Nas últimas semanas, os holofotes brasileiros se ajustaram para um dos edifícios da Praça dos Três Poderes. Na última sessão como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 25 de setembro, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a Corte cumpriu seu dever de manter o Estado de direito no País.
Gilmar Mendes, decano do Supremo, declarou que o colega soube "responder a investidas com firmeza inabalável, mas também com a elegância, cordialidade e a urbanidade que o caracterizam e que sempre pautaram sua vida pública". Ele também sentiu a água nos olhos ao citar a atuação do ministro Alexandre de Moraes. Para Gilmar, Moraes teve papel "singular e, sem exagero, quase ou verdadeiramente heroico" no julgamento da trama golpista.
Entre os dias 7 e 13 de setembro, período do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por golpe de Estado, o termo "STF" chegou ao pico de popularidade em pesquisas no Google.
A última vez em que o termo chegou neste patamar foi no início de abril de 2018, período que coincide com a rejeição do habeas corpus preventivo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na época condenado no caso do triplex em Guarujá (SP). Lula foi preso em 7 de abril de 2018.
Os holofotes do palco do STF tiveram um longo alcance durante o julgamento do ex-presidente. Inclusive, atravessaram o continente e pousaram na mesa da Casa Branca, residência oficial do presidente dos Estados Unidos, atualmente a cargo de Donald Trump.
"Indignação e soberania", resumem as reações dos ministros após a notícias das sanções de Trump contra Moraes e a esposa Viviane Barci de Moares, segundo a advogada criminalista e amicus curiae no STF, Alessandra Martins Gonçalves Jirardi. "Evidentemente os ministros expressaram irritação e revolta, especialmente por as sanções terem sido estendidas a familiares", afirma Jirardi.
A advogada analisa que uma histórica condenação de um ex-presidente por tentativa de golpe de estado estabelece um precedente inédito e robusto na defesa da democracia e pode fortalecer as instituições contra futuras ameaças.
Apesar das investidas de dentro e fora do Brasil, o processo de julgamento e condenação de Bolsonaro seguiu normalmente e evidenciou a legitimidade da instituição. "O resultado desse julgamento com certeza fortalece a legitimidade do Supremo Tribunal Federal. Não se mede uma Corte Constitucional com a popularidade, mas sim pelo cumprimento do seu dever de aplicar a lei e à Constituição, mesmo que as decisões sejam impopulares propriamente dito", destaca.
Em concordância com Jirardi, juristas, advogados e especialistas em Direito Constitucional têm atestado que o Supremo atuou politicamente, frente a uma ameaça ao Estado Democrático de Direito. Para a advogada e professora de Filosofia Constitucional da PUC-Rio Gisele Cittadino, o Supremo assumiu papel central para barrar avanços autoritários e preservar a Constituição.
"É natural que o Supremo apareça para fazer uma contraposição a essa ideia de que o país pode conviver com um governo que foi democraticamente eleito, mas que está indicando algum retrocesso autoritário daqui para a frente. Então, por mais que olhemos para o STF como protagonista político, esse protagonismo está legitimado", avalia Cittadino.
Para a professora, o protagonismo do STF nos últimos anos foi uma reação ao ambiente político criado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. “Bolsonaro, e o bolsonarismo em geral, empurraram o Supremo Tribunal Federal para o centro do espaço público da política. Quanto a isso, nenhuma dúvida”, afirma.
Apesar dos elogios, a Ação 2668, da trama golpista, recebeu críticas pela concentração de funções no Supremo Tribunal Federal. “O mesmo juiz que investiga é o mesmo juiz que denuncia e que julga. Esse julgamento fere o princípio do juiz natural e a garantia de imparcialidade, especialmente porque o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, também foi vítima de planos investigados na mesma ação”, explica Alessandra Jirardi.
A concentração de funções no órgão julgador está entre os motivos que permitiram a revisão de decisões da operação Lava Jato. Em janeiro de 2016, cerca de cem advogados divulgaram uma carta aberta afirmando que "não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais”, em crítica à Lava Jato.
