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Àfrica e Ásia concentrarão 80% da população mundial até o fim do século
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Àfrica e Ásia concentrarão 80% da população mundial até o fim do século

| PROJEÇÕES | ONU projeta 11 bilhões de pessoas no planeta até 2100, com 9,3 bilhões em Ásia e África. Novo mapa populacional pode transformar a geopolítica e a economia global e impactar também o meio ambiente
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mapa 3d (Foto: CONCEPÇÃO GIL DICELLI ADAPTAÇÃO ANA SÁ COM SORA TRATAMENTO ROBSON PIRES)
Foto: CONCEPÇÃO GIL DICELLI ADAPTAÇÃO ANA SÁ COM SORA TRATAMENTO ROBSON PIRES mapa 3d

Em 1950, o planeta tinha aproximadamente 2,5 bilhões de habitantes. Como hoje, mais da metade deles já estavam na Ásia. Na Europa estavam aproximadamente um quinto deles. Pouco menos de um décimo viviam na África. As Américas somavam em torno de 13%, dos quais pouco mais da metade estavam na América do Norte. A Oceania tinha menos de 1%. Passados dois terços de um século, a população mais que triplicou e é hoje superior a 8 bilhões. A distribuição mudou de forma significativa. Até o fim do século, as transformações serão ainda mais profundas. O mundo que está surgindo será outro.

População dos continentes 

Made with Flourish

A proporção da população mundial que vive na Ásia teve ligeiro aumento nesse período. O percentual representado pela Oceania também é