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O que católicos e evangélicos pensam sobre Deus, religião e costumes
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O que católicos e evangélicos pensam sobre Deus, religião e costumes

Católicos e evangélicos de Fortaleza se diferenciam na origem da religião e em temas sociais, mas convergem na centralidade de Deus e no repúdio à intolerância
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Católicos e Evangélicos (Foto: CONCEPÇÃO GIL DICELLI COM CHATGPT)
Foto: CONCEPÇÃO GIL DICELLI COM CHATGPT Católicos e Evangélicos

A religiosidade é fenômeno espiritual e social. "O campo religioso segue sendo um dos pilares da vida pública brasileira", aponta o cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira, fundador da Cenário Inteligência.

Para entender as diferenças e semelhanças na forma como as duas mais representativas expressões religiosas vivenciam a fé na cidade de Fortaleza, a Cenário Inteligência realizou pesquisa qualitativa em parceria com O POVO. A principal informação não é numérica, mas ao mostrar o entendimento que os entrevistados têm sobre Deus e a religião.

A pesquisa pediu para as pessoas responderem quem é Deus para ela. As respostas mostram convergências entre as diferentes denominações cristãs. "Tudo" foi uma palavra recorrente nas definições tanto de católicos quanto de evangélicos. "Pai" é outra referência a se repetir.

Tanto católicos quanto evangélicos atribuem a Deus um mesmo sentido central: "Criador" e "salvador" são outras respostas que aparecem várias vezes. Essa visão comum indica uma base compartilhada de espiritualidade, ainda que vivida em tradições distintas.

A pesquisa identifica também a maneira como as pessoas passaram a professar cada religião. Para os católicos, a fé é, majoritariamente, uma herança familiar, dos pais e mesmo avós. A religião é transmitida de geração em geração, sendo vivida desde o nascimento. "Desde berço", resume um dos entrevistados. Mas um dos entrevistados relata conversão posterior. "Não estava me sentindo muito bem na Igreja Evangélica", narra.

No caso dos evangélicos, a trajetória é mais marcada pela decisão pessoal: muitos contam ter escolhido o caminho da igreja em busca de maior proximidade com a palavra de Deus ou motivados por amigos e familiares já ligados a comunidades religiosas. "Vários jovens do meu bairro estavam se convertendo e prosperando na Igreja", disse um dos entrevistados. "Fui encaminhada pela minha irmã", "meu pai me influenciou" e "influencia da família", disseram outros.

Houve ainda elementos mais ligados aos ensinamentos. "A própria palavra de Deus", respondeu um. E ainda: "Algo relacionado ao convencimento e algo sobrenatural de entender o que faltava em mim", explicou outro.

Esse aspecto influencia a própria forma de autodefinição. Enquanto católicos costumam falar em “fé” quando questionados sobre religião, os evangélicos recorrem diretamente à ideia de “Deus”. A diferença de linguagem sugere não apenas distintas tradições religiosas, mas também formas diversas de compreender o vínculo com a espiritualidade. Foi pedido para os entrevistados definirem a religião em uma palavra.  Entre os evangélicos algumas das expressões foram: primordial, sinceridade, bênçãos, altruísmo, Deus, união, base e segurança. Católicos mencionam: esperança, tradição, crer, fé, amor e salvação. "Acolhimento" e "gratidão" foram citadas nos dois grupos.

"Os católicos já nascem católicos, ao contrário dos evangélicos. Os primeiros recebem a influência da família e se tornam católicos desde cedo. Os segundos fazem a opção pela religião evangélica para ficar
perto da palavra de Deus, influência de colegas (irmãos) e familiares", aponta Adriano Oliveira como um dos achados da pesquisa.

Outro aspecto relevante está na percepção de prática. Os evangélicos tendem a se enxergar como mais praticantes, reforçando uma identidade de presença ativa na vida da igreja. No entanto, quando a frequência de participação em missas ou cultos é comparada, os índices se mostram semelhantes entre os dois grupos.

A diferença, portanto, reside menos no comportamento objetivo e mais na forma como cada fiel interpreta sua própria religiosidade.

A fé e os valores

Desde quando você é adepto da sua religião?

Evangélicos

  • Menos de 5 anos: 8%
  • Mais de 5 anos: 25%
  • Mais de 10 anos: 17%
  • Mais de 20 anos: 25%
  • Mais de 30 anos: 8%
  • Desde que nasceu: 17%

Católicos

  • Menos de 5 anos: 8%
  • Mais de 10 anos: 8%
  • Mais de 20 anos: 25%
  • Mais de 40 anos: 8%
  • Desde que nasceu: 50%

O que lhe levou a escolher sua religião?

