Seguem repercutindo as declarações do prefeito do município de Ararendá (CE), Aristeu Eduardo (PT), que criticou religiões de matriz africana durante a inauguração de uma praça na comunidade de Barriguda, no último dia 30 de setembro.
Vídeos que registraram o discurso circularam nas redes sociais e geraram reações adversas, fazendo com que o prefeito entrasse na mira do Ministério Público e recebesse críticas inclusive de membros do Partido dos Trabalhadores.
Duas outras entidades repudiaram a manifestação do prefeito, o Instituto Carta Magna da Umbanda do Estado Ceará (ICMU-CE) e o Setorial Nacional Inter-Religioso do Partido dos Trabalhadores.
O advogado Edilson Brasil, representando a ICMU-CE, informou ao O POVO que protocolou ontem uma queixa-crime pedindo a condenação do prefeito por intolerância religiosa, com consequente perda do mandato.
O advogado responsável pela ação explicou que, por intolerância religiosa ser um crime de ódio, é inafiançável. Ele afirmou que o instituto "vai até o fim" no caso. A cassação seria uma consequência de uma eventual condenação.
Na última semana, o presidente do Instituto Carta Magna da Umbanda do Estado Ceará, sacerdote Pai Gerson, esteve na Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação (Decrin), responsável sobre crimes relacionados a preconceito e racismo contra qualquer religião.
Em vídeo publicado nas redes sociais da organização, Pai Gerson e o advogado Edilson Brasil afirmaram ter protocolado um Boletim de Ocorrência sobre a questão, afirmando que o prefeito de Ararendá ofendeu todos os povos de terreiro do Estado do Ceará e pedindo "providências em relação ao crime de Intolerância Religiosa praticado".
O Setorial Nacional Inter-Religioso do Partido dos Trabalhadores, sigla do prefeito, publicou uma nota de repúdio em defesa da "laicidade do Estado e do fim do racismo religioso".
Na nota, publicada nas redes sociais, o grupo repudiou a fala de Aristeu, afirmando que a manifestação ocorreu "de forma desconectada dos princípios norteadores do próprio partido". Afirmam ainda que a atitude consistiu em um "grave desrespeito ao Estado Laico", que "reforça estereótipos preconceituosos e alimenta a intolerância que tantas vidas tem ceifado em nosso país".
Dessa forma, o grupo afirma exigiu uma retratação pública por parte do político e a abertura de "um canal de diálogo com lideranças religiosas de matriz africana e com o movimento negro do município para a construção de políticas públicas efetivas de combate ao racismo religioso".
Após a repercussão da fala, o prefeito Aristeu Eduardo manifestou-se por meio de nota publicada em sua conta pessoal no Instagram. Nela, disse que a fala "infelizmente acabou sendo mal interpretada" e que, em nenhum momento, fez "referência negativa ou crítica a qualquer religião ou prática de fé".
O chefe do Executivo municipal disse ainda ter "profundo respeito" por todas as tradições religiosas, inclusive as de matriz africana. Argumentou que a manifestação feita foi um "desabafo inevitável" diante da "perversidade de uma campanha caluniosa e rasteira" que vem sofrendo.
Por fim, admite que reações mais firmes podem surgir em contextos de ataques difamatórios sofridos, mas reitera que jamais houve "qualquer intenção de desrespeitar comunidades religiosas".
O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) instaurou procedimento para apurar possível prática de intolerância religiosa cometida pelo prefeito de Ararendá, Aristeu Alves Eduardo.
A apuração é conduzida pela Promotoria de Justiça Vinculada de Ararendá, que informou que oficiaria o prefeito para que, no prazo de 10 dias, preste os devidos esclarecimentos sobre as declarações prestadas para elucidação do caso e adoção das eventuais providências cabíveis.
A deputada estadual Larissa Gaspar, também do PT, repudiou a fala do prefeito. "Atitudes como essa fortalecem a discriminação e a violência contra praticantes das religiões de matriz africana. É dever de quem ocupa cargos públicos promover o respeito e a convivência pacífica", disse em nota nas redes sociais, solidarizando-se com povos de terreiros.
A parlamentar disse ainda que o Partido dos Trabalhadores, "cujo o histórico é de amplo respeito e defesa da liberdade religiosa e do Estado laico", não pode se calar diante desse assunto. "Exigimos que as instâncias partidárias competentes adotem as medidas cabíveis", conclui.
Ao se dirigir ao público presente, o gestor afirmou que praticantes dessas religiões “se apresentam como pessoas de bem” durante o dia, mas “à noite vão bater tambor nos terreiros”. O comentário foi seguido de aplausos de parte dos apoiadores que acompanhavam o evento.
Na mesma fala, Aristeu reforçou sua identidade cristã e disse que não se importaria com eventuais críticas: “Se ofenda quem quiser se ofender, mas nós somos seguidores de Cristo. É nele que acredito e é nele que sigo até o final da minha vida”, declarou.
Em outro trecho, o prefeito acrescentou que considera seu papel alertar a população “sobre pessoas que pregam valores que não cumprem”. Ele citou a esposa e presidente da Câmara Municipal de Ararendá, Rachel Silva Bernardino Eduardo (PT), que, segundo ele, recebe denúncias com frequência do grupo.
"Eu tenho visto várias pessoas já adoecendo mentalmente devido tanta perturbação dessa turma. Só de denúncia que eles fizeram contra Raquel lá na Câmara já são 17 denúncias. Saiba você (Rachel) que as pessoas são inteligentes para ver o ataque criminoso que vem sofrendo nas redes sociais, por trás das fake news", afirmou.
Ainda na semana passada, a reportagem ligou para o número divulgado oficialmente pelo site da Prefeitura de Ararendá como sendo da autoridade municipal. Contudo, as chamadas direcionaram para o Fundo Municipal de Saúde. Uma pessoa chegou a atender, porém, ao ser questionada se aquele seria o telefone do prefeito e após a identificação da reportagem, a ligação foi encerrada de forma abrupta.
Nas tentativas seguintes, o telefone já se encontrava desligado ou fora da área de cobertura. Foi enviado e-mail para o endereço eletrônico divulgado no site da Prefeitura, abrindo espaço para manifestação. Até a publicação desta matéria, não houve resposta por parte da Prefeitura de Ararendá.