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Cartilha sobre drogas mencionada em vídeo é destinado à redução de danos
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Cartilha sobre drogas mencionada em vídeo é destinado à redução de danos

Documento sobre a estratégia não foi feito pelo governo, tendo sido elaborado por organização social voltada à comunidade LGBTQIAPN+
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MINISTÉRIO dos Direitos Humanos nega autoria de material citado por Wagner (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram MINISTÉRIO dos Direitos Humanos nega autoria de material citado por Wagner

O ex-deputado federal e presidente do União Brasil no Ceará, Capitão Wagner, compartilhou nas redes sociais vídeo no qual denuncia uma cartilha com estratégias de redução de danos, abordagem que busca diminuir os riscos relacionados ao consumo de substâncias. 

Segundo ele, o governo Lula (PT) estaria "estimulando" o uso de drogas. Após ler o material, Wagner também alega haver a entrega de kits com canudo descartável e seda para uso das drogas. "Essa é a política que o governo do PT está preparando para o seu filho", acusa.

Na cartilha exibida pelo ex-parlamentar, constam as logomarcas do Governo Federal, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), da Associação de Acolhimento e Ressocialização (Gaia) e do projeto social Girassol, Amigos na Diversidade.

Em nota enviada ao O POVO, o MDHC informou que o material gráfico citado "não foi elaborado, aprovado ou distribuído oficialmente" pela pasta, tratando-se de uma "peça de comunicação" produzida por uma organização da sociedade civil localizada no município de São Borja, no Rio Grande do Sul.

A referida entidade é o movimento social Girassol, Amigos da Diversidade, que executa ações vinculadas a uma emenda parlamentar de autoria da deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS).

Conforme explicou o ministério, no modelo de execução "descentralizada" por emendas individuais, “o conteúdo e a divulgação de materiais são de responsabilidade direta da entidade proponente, não exigindo aprovação prévia do Governo Federal, exceto em casos específicos previamente acordados em plano de trabalho”.

“O MDHC reafirma seu compromisso com a formulação e implementação de políticas públicas pautadas na proteção dos direitos humanos, na valorização da diversidade e no enfrentamento do estigma e da discriminação, especialmente em relação a populações historicamente marginalizadas”, finaliza a nota.

O movimento social Girassol, Amigos da Diversidade, confirmou à reportagem a autoria da cartilha e informou que, há mais de 18 anos, atua na promoção da saúde e do bem-estar da população LGBTQIAPN+. A entidade também explicou que, neste ano, estabeleceu parceria com a Gaia, que executa uma emenda parlamentar da deputada citada pelo MDHC.

"Juntos, temos um plano de trabalho aprovado no sistema do Governo, que detalha todas as ações previstas para 2025. Entre elas, estão atividades e eventos de redução de danos em festas e espaços públicos frequentados por jovens", desenvolveu o Girassol.

"Elaboramos um panfleto de Redução de Danos, baseado na política nacional de Redução de Danos (RD), que existiu até recentemente, mas que segue sendo base para as atuais estratégias de RD, que, conforme diversos estudos mostram, apresentaram bons resultados”, justificou, citando artigos e revistas científicas sobre o tema.

Quanto ao uso das logomarcas do Governo Federal e do MDHC, a organização alegou que os materiais as exibem por "transparência e prestação de contas" no uso de recursos públicos.

A entidade criticou a interpretação de Wagner, considerando-a "uma estratégia de desinformação promovida por um ex-parlamentar".

O projeto Girassol mencionou também um contato, atribuindo-o à assessoria do dirigente partidário, que teria se identificando como representante de um movimento LGBT do Ceará e solicitado informações para utilização em eventos culturais.

"Na ocasião, explicamos detalhadamente como funcionam as estratégias de redução de danos, que não se trata de estímulo ao consumo de drogas. Contudo, no vídeo divulgado, houve recortes do panfleto, sem menção ao caráter informativo nem à vinculação com a política de redução de danos”.