Evangélicos

  1. Vários jovens do meu bairro estavam se convertendo e prosperando na Igreja
  2. Fui encaminhada pela minha irmã
  3. Algo relacionado ao convencimento e algo sobrenatural de entender o que faltava em mim
  4. Ficar próximo de Deus
  5. Meu pai me influenciou
  6. Influencia da família
  7. Identificação. Teve muito acolhimentos dos irmãos
  8. Fui levado pela família e depois na faculdade
  9. Eu escolhi seguir Jesus Cristo
  10. Minha família e por morarmos ao lado da igreja
  11. Estando no caminho do Senhor é melhor
  12. A própria palavra de Deus

Católicos

  1. Já nasci no catolicismo
  2. Por conta dos meus pais
  3. Sempre me introduziram nessa religião e me mantive
  4. Cresci com meus pais e avós sendo católicos
  5. Não estava me sentindo muito bem na Igreja Evangélica
  6. Minha criação
  7. Desde que nasci fui inserido
  8. Minha mãe, desde criança, me incentivou
  9. Desde berço
  10. Meus pais escolheram e até hoje estou
  11. Minha família
  12. Desde pequeno meus pais me levavam e continuei

Defina sua religião em uma só palavra

Evangélicos

  1. Acolhimento
  2. Primordial
  3. Sinceridade
  4. Bênçãos
  5. Altruísmo
  6. Deus
  7. União
  8. Base
  9. Segurança
  10. Gratidão
  11. Jesus salva!
  12. Tudo!

Católicos

  1. Deus em primeiro lugar
  2. Esperança
  3. Do povo
  4. Esperança
  5. Tradição
  6. Crer
  7. Gratidão
  8. Amor
  9. Salvação
  10. Acolhimento

Você se considera religioso praticante?

Evangélicos

  • Sim: 83%
  • Não: 17%

Católicos

  • Sim: 67%
  • Não: 25%
  • Não sei: 8%

Se sim, quantas vezes você vai à igreja?

Evangélicos

  • 1 vez por semana: 50%
  • 2 vezes por semana: 8%
  • 3 vezes por semana: 17%
  • 3 vezes, ou mais, por semana: 17%
  • Não se considera praticante: 8%

Católicos

  • 1 vez por semana: 58%
  • Domingos e dias de preceitos: 17%
  • 2 vezes por semana: 8%
  • Três vezes por semana: 8%
  • 2 vezes por mês: 8%

Quem é Deus para você?

Evangélicos

  1. É tudo
  2. É o criador, o salvador do mundo
  3. É um ser que governa todo o universo
  4. É tudo. Sem ele não somos nada
  5. Entidade que coordena o mundo
  6. É Pai. É tudo!
  7. Pai amoroso
  8. Base de Vida, Filosofia de Vida, motivo de viver e da minha salvação
  9. Deus é a pessoa mais importante da minha vida
  10. Tudo
  11. É o que nos fez, o que fez a terra e o mar
  12. Tudo. O soberano, o altíssimo, o Alfa, o Ômega, o topo

Católicos

  1. É um ser iluminado. É tudo na minha vida. É um pai
  2. O criador
  3. Deus habita em mim, é meu tudo
  4. É o superior, aquele que eu converso no momento de silencio
  5. É o criador de tudo. O motivo de a gente estar aqui
  6. É tudo. É a força para gente viver o dia a dia
  7. O nosso Salvador
  8. Ele é tudo pra mim. Só vivemos pela permissão dele
  9. Meu pai e meu Tudo
  10. É tudo. Tudo que acontece de bom é Deus
  11. Tudo!
  12. Quem eu posso contar sempre. Pessoa muito poderosa e muito importante na minha vida

Quais valores da sociedade de que você não gosta?

Evangélicos

  1. Violência
  2. Valores políticos marcados pela divisão
  3. Hipocrisia, Vitimismo e Preguiça
  4. Aborto
  5. Mentira, opressão dos mais fracos
  6. Hipocrisia e mesquinharia
  7. Desonestidade, corrupção e hipocrisia
  8. Desonestidade
  9. A maldade do coração humano
  10. Desonestidade, falta de ética, falsidade e hipocrisia
  11. Não olho pra isso
  12. Preconceito

Católicos

  1. Não tem
  2. A violência e a maldade no mundo
  3. Questões radicais, dos extremos
  4. Desigualdade, Racismo e intolerância religiosa
  5. Desonestidade
  6. Banalizar tudo no sentido moral
  7. Pessoas sem empatia nem respeito pela individualidade de ninguém
  8. Ideologia de gênero
  9. De privilegiar ou dar visibilidade aos blogueiros
  10. Dar benefícios às pessoas sem trabalhar
  11. Falta de princípios e valores
  12. Preconceito

Das práticas a seguir, com quais você concorda ou discorda?

Evangélicos

Casamento entre pessoas do mesmo sexo

  • Concorda: 33%
  • Discorda: 50%
  • Não tem opinião formada: 17%

Aborto

  • Discorda: 92%
  • Depende: 8%

Descriminalização das drogas

  • Discorda: 67%
  • Depende: 8%
  • Não tem opinião formada: 25%

Consumo de álcool

  • Concorda: 33%
  • Discorda: 42%
  • Não tem opinião formada: 25%

Divórcio

  • Concorda: 42%
  • Discorda: 42%
  • Depende: 8%
  • Não tem opinião formada: 8%

Jogo de apostas

  • Discorda: 83%
  • Não tem opinião formada: 17%

Anistia para todos os manifestantes do 8 de janeiro de 2023

  • Concorda: 25%
  • Discorda: 67%
  • Não tem opinião formada: 8%

Católicos

Casamento entre pessoas do mesmo sexo

  • Concorda: 50%
  • Discorda: 25%
  • Não tem opinião formada: 25%

Aborto

  • Discorda: 75%
  • Depende: 8%
  • Não tem opinião formada: 17%

Descriminalização das drogas

  • Discorda: 92%
  • Não tem opinião formada: 8%

Consumo de álcool

  • Concorda: 17%
  • Discorda: 67%
  • Não tem opinião formada: 17%

Divórcio

  • Concorda: 75%
  • Discorda: 8%
  • Não tem opinião formada: 17%

Jogo de apostas

  • Concorda: 25%
  • Discorda: 50%
  • Não tem opinião formada: 25%

Anistia para todos os manifestantes do 8 de janeiro de 2023

  • Concorda: 17%
  • Discorda: 50%
  • Não tem opinião formada: 33%

Metodologia: técnica de entrevistas em profundidade

Foram entrevistadas 24 pessoas, em 21 localidades. As entrevistas foram individuais de modo remoto

Os entrevistados foram segmentados da seguinte forma:

  1. Área geográfica
  2. Faixa etária
  3. Profissão
  4. Gênero
  5. Religião
  6. Tempo de morada: 5 anos ou mais

Período da realização da pesquisa: 11 a 14 de agosto de 2025

 

Opiniões sobre temas de comportamento

A pesquisa qualitativa da Cenário Inteligência perguntou aos entrevistados as opiniões sobre temas comportamentais e valores. Tanto entre católicos quanto evangélicos, há forte repúdio ao radicalismo, à divisão política e ao preconceito. Esses elementos aparecem com recorrência nas falas dos entrevistados, sinalizando que, independentemente da denominação, há rejeição à intolerância e às formas de violência simbólica ou social que marcam o debate público no Brasil contemporâneo.

A palavra "desonestidade", por exemplo, aparece de forma muito mais recorrente entre os evangélicos como valor repudiado, associada a problemas percebidos na política e no cotidiano. Entre católicos, o termo também surge, mas em menor escala.

Sobre temas polêmicos, há coincidências e distinções claras. Católicos e evangélicos são contrários ao aborto e à descriminalização das drogas. Porém, os evangélicos ampliam o leque de rejeições ao se posicionarem enfaticamente contra jogos de apostas, por exemplo.

Católicos se mostram majoritariamente contrários ao consumo de álcool — uma rejeição que, segundo a pesquisa, pode estar associada à convivência com casos de alcoolismo dentro das próprias famílias ou comunidades.

Há ainda mais aberturas entre os adeptos do catolicismo ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e ao divórcio.

Além disso, cada grupo reforça diferentes preocupações. Entre evangélicos, além da desonestidade, surgem referências negativas à violência, à hipocrisia, ao vitimismo e à opressão dos mais fracos. Entre católicos, há maior ênfase na condenação da desigualdade, do racismo, da intolerância religiosa e de uma percepção de "banalização moral" da sociedade.

Os dois grupos demonstram um núcleo comum de crenças e valores que, segundo Adriano Oliveira, reforça a centralidade da religião como fator de identidade e de formação de opinião social e política no Brasil.

"Esses achados ajudam a entender não apenas a dimensão religiosa em si, mas como ela se conecta com percepções de honestidade, convivência social e temas políticos. O campo religioso segue sendo um dos pilares da vida pública brasileira", avalia Adriano Oliveira, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundador da Cenário Inteligência.

Como foi feita a pesquisa

A pesquisa qualitativa, diferentemente da quantitativa, busca compreender o significado, e não a magnitude, explica o fundador da Cenário Inteligência, o cientista político e professor da UFPE Adriano Oliveira. Em vez de medir percentuais ou frequências, procura captar sentimentos, crenças e valores dos entrevistados.

Cenário Inteligência

Criada há 16 anos, a empresa atua exclusivamente com pesquisa qualitativa e estratégia. O método central são as entrevistas em profundidade, em substituição aos tradicionais grupos focais, já que em discussões coletivas muitas pessoas evitam se expressar livremente por diferenças de religião, ideologia ou orientação sexual.

Os resultados são interpretados em conjunto. Além da descrição das falas, aplica-se a análise de conteúdo, que organiza e quantifica palavras e frases mais recorrentes para identificar os sentimentos predominantes. O relatório final traz duas etapas: os sentimentos relatados pelos entrevistados e a sistematização dessas falas em análises.

Critério para a pesquisa

No estudo sobre religião e política, foram ouvidos apenas religiosos militantes ou praticantes, que frequentam igrejas ou missas ao menos a cada 15 dias. Não participaram pessoas que se declaram religiosas mas não têm prática regular.

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