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Três anos e meio de guerra na Ucrânia
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Três anos e meio de guerra na Ucrânia

| CONFLITO | Mobilizados por Trump, os encontros já promovidos e as reuniões prometidas tentam fortalecer a imagem dele como mediador, mas não há sinais concretos de um fim próximo, enquanto desgastes militar e diplomático adensam a guerra
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Funcionários do hospital lamentam em frente a um memorial improvisado com retratos das vítimas expostos nas ruínas de um dos prédios médicos do hospital infantil Okhmatdyt, destruído por uma explosão de foguete, em Kiev, em 12 de julho de 2024, em meio à invasão russa na Ucrânia (Foto: Anatolii STEPANOV / AFP)
Foto: Anatolii STEPANOV / AFP Funcionários do hospital lamentam em frente a um memorial improvisado com retratos das vítimas expostos nas ruínas de um dos prédios médicos do hospital infantil Okhmatdyt, destruído por uma explosão de foguete, em Kiev, em 12 de julho de 2024, em meio à invasão russa na Ucrânia

Neste domingo, 24, a guerra da Ucrânia completa três anos e meio. Apesar da duração e do alto custo humano, o cenário de paz permanece distante. Em fevereiro de 2022, a Rússia iniciou a invasão em larga escala em solo ucraninado e hoje ocupa militarmente um quinto do território. Ainda naquele ano, Vladimir Putin anunciou a anexação de quatro regiões da Ucrância: Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia.

Kiev tem intensificado ataques dentro da própria Rússia, alegando que o objetivo é comprometer a infraestrutura militar usada por Moscou. Em resposta, o governo Putin ampliou as ofensivas aéreas, com uso de drones.

Embora ambos os lados insistam que não miram civis, o conflito já provocou milhares de mortes, a maioria entre ucranianos. Há também a estimativa de dezenas de milhares de soldados mortos em combate, embora nem Rússia nem Ucrânia divulguem números oficiais. Segundo os Estados Unidos, cerca de 1,2 milhão de pessoas foram mortas ou feridas desde o início da guerra.

O conflito voltou ao centro do debate internacional após uma série de reuniões promovidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nas últimas semanas. Primeiro, ele se encontrou com Vladimir Putin, no Alasca, e depois recebeu Volodymyr Zelensky na Casa Branca, em Washington. Essa reunião contou também com líderes de França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Finlândia, em apoio à Ucrânia.

O republicano anunciou a intenção de promover novos encontros bilaterais e até trilaterais em nome de uma “abertura para a paz”. Especialistas ouvidos pelo O POVO, no entanto, consideram que esses movimentos têm mais valor político do que prático.

“São encontros que misturam diplomacia simbólica e cálculo político. A retórica da paz costuma ser instrumentalizada para ganhos eleitorais ou geopolíticos. A abertura existe, mas está subordinada ao cálculo de imagem e influência. Em essência, são gestos que escondem mais do que revelam”, analisa Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

Mobilizados por Trump, os encontros já promovidos e as reuniões prometidas tentam fortalecer a imagem dele como mediador, mas não há sinais concretos de um fim próximo, enquanto desgastes militar e diplomático adensam a guerra.

"Uma vitória diplomática serviria para o consumo interno: mostrar para quem o elegeu que ele é capaz de usar a sua alegada habilidade como negociador", contextualiza Tito Lívio Barcellos Pereira, geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas.

Apesar dessa movimentação, não há sinais de que a guerra esteja perto do fim. Para Feijó, que também é professor da Faculdade Arnaldo Janssen, ainda que as conversas abram caminhos, as chances de um acordo imediato são baixas. "Falar em paz é mais fácil do que efetivamente construí-la", resume.

O principal entrave consiste na possível entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que pesa nas negociações para a Rússia, encarando-a como grave ameaça. "Pelo direito internacional, a adesão é soberana, mas há espaço para flexibilização", avalia Feijó.

Segundo ele, uma solução "intermediária" poderia ser a "neutralidade armada" ou garantias multilaterais de proteção à Ucrânia sem adesão plena. "Ainda há espaço de flexibilização, mas apenas se mediadores confiáveis surgirem fora do eixo tradicional ocidental. Fala-se em flexibilização, mas só haverá margem real se potências ocidentais reconhecerem que a segurança europeia não pode ser construída contra a Rússia”.

Já Luiz Philipe de Oliveira, doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e professor na Universidade São Judas, diz não acreditar em flexibilização. “O Putin não vai abrir mão de jeito nenhum sobre isso. É capaz de ele preferir devolver território do que permitir que mísseis nucleares estratégicos sejam colocados na fronteira da Rússia”, compreende.

Por que demora tanto?

A Ucrânia é o segundo maior país da Europa. A Rússia é o maior. O continente apoia os ucranianos, mas a solidariedade se trata também de preocupação com o o próprio bloco europeu. O receio é de que eventuais concessões a Moscou sirvam de precedente e estimulem novas investidas de Vladimir Putin.

"A Europa continua do lado da Ucrânia, continua dando suporte, e vai continuar, porque tem medo de que se a Rússia sair totalmente vitoriosa, pode expandir esse intervencionismo para outros países europeus", explica Luiz Philipe de Oliveira, doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP).

O geógrafo e dourando Tito Lívio Barcellos Pereira, do Grupo de Estudos em Conflitos Internacionais (Geci) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda, mas pondera que a união já não é tão sólida quanto nos primeiros meses da guerra. "Essa coesão ainda existe pelo menos entre os principais membros do bloco europeu. Entretanto, ela já foi maior no começo do conflito".

Se os Estados Unidos oscilam entre gestos meramente simbólicos, a Europa vive na encruzilhada. O bloco mantém apoio à Ucrânia, mas sofre impactos econômicos e sociais diretos. É ao continente que chegam os refugiados e onde cresce o temor de que a ofensiva russa avance além das fronteiras ucranianas.

Fatores militares, como ocupação de territórios; políticos, sobre soberania e orgulho nacional, e os interesses internacionais de EUA, Europa e integrantes da Otan também dificultam o encerramento da guerra.

"Ninguém quer também ter um problema grave com a Rússia, até porque boa parte do gás natural e outros recursos como petróleo, fertilizantes, atendem países da Ásia, inclusive os próprios Estados Unidos compram petróleo russo. Essa soma e o não desejo de enfrentamento ao poderio russo, principalmente, acabam impactando bastante o problema de chegar a um acordo, porque sempre que bate num interesse russo fundamental, você trava negociações como aconteceram na reunião da Alasca, onde nada foi decidido", complementa Oliveira.

Já Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional pela PUC-Minas, explica que a Europa pressionou por acordo de paz, mas de modo fragmentado, "dividida entre cansaço econômico e a necessidade de manter firmeza".

"A Europa deve permanecer no lado da defesa da soberania ucraniana, conforme o direito internacional, mas buscar flexibilização para evitar isolamento global. A Europa apresenta coesão formal, mas internamente está profundamente dividida. O dilema europeu é escolher entre sustentar uma guerra de desgaste ou assumir um papel de mediadora imparcial".

Oliveira menciona que há "muito mais" uma União Europeia preocupada em resolver do que os Estados Unidos, "razoavelmente distantes". "Essa ambiguidade do Trump de ficar entre a admiração que tem pelo Putin e o que ele deveria fazer, que é apoio financeiro-militar para defesa da Ucrânia, deixa esse caminho para a paz, esse caminho da negociação num ritmo mais lento".

Tito resume: "Todos querem a paz. Putin quer a paz, Zelensky quer a paz, Washington quer a paz. Mas a paz firmada por quem? A paz de qual vencedor?" 

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