E acrescentou: "Lamentamos que pessoas com visibilidade utilizem esses espaços para espalhar desinformação e estimular discurso de ódio a grupos historicamente marginalizados, como a população LGBTQIAPN+”.

O que disse Capitão Wagner?

Procurado pela reportagem, Capitão Wagner manteve as críticas ao material. “Eu não tenho assessoria. Não tenho nem mandato. Comprovamos as informações pelo panfleto e por um contato feito com o Ministério dos Direitos Humanos, feito através do gabinete da deputada federal Dayany [Bittencourt (União Brasil-CE), esposa dele]. Eles passaram a informação que passaram para vocês e confirmaram o patrocínio”, contextualizou.

"Além do panfleto, é entregue um kit. Nesse kit, contém um canudo para o indivíduo cheirar a cocaína e a seda para enrolar o fumo da maconha. Na minha visão, isso é uma espécie de estímulo”, interpreta.

O POVO entrou em contato novamente com o movimento Girassol para comentar sobre a suposta distribuição dos kits mencionada por Wagner.

"Nós não realizamos a distribuição de canudos ou sedas, pois nós não temos esses kits disponíveis. Contudo, geralmente, as campanhas de Redução de Danos (RDs) englobam material informativo e kits específicos. Essas iniciativas se baseiam em referências utilizadas há muitos anos como instrumentos de informação e prevenção", informou.

Para comentar esse ponto em específico, a reportagem contatou novamente o MDHC, que direcionou a demanda ao Ministério da Saúde. Por ligação telefônica, o Ministério da Saúde informou que "não tem nenhuma ligação com essa cartilha e nem com o kit" mencionados.

A deputada pelo RS Daiana Santos também foi procurada, desde a última sexta-feira, 3, mas ainda não respondeu. A matéria será atualizada quando houver retorno.

O que é a Redução de Danos?

A Redução de Danos é uma estratégia voltada para minimizar os efeitos negativos associados ao consumo de substâncias lícitas ou ilícitas. A abordagem não tem como foco a abstinência, mas a busca por reduzir riscos e promover inclusão social e cidadania de pessoas que fazem uso de drogas.

Em 2019, um decreto presidencial estabeleceu uma nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad), adotando a abstinência como abordagem preferencial e revogando documento anterior que tratava, entre outros pontos, da redução de danos sociais e à saúde. 

Leia na íntegra notas enviadas ao O POVO

MDHC

"O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) esclarece que o material gráfico citado, divulgado por meio de redes sociais, não foi elaborado, aprovado ou distribuído oficialmente por esta Pasta.

Trata-se de uma peça de comunicação produzida por uma organização da sociedade civil localizada no município de São Borja (RS), que atualmente executa ações vinculadas a uma emenda parlamentar de autoria da deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS). No modelo de execução descentralizada por emendas individuais, o conteúdo e a divulgação de materiais são de responsabilidade direta da entidade proponente, não exigindo aprovação prévia do Governo Federal, exceto em casos específicos previamente acordados em plano de trabalho.

O MDHC reafirma seu compromisso com a formulação e implementação de políticas públicas pautadas na proteção dos direitos humanos, na valorização da diversidade e no enfrentamento do estigma e da discriminação, especialmente em relação a populações historicamente marginalizadas".

"A política de Redução de Danos é uma estratégia reconhecida no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas de saúde, cuja formulação e execução competem, prioritariamente, ao Ministério da Saúde e a entidades parceiras, conforme pactuações específicas. Não se trata de um programa do MDHC. Neste sentido, sugerimos que eventuais questionamentos sobre a referida política sejam direcionados ao órgão competente. Reiteramos que a referida cartilha não foi elaborada, não foi enviada ao MDHC para validação e não está sendo distribuída por nós".

