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Como a decisão afeta os rumos da política
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Como a decisão afeta os rumos da política

Sete anos depois, Judiciário volta a julgar um ex-presidente da República. Três generais e um almirante também são réus no julgamento decisivo para a direita, para a esquerda e para o próprio STF
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Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, é réu no Supremo Tribunal Federal (STF)  (Foto: Lula Marques/Agência Brasil )
Foto: Lula Marques/Agência Brasil Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, é réu no Supremo Tribunal Federal (STF)

Há 13 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgava um dos maiores escândalos políticos do País, no caso popularmente conhecido como mensalão, que já havia tido enorme impacto sobre os mandatos anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ficou marcado por ser o julgamento mais longo da história da Corte. Quatro anos depois, o petista, fora do poder desde 2011, estaria no foco de outro processo, que terminaria na ordem de prisão expedida pelo então juiz Sérgio Moro. Os dois julgamentos são marcados pela relevância política e considerados como os de maior importância política até então.

Agora, o STF está diante de um caso tão relevante quanto aqueles. O tribunal se prepara para julgar pela primeira vez uma tentativa de golpe de Estado, que tem como peça chave um ex-presidente da República e inclui entre os réus três generais e um almirante. Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados são acusados de uma trama golpista desenvolvida com o objetivo de reverter o resultado das eleições de 2022. Diante de um cenário que abrange o avanço do bolsonarismo no Brasil, os atos do 8 de janeiro e a luta pela democracia, o que está em jogo em um dos processos que podem definir o futuro da política brasileira.

Os réus respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Com exceção de Ramagem, que é deputado federal e responde a três dos cinco crimes, que teriam ocorrido antes da sua diplomação.

A Procuradoria Geral de República (PGR) pede a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, em penas que podem ultrapassar 40 anos de prisão, por considerar que ele teria sido o líder da organização criminosa.

Seja resultando em condenação ou absolvição dos réus, o processo carrega importante peso para o cenário político brasileiro, com impacto para direita, o centrão, a esquerdaeo próprio STF.

A doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Paula Vieira, considera o cenário delicado, não só pela presença do antecessor do atual presidente, mas também por envolver as Forças Armadas, as manifestações de apoiadores de Bolsonaro e a atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL) nos Estados Unidos.

"A gente tem um peso político muito grande, porque é um ex-presidente. Tem as articulações que foram feitas com as Forças Armadas. Existem as manifestações de rua que são a favor desse ex-presidente. Embora esteja diminuindo o grupo, ainda tem aliados fiéis. Aliados que ainda apoiam e reforçam um discurso de perseguição, que é o que eles estão buscando imprimir, embora com muita dificuldade, porque temos aí vários fatores. Então, isso começa a gerar animosidades mais do que necessariamente apoios", explicou.

O impacto de uma possível condenação para o ex-presidente inegavelmente afetaria o clã Bolsonaro. Para Paula Vieira, há a chance de que todos sejam investigados.

"São muitos fatores que estão chegando aos apoiadores e isso desanima algum apoio mais concreto ao Bolsonaro. A família toda está envolvida e a família toda vai acabar, em alguma medida, sendo objeto de investigação. Exatamente por cada um ter uma participação diferente dentro desse processo, mas que, de alguma forma, acaba contribuindo para uma ideia de tentativa de golpe".

O cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, também avalia a possibilidade de uma decisão negativa para o ex-presidente enfraquecer o clã Bolsonaro.

"Se condenado, ele vai amargar um bom tempo em prisão, seja domiciliar, seja prisão em regime fechado, o que dificulta especialmente o exercício da liderança política. Nesta condição, para a família Bolsonaro tem dois aspectos. O primeiro vai reforçar a perseguição que eles colocam como narrativa, mas, em um outro campo, enfraquece muito o clã Bolsonaro, porque se sabe que o Jair desde sempre foi o grande articulador, inserindo paulatinamente os seus filhos na política, ex-mulheres, enfim. Então, tudo isso faz parte de uma grande orquestração familiar com vistas à conquista, à manutenção e à ampliação do poder", considerou.

