A influência de organizações criminosas nas eleições, explícita em 2024, acendeu alerta para a Justiça Eleitoral. No projeto do novo Código, casos assim estão na mira da legislação.
Raquel Machado, professora de Direito Eleitoral, explica que o projeto “busca responder a esse fenômeno com um conjunto de medidas normativas que atuam em três frentes: inelegibilidades, repressão penal e vedação à atuação partidária armada”.
No Ceará, o caso emblemático de Santa Quitéria, município distante 223,46 km de Fortaleza, foi julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Na sessão de 1º de julho, a Corte decidiu por manter a cassação do prefeito eleito José Braga Barrozo, conhecido como Braguinha (PSB), e seu vice, Francisco Gardel Mesquita, o Gardel Padeiro (Progressistas).
A chapa foi alvo de pedido de cassação pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) por abuso de poder político e econômico ao se envolver com integrantes de uma facção criminosa com o objetivo de influenciar o voto dos eleitores e violar a normalidade e legitimidade do último pleito.
No texto que tramita no Senado Federal, “o novo Código estabelece, no art. 180, inciso V, alínea j, uma nova hipótese de inelegibilidade para quem for condenado, em decisão transitada em julgado ou por órgão colegiado, por crime praticado no contexto de atuação em organização criminosa ou associação criminosa, nos termos da lei penal”, detalha a professora.
A docente esclarece que essa previsão dialoga com o que já vinha sendo reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O novo Código também tipifica condutas penais voltadas especificamente à repressão da violência política e que pode se relacionar com a atividade praticada por milícias e facções.
“Em março de 2025, o Tribunal consolidou a tese de que pessoas integrantes de grupos paramilitares ou de organizações criminosas não podem concorrer a cargos eletivos, mesmo sem condenação transitada em julgado, quando houver demonstração de vínculo com estruturas que exercem poder paralelo, intimidação social ou controle territorial, violando os princípios da soberania popular e da normalidade das eleições”, informa.
No texto, “é vedado aos partidos políticos ministrar instrução militar ou paramilitar, utilizar-se de organização da mesma natureza ou adotar uniforme para seus membros”. A manutenção de uma organização paramilitar, em que indivíduos ou grupos utilizam de táticas militares ou armas, mas sem fazer parte das forças de segurança oficiais, pode levar à extinção do registro de um partido diante do TSE.
A professora reforça que essa norma visa impedir que partidos se associem, formal ou informalmente, a grupos armados ou milicianos. Dessa forma, preserva-se a institucionalidade da representação política e evita a militarização de disputas eleitorais.
Raquel Machado destaca, no texto do projeto, o artigo 888. “Trata do crime de extorsão eleitoral, punindo o ato de constranger alguém, com violência ou grave ameaça, com o objetivo de obter voto ou abstenção em favor de determinado candidato ou partido”.
Além do artigo 889, que “trata do constrangimento ilegal eleitoral, penalizando quem, com violência ou ameaça, obriga candidatos, apoiadores ou lideranças partidárias a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que ela permite, interferindo assim no livre exercício dos direitos políticos”.
“Esses dispositivos são particularmente relevantes em contextos de coação territorializada, como ocorre em áreas dominadas por facções, onde a escolha eleitoral livre é substituída pelo medo e pelo controle armado”, complementa.
A docente reconhece que o novo Código avança ao reconhecer, normativamente, a ameaça que são as organizações criminosas para o processo democrático. “Ao articular inelegibilidades, tipos penais específicos e a vedação a práticas paramilitares no âmbito partidário, o texto propõe um marco legal mais robusto para proteger a liberdade do voto, a legitimidade do pleito e a soberania popular, especialmente em contextos de vulnerabilidade social e insegurança pública”.
Por outro lado, “a efetividade dessas normas dependerá da atuação articulada entre Justiça Eleitoral, Ministério Público, órgãos de segurança pública e instituições locais, uma vez que a presença de facções envolve não apenas o Direito Eleitoral, mas também questões de segurança, desigualdade e ausência do Estado”, alerta Raquel Machado.