Girassol, Amigos da Diversidade

"Somos um movimento social voltado à promoção da saúde e do bem-estar da população LGBTQIAPN+ em São Borja (RS), há mais de 18 anos. Apesar de residir em São Borja, algumas de nossas ações também se estendem a cidades vizinhas. Você pode nos conhecer melhor, acessando o nosso site, no link: https://www.girassoldiversidade.com.br/

Elaboramos um panfleto de Redução de Danos, baseado na política nacional de Redução de Danos (RD), que existiu até recentemente, mas que segue sendo base para as atuais estratégias de RD, que, conforme diversos estudos mostram, apresentaram bons resultados.

Neste ano, estabelecemos uma parceria com a Associação de Acolhimento e Ressocialização – Gaia, que recebe emenda parlamentar do Governo Federal. Juntos, temos um plano de trabalho aprovado no sistema do Governo, que detalha todas as ações previstas para 2025. Entre elas, estão atividades e eventos de redução de danos em festas e espaços públicos frequentados por jovens.

Então, com a Gaia, desenvolvemos um projeto voltado à saúde, ao bem-estar e à cultura LGBT, intitulado "Projeto Democracias e Direitos Humanos LGBTQIPAN+: Ocupando espaços e transformando vidas na fronteira". Assim, todas as nossas iniciativas utilizam recursos públicos, e por isso nossos materiais trazem as logomarcas da Girassol, da Gaia, do Governo Federal e do respectivo Ministério, como forma de transparência e prestação de contas.

Sobre o vídeo mencionado, entendemos que se tratou de uma estratégia de desinformação promovida por um ex-parlamentar. A assessoria dele entrou em contato conosco por e-mail e WhatsApp, identificando-se como representante de um movimento LGBT do Ceará, solicitando informações para utilização em eventos culturais. Na ocasião, explicamos detalhadamente como funcionam as estratégias de redução de danos, que não se tratam de estímulo ao consumo de drogas. Contudo, no vídeo divulgado, houve recortes do panfleto, sem menção ao caráter informativo nem à vinculação com a política de redução de danos.
Lamentamos que pessoas com visibilidade utilizem esses espaços para espalhar desinformação e estimular discurso de ódio a grupos historicamente marginalizados, como a população LGBTQIAPN+.

Encaminhamos, alguns artigos no qual também nos ancoramos, embora, hajam outros materiais disponíveis que corroboram com a importância das estratégias de Redução de Danos: https://www.scielo.br/j/psoc/a/zMk4Dq4gQ4XhH4dQgzScQRm/?lang=pt 
https://www.seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/2730 
https://seer.ufsj.edu.br/revista_ppp/article/view/2858 

E esta é uma das bases do nosso material informativo: https://reaja.com.br/reducao-de-danos/

Agradecemos o contato, e seguimos à disposição para novos esclarecimentos".

"Nós não realizamos a distribuição de canudos ou sedas, pois nós não temos esses kits disponíveis. Contudo, geralmente, as campanhas de Redução de Danos (RDs) englobam material informativo e kits específicos.

Essas iniciativas se baseiam em referências utilizadas há muitos anos como instrumentos de informação e prevenção. Alguns exemplos:

Ministério da Saúde (2000): https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/10006003202.pdf 
Prefeitura de São Paulo (2006): https://drive.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/Cartilha%20para%20profissionais%20da%20saude.pdf 

Neste último documento, inclusive, há orientações sobre como os kits podem ser estruturados, além de exemplos de experiências de outros países. O material foi elaborado por profissionais da área da saúde.

Também indicamos esses artigos acadêmicos que tratam do tema:
Histórico da política de Redução de Danos no Brasil, com menção à distribuição de kits: https://ri.ucsal.br/server/api/core/bitstreams/60828ec6-46a4-46a8-bf51-e9e92e57cef5/content 
Esse artigo também aborda a história da política de RD, mas também apresenta, de certa forma, um panorama internacional sobre as estratégias e sua importância, citando, também os kits: https://www.scielosp.org/article/csc/2018.v23n7/2327-2338/pt 

Estamos à disposição para quaisquer outros esclarecimentos".

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