.
O governador de São Paulo foi procurado por meio da assessoria de imprensa, mas não se manifestou até às 22h de ontem. Eduardo Bolsonaro publicou uma nota nas redes sociais na qual afirma que sua atuação nos Estados Unidos "jamais teve como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil".
"É lamentável e vergonhoso ver a Polícia Federal tratar como crime o vazamento de conversas privadas, absolutamente normais, entre pai e filho e seus aliados. O objetivo é evidente: não se trata de justiça, mas de provocar desgaste político", defendeu.
A defesa de Bolsonaro não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
PF encontra rascunho de pedido de asilo na Argentina
No relatório, a Polícia Federal relata que encontrou no celular do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) uma minuta de pedido de asilo político na Argentina. Para os investigadores, se trata de um indício de que Bolsonaro planejou uma fuga para o país vizinho.
Conforme a investigação, a minuta, com pedido de asilo político na Argentina, foi produzida após a deflagração da operação relacionada ao inquérito sobre o plano de golpe de Estado, que resultou na ação penal na qual Bolsonaro é réu no Supremo.
De acordo com a PF, o arquivo foi editado pela última vez em fevereiro de 2024. No documento, endereçado ao presidente argentino, Javier Milei, Bolsonaro afirma que é "um perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos".
Cerca de dois meses antes da última edição deste documento, em 5 de dezembro de 2023, o ex-presidente informou a Moraes que iria viajar para a Argentina nos dias 07 a 11 de dezembro. Segundo a defesa de Bolsonaro, o aviso ocorreu devido às diversas investigações nas quais o ex-presidente era alvo.
"Os elementos informativos encontrados indicam, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha em sua posse documento que viabilizaria sua evasão do Brasil em direção à República Argentina, notadamente após a deflagração de investigação pela PF com a identificação de materialidade e autoridade delitiva quanto aos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito por organização criminosa", diz o relatório. (AE)
Malafaia é alvo de operação e tem passaporte apreendido
A Polícia Federal cumpriu na noite de ontem mandado de busca pessoal e de busca e apreensão contra o líder religioso Silas Malafaia, no Aeroporto do Galeão, no Rio. Foram executadas ainda medidas cautelares, incluindo a entrega de passaportes e a proibição de deixar o País e de manter contato com outros investigados. Um celular foi apreendido.
Malafaia entrou na mira da investigação após diálogos encontrados no celular de Jair Bolsonaro (PL) nos quais o pastor orienta o ex-presidente a incentivar manifestações de rua e disparar mensagens por WhatsApp.
"Silas Malafaia evidencia que a real intenção dos atos praticados pelos investigados é coagir as autoridades brasileiras para obter uma anistia e impunidade nas ações penais em curso, sendo tais medidas a única saída para reverter as sanções impostas pelos Estados Unidos", registra o relatório da PF.
O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo convocou apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro a "dar uma resposta" no 7 de Setembro. Ele também pediu a prisão de Moraes. "Alexandre de Moraes tem que tomar impeachment, ser julgado e preso", disse, em entrevista coletiva ainda no aeroporto. (AE)
Moraes dá 48 horas para Bolsonaro explicar descumprimento de medidas
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 48 horas para a defesa de Jair Bolsonaro prestar esclarecimentos sobre os descumprimento de medidas cautelares, incluindo indícios de fuga.
Na decisão, Moraes diz que o relatório da PF demonstrou diversas tentativas de burlar as medidas cautelares que impediam o contato com investigados na trama golpista e de acesso às redes sociais, incluindo os perfis de terceiros.
Além disso, o ministro citou o contato feito pelo general Braga Netto após ser proibido de falar com Bolsonaro e trocas de mensagens entre o ex-presidente e seus aliados para passar orientações para publicação de postagens nas redes sociais.
"Diante do exposto. Intime-se a defesa de Jair Bolsonaro para que, no prazo de 48 horas, preste esclarecimentos sobre os reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas", decidiu o ministro.
Após receber o relatório de indiciamento, Moraes enviou o caso para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Caberá ao órgão decidir se Bolsonaro e Eduardo serão denunciados ao STF. (AB)