Qual o peso do julgamento no STF para direita, centrão e esquerda

Apesar de afetar a imagem de um dos maiores líderes, Paula Vieira destaca que a direita não deverá sair enfraquecida desse processo. A ala segue sendo maioria no Congresso Nacional e mantém apoio popular.

"A gente ainda não tem nenhum indício de que isso está em queda. O desgaste é à figura do Bolsonaro, é à família Bolsonaro, mas não aos valores que movimentam as ideias da direita. É por isso que a direita não sai enfraquecida nesse cenário. A direita vai apenas buscando colocar uma nova liderança no meio desse processo. Talvez até realmente em um afastamento da figura do Bolsonaro", disse.

Paula explica que os apoiadores fiéis permanecem ao lado do ex-presidente, porém enxerga o uso de novas estratégias e busca por outros nomes para seguir a mesma agenda. Além do atual governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos), cotado para a próxima corrida presidencial, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, presidente do PL Mulher, é apontada como pré-candidata ao Senado. "O projeto do PL vai funcionar com ou sem o Bolsonaro", avaliou.

Pela característica "camaleônica", o centrão também não sairia tão afetado pelo resultado do julgamento.

"Muitos membros do Centrão já começam a pensar no dia seguinte do julgamento de Bolsonaro. Eles vão se encaminhar para outras figuras. O centrão não afunda com nenhum político. Ao primeiro sinal de água entrando no navio, o centrão sai do navio tranquilamente, porque sempre foi assim. E esses elementos fisiológicos e pragmáticos demonstram que continuarão sendo pelo menos em 2026", pontuou Rodrigo Prando.

As recentes movimentações e discussões sobre possíveis nomes para as eleições têm incomodado filhos de Bolsonaro, que chegaram a falar em oportunismo.

Prando ainda analisa os dois cenários de desfechos do julgamento. Um deles é o de Bolsonaro inocentado. Mesmo com as duas condenações de inelegibilidade do ex-presidente, o cientista político o avalia como um líder capaz de mostrar força, seja nas ruas, no discurso ou nas redes sociais, indicando algum candidato. Já com uma possível condenação, há a possibilidade de uma direita dividida e em busca de um nome em consenso.

"Se esse nome não aparecer, pode ocorrer uma fragmentação no campo da direita, diminuindo a força da direita ou da extrema direita. A direita tem muitos candidatos, o que não é tão bom, mas o PT tem um único candidato desde já, que é o Lula. Se o Lula, por algum motivo, não puder concorrer muda muito substancialmente o tabuleiro político de 2026".

Já para a esquerda, a pauta do julgamento de Bolsonaro não necessariamente significa uma vitória. Paula Vieira pontua que a ala não é maioria no Congresso e vem desalinhada com as demandas da população.

Impacto também para o STF

Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará (UFC) Emetério Neto, o julgamento pode trazer reflexos ao STF na perspectiva política. Ele menciona a existência de PECs e projetos de lei ordinária que tramitam no Congresso Nacional buscando restringir e revogar decisões do Supremo. Além disso, há pedidos de impeachment contra ministros da Corte, podendo avançar a depender da composição do Senado após as eleições.

O processo contra Bolsonaro traz, inclusive, algumas críticas de procedimento. Neto explica que parte delas questiona se todos os casos realmente deveriam ser julgados na Corte. Outro ponto debatido é a presença do ministro Alexandre de Moraes na relatoria de diferentes inquéritos. "Do meu ponto de vista e de muitos outros juristas, não deveria o ministro Alexandre de Moraes ser o relator de todos esses inquéritos. Isso não está correto". No entanto, o advogado criminalista destaca que todos esses pontos já foram levantados e permitidos pelo STF.

Apesar das críticas e da pressão em relação ao julgamento, o advogado criminalista enfatiza que o processo da Corte representa uma mensagem forte em defesa da democracia.

"Esse julgamento é um marco no sentido de que a tentativa de abolição do Estado democrático de direito não foi levada adiante, porque o Supremo esteve atento a todos esses movimentos dos golpistas. Então, passa uma mensagem de que a democracia do Brasil está firme, forte, vigorosa e muito por força da atuação do Supremo Tribunal Federal", afirmou Emetério Neto.

 

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