“Barroso defendeu a legitimidade do processo, afirmando que o voto divergente de Fux demonstra justamente a pendência judicial plena. Então, nesse sentido, a concentração de poder foi e continua sendo uma munição para ataques e para narrativas de perseguição política”, acrescenta a advogada criminalista.
No entanto, apesar da centralidade do tribunal nos últimos anos, Cittadino acredita que a tendência é de que o STF retorne ao seu papel tradicional à medida que o ambiente político se estabilize. “Não tenho receio em relação ao futuro democrático do Brasil. O Supremo voltará à sua esfera de atuação, porque não há como manter a tranquilidade democrática sem o princípio da separação dos poderes”, conclui.
A advogada criminalista Alessandra Jirardi pensa o contrário. Ela expressa ceticismo de que o Supremo vá adotar um papel mais discreto ou tradicional em breve, apesar do discurso público que apela por pacificação e normalidade.
“Entendo que é improvável retornar a um papel mais discreto no curto prazo. Com as consequências do julgamento, como a discussão sobre anistia no Congresso, a possibilidade de recursos ao plenário e as contínuas tensões políticas, entendo que manterão o Supremo ainda sob os holofotes", afirma.
Jirardi acrescenta: " A judicialização de temas políticos e sociais é uma tendência que dificilmente, após esse julgamento desse histórico, será revertida rapidamente”.
Ao tomar posse como presidente do Supremo, na segunda-feira, 29, o ministro Edson Fachin deu recados importantes a esse respeito. "Ao direito, o que é do direito. À política, o que é da política".
Entre emoção e divergências, ministros do STF sentem os custos do protagonismo
Para a advogada criminalista Alessandra Jirardi, o cenário atual dentro do Supremo Tribunal Federal é de dualidade: "Tensão e união", afirma. "O ambiente é de união em defesa da instituição, mas vemos que há algumas fissuras internas", explica.
Ela usa como exemplo notório dessa divergência, o voto do ministro Luiz Fux na ação penal 2668, no qual trata da trama golpista que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão.
Em um voto de quase 14 horas de duração, Fux questionou a competência da turma de julgamento e evidenciou um dissenso significativo. "A prerrogativa de foro deixa de existir quando os cargos foram encerrados antes da ação", disse. "Estamos diante de uma incompetência absoluta", acrescentou Fux.
Ele foi voto vencido e, em 11 de setembro, o placar do julgamento terminou em 4 a 1 pela condenação do ex-presidente.
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) marca a presidência do ministro Luís Roberto Barroso à frente do Supremo. Quatorze dias depois do julgamento, na última sessão plenária como presidente do STF, Barroso se emocionou ao discursar.
"Apesar do custo pessoal dos seus ministros e o desgaste de decidir as questões mais divisivas da sociedade brasileira, o STF cumpriu — e bem — o seu papel de preservar o estado de direito e promover os direitos fundamentais", declarou Barroso na despedida.
Jirardi acredita que essa emoção reflete "o peso e a tensão do período vivido pela corte sem precedentes". "Isso sugere um clima de alívio e de reafirmação institucional, mas também de preocupação com as reações, principalmente em razão das sanções internacionais e a pressão política interna", destaca.
A emoção de Barroso foi interpretada como um gesto de reconhecimento das dificuldades enfrentadas pelo Supremo e de solidariedade institucional após meses de crise. Para a advogada, esse momento também refletiu um sentimento de alívio por terem atravessado um período sem precedentes.
"Essa emoção ainda simboliza a união do Tribunal Federal em um momento de ataque e a dimensão pessoal do custo que cada ministro sentiu ao defender a própria instituição", afirma.
A Corte tem buscado reafirmar sua autoridade e independência em resposta a esses desafios. Jirardi acredita que o novo presidente, o ministro Edson Fachin, assume a gestão em um cenário ainda "conturbado".
Apesar de divisões internas, ele mencionou em dois momentos no discurso de posse a colegialidade como caminho para a estabilidade institucional. "(...) porquanto a força desta Corte está no colegiado", enfatizou.