O julgamento histórico que definirá o futuro de Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus terá início nesta terça-feira, 2. Pela primeira vez, um ex-presidente e militares de alta patente respondem criminalmente por uma tentativa de ruptura democrática no Brasil.
Além do ex-presidente, sete acusados integram o chamado núcleo crucial: o deputado federal Alexandre Ramagem, o delator, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, o general do exército Paulo Sérgio Nogueira e o general Walter Braga Netto.
Os acusados respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Ramagem é deputado federal e responde a três dos cinco crimes, que teriam ocorrido antes da sua diplomação.
Os réus não são obrigados a comparecer ao julgamento e a expectativa é de que a maioria acompanhe o processo de forma remota. Um dos advogados da defesa de Bolsonaro confirmou a ausência do ex-presidente no STF.
A Procuradoria Geral de República (PGR) pede a condenação do ex-presidente, em penas que podem ultrapassar 40 anos de prisão, por considerar que ele teria sido o líder da organização criminosa.
A PGR aponta para os primeiros indícios de um plano golpista em 2021, com uma campanha de desinformação de Bolsonaro, destinada a disseminar suspeitas de fraude nas eleições presidenciais de 2022 para "manter o ambiente propício à intervenção militar".
Segundo as investigações, durante uma reunião ministerial anterior às eleições, Bolsonaro insinuou que a oposição havia 'preparado tudo' para que seu adversário, Lula, vencesse no primeiro turno mediante fraude.
Posteriormente, o então presidente reiterou os ataques ao sistema eletrônico de votação durante um encontro com embaixadores. Na interpretação da PGR, "preparava-se a comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas eleições de outubro". Por estes atos, Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo declarações de seu ex-ajudante-de-ordens, Mauro Cid, em delação premiada, Bolsonaro recebeu e fez ajustes em uma minuta de decreto que previa a decretação de estado de sítio, a prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para convocar novas eleições.
O procurador-geral Paulo Gonet levou em conta ainda os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes em protesto que pedia intervenção militar para retirar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do poder.
Para Gonet, além de ter disseminado informações falsas sobre a legitimidade das urnas eletrônicas, Bolsonaro teria incentivado os protestos e a concentração de bolsonaristas no QG do Exército após o resultado das eleições de 2022.
Outro ponto relevante para a denúncia da PGR é o plano denominado Punhal Verde e Amarelo, que planejava os assassinatos de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSDB) e do ministro Alexandre de Moraes. O documento apresentado pela Procuradoria cita que o plano teria sido impresso no Palácio do Planalto e destaca a "ciência e anuência" de Bolsonaro.
A Primeira Turma responsável por julgar a ação penal inclui cinco ministros, que votarão nesta ordem: Alexandre de Moraes, relator do caso e o primeiro a votar, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Os ministros, além de analisar o mérito do caso, em caso de condenação, vão avaliar o dosimetria, ou seja, o tempo das penas. A prisão não é imediata. Independentemente do resultado do julgamento - condenação ou absolvição -, ainda será possível recorrer ao próprio Supremo. A defesa pode apresentar embargos de declaração, com pedidos de esclarecimentos sobre a decisão. No caso de dois votos pela absolvição, os advogados podem recorrer aos embargos infringentes para tentar uma reavaliação do entendimento da Corte.
Julgamento sob pressão e com impacto político
A pouco mais de um ano das eleições presidenciais, a direita encontra-se em uma encruzilhada pela possível condenação por tentativa de golpe do seu líder, Jair Bolsonaro. Mesmo que se livrasse de uma condenação, Bolsonaro ainda teria que reverter sua inelegibilidade até 2030, imposta pela Justiça por desinformação eleitoral.
No seio da direita moderada, já começaram a surgir nomes para concorrer nas eleições de 2026. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) avançou casas para se apresentar como a alternativa na direita.
O julgamento acontece sob os olhos da comunidade internacionalmente. Entre os atores econômicos, teme-se que a condenação de Bolsonaro estimule o governo de Donald Trump a aplicar novas sanções contra o Brasil. O presidente americano usou a ação penal como argumento para impor um tarifaço de 50% aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, além de medidas de retaliação a Alexandre de Moraes e outros ministros da Corte.
Moraes virou alvo do governo dos Estados Unidos e foi atingido pela Lei Magnitsky - dispositivo da legislação americana que permite que os EUA imponham sanções econômicas a autoridades estrangeiras.
O julgamento foi, ontem, destaque no jornal The Washington Post. O processo já tinha sido destaque em outros veículos como a revista The Economist e o jornal The New York Times. (Agência Estado e AFP)