No início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes deu recados em defesa das instituições e da soberania. Ele afirmou que a conclamada pacificação, defendida pelos partidários de uma anistia, não pode ser alcançada a partir da impunidade.
"Impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil, só aparentemente, que é o da impunidade, deixa cicatrizes traumáticas para a sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente do Brasil demonstra. A pacificação do País depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do respeito às instituições", argumentou.
O ministro lamentou que, no curso da ação penal 2668, sobre tentativa de golpe de Estado, tenham sido constatadas condutas "dolosas e conscientes" de uma "verdadeira organização criminosa", que de uma maneira inédita passou a "agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o poder Judiciário e, em em especial esse STF, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro".
Ele garantiu, no entanto, que essas tentativas de coação "não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes desse STF". Ele reforçou que nenhuma corte no mundo dá tanta publicidade e transparência aos atos como o STF.
O ministro fez ainda a defesa da soberania nacional. "A coragem institucional e a defesa da soberania nacional fazem parte do universo republicano dos membros dessa Suprema Corte, que não aceitará coações ou obstruções no exercício de sua missão constitucional conferida soberanamente pelo povo brasileiro por meio de sua Assembleia Nacional Constituinte".
Ele acrescentou: "A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida, pois é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, expressamente previsto na Constituição Federal", afirmou.
Em uma citação indireta às tentativas externas de pressionar a corte, especialmente por parte do governo Donald Trump, dos Estados Unidos, Moraes destacou que não faltará à Corte coragem para repudiar tais atos.
"É um princípio inflexível da Constituição brasileira a independência do Poder Judiciário em defesa do País e a história desse STF demonstra que jamais faltou, ou jamais faltará coragem aos seus membros para repudiar as agressões contra os inimigos da soberania nacional, da democracia, do Estado de direito ou da independência do Poder Judiciário".
A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Bolsonaro, de 70 anos, de ter liderado uma "organização criminosa armada" que conspirou para tentar se manter no poder após sua derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.
Moraes afirmou que Bolsonaro e seus aliados buscaram instaurar uma "ditadura". "O país, e sua Suprema Corte, só têm a lamentar que, na história republicana brasileira se tenha novamente tentado um golpe de Estado (...) Pretendendo-se a instalação de um estado de exceção e uma verdadeira ditadura", disse Moraes.
Bolsonaro alega inocência e se considera vítima de uma "perseguição política", a pouco mais de um ano das eleições presidenciais.
Após a sustentação da PGR, feita pelo procurador-geral Paulo Gonet, e depois de intervalo para almoço, os ministros começaram a ouvir as sustentações dos advogados dos oito réus.
A primeira a falar foi a defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O advogado defendeu a manutenção do acordo de delação premiada e negou que o militar tenha sido coagido pelo ministro Alexandre de Moraes e integrantes da Polícia Federal a delatar.
O advogado do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), negou que tenha sido determinado o monitoramento ilegal de ministros do STF e de desafetos políticos do ex-presidente. Segundo o advogado Paulo Renato Cintra, Ramagem apenas "compilava pensamentos do presidente da República".
A defesa do almirante Almir Garnier negou que o militar tenha colocado as tropas à disposição da tentativa de golpe.
Última a se manifestar neste primeiro dia de julgamento, a defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres classificou chamada minuta do golpe encontrada pela Polícia Federal (PF) como "minuta do Google", que já estaria disponível de forma apócrifa na Internet. (Com AFP e Agência Brasil)
PGR enfatiza provas e diz que golpe já estava "em curso"
Ao fazer a sustentação sobre a ação penal 2668, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, destacou que todos os fatos descritos na denúncia da tentativa de golpe de Estado estão confirmados por provas, vez que a organização criminosa agora processada no Supremo Tribunal Federal (STF) "fez questão de documentar passos da empreitada". Gonet, na condição de acusação, foi o primeiro a falar depois que o ministro do STF Alexandre de Moraes concluiu a leitura do relatório.
Segundo o chefe do Ministério Público Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus "não negam realidade, mas buscam se mostrar alheios" a ela.
Ele iniciou lembrando que tentativas de golpe de Estado podem vir de quem tem o poder ou de forma externa, de quem quer tomá-lo à força. Não combater ou punir esse tipo de ação, argumentou, incentivaria atos do tipo e violências contra o estado democrático de direito.
Gonet rechaçou que os atos ali julgados tenham sido ações isoladas, ou mera discussão de possibilidade, sem a intenção de colocar o plano golpista em ação. Segundo ele, não se pode considerar os atos como "aventuras inconsideradas" ou reduzi-la a um "plano bonachão das curiosidades da tão irreverente da vida nacional".
"O que está em julgamento são atos que hão de ser considerados graves, enquanto quisermos manter a vivência de um Estado democrático de direito".
Ele reiterou que nesta fase final do julgamento, "permanecem inabaladas as considerações e conclusões dispostas nas alegações finais da Procuradoria Geral da República", que pediu a condenação dos réus.
O PGR afirmou que faz ali um apanhado resumido das múltiplas ações do grupo denunciado, em que se nota uma unidade de propósito, no sentido de "impedir a chegada e o exercício do poder pelo presidente que concorria pela oposição e de promover a continuidade do exercício do poder pelo presidente Bolsonaro, pouco importando os resultados apurados no sufrágio de 2022".
"O grupo, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes funcionais, especialmente do Poder Judiciário. A denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis. Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada", destacou.
"Para que a tentativa se consolide, não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República", afirmou Gonet.
Também não é necessário "esforço intelectual extraordinário para reconhecer que quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso", completou.
Ele lembrou ainda que o ministro da Defesa convocou militares para revelar estratégia adotada e que o Comandante da Marinha "chegou a assentir ao convite" à tentativa de golpe de Estado.
Ainda retomando a cronologia, o chefe do Ministério Público Federal frisou que a campanha golpista ganhou corpo com acampamentos em frente a quartéis do Exército e indicou que o "momento culminante da balbúrdia se deu em 8 de janeiro de 2023". Segundo Gonet, a "instauração do caos era considerada etapa necessária do desenrolar do golpe, para atrair adesão das Forças Armadas".
Gonet também destacou o plano de assassinato de autoridades, entre eles do ministro do STF Alexandre de Moraes. O PGR lembrou que o plano para matar o relator da ação penal foi exposto pelo general Braga Netto e confessado pelo general Mário Fernandes — réu em outro núcleo que trata sobre o golpe.
Outra faceta destacada por Gonet foi a eleitoral. Segundo o PGR, a violência esteve presente na convocação de tropas militares e incitação a ataques às urnas, assim como em discursos de Bolsonaro e atos propiciadores de truculência real.
Segundo o PGR, o golpe só não se consumou porque não conseguiu cooptar cúpula das Forças Armadas, pela "fidelidade do Exército, apesar de desvio de alguns integrantes". (Com Agência Estado e AFP)
Articulação cresce e anistia pode entrar em pauta
O projeto de lei da anistia pode ser votado após o julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus na primeira turma do Supremo Tribunal Federal. A ideia da oposição era votar ainda nesta semana, mas a iniciativa foi freada por Hugo Motta e pela base. Com o desembarque do União Progressista do governo Lula, porém, a matéria tende a ir para o plenário em duas semanas.
A reunião entre Jair Bolsonaro e Arthur Lira surtiu efeito. Lira conversou com outros líderes do centro e conseguiu apoio para levar o texto ao plenário.
Com a pressão de direita e centro, Hugo Motta convocou os líderes governistas para reunião na residência oficial. Foram para o encontro José Guimarães, Lindbergh Farias, Odair Cunha e Pedro Campos. Lá, eles conseguiram frear a investida e seguraram a votação durante o julgamento — ou seja, para esta e para a próxima semana. Não há, porém, como segurar a articulação depois disso.
"A anistia não vai ser votada no dia de hoje (terça) e também não vai ser na semana que vem. Seria uma interferência completamente indevida. Mas, uma preocupação minha, e que tem toda uma construção para pautar isso depois do julgamento", afirmou Lindbergh Farias.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi a Brasília, em agenda que envolve articulações pela anistia.
Outro movimento foi de Progressistas e União Brasil, unidos em federação, que anunciaram o desembarque do governo.
Como é um projeto de lei, o texto da anistia precisa ser votado nas duas casas e depois passar por sanção presidencial. Ou seja, ela teria de passar pelo crivo do presidente Lula. Caso Lula vete o PL, mas a rejeição seja derrubada, ainda pode haver recurso ao STF. (João Paulo Biage, correspondente em Brasília)
Cearense foi único réu a ir ao STF assistir ao julgamento
O general do Exército Paulo Sérgio Nogueira foi o único dos oito réus julgados nesta terça-feira, 2, pela trama golpista a acompanhar presencialmente o primeiro dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Os demais denunciados de participar do chamado núcleo 1 da trama golpista, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), optaram por não comparecer. Eles não são obrigados a acompanhar o julgamento.
As sessões ocorrem na sala de audiências da primeira turma do Supremo. "A gente acredita na Justiça e nas provas apresentadas nas nossas alegações finais", disse Nogueira ao chegar para o julgamento.
Paulo Sérgio Nogueira foi ministro da Defesa de Bolsonaro. Ele é cearense de Iguatu. O general chegou ao tribunal com tipoia no ombro esquerdo.
Os outros réus estão representados pelos advogados. O próprio Bolsonaro, réu denunciado como líder da trama golpista, decidiu não comparecer ao julgamento. (Com Agência Brasil)
Cármen Lúcia repreende advogado sobre voto auditável
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu uma bronca no advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto — que representa o deputado licenciado e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem — durante o julgamento nessa terça-feira, 2. Após citações reiteradas do advogado ao voto impresso, a ministra defendeu o processo eleitoral, enfatizando que o sistema é "plenamente auditável".
Cármen Lúcia, que sucedeu ao ministro Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, destacou que "uma coisa é eleição com voto auditável e outra coisa é o voto impresso". A ministra lembrou dos riscos do voto impresso, relacionado à violação do sigilo do voto.
A ministra disse que o advogado usou "com muita frequência" essas menções, "como se fosse a mesma coisa". Na visão de Cármen, se tentou usar tal "confusão" para "criar confusão na mente do brasileiro". "Vossa senhoria sabe a distinção entre processo eleitoral auditável e voto impresso, repetiu como se fosse sinônimo, e não é. Porque o processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil. Passamos por auditoria. Para que não fique, para quem assiste, a ideia de que não é auditável".
O advogado chegou a explicar que usou a expressão "voto auditável, voto impresso", pois os termos eram usados nos pronunciamentos de Jair Bolsonaro. "E ilegítimos", completou Cármen, interrompendo o advogado. Pinto tentou seguir: "Minha opinião pessoal...". Mas foi interpelado mais uma vez pela ministra. "Não é opinião. O fato é que o processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável. Que fique claro. O processo eleitoral brasileiro é perfeitamente seguro, como se comprova amplamente", destacou a ministra. (Agência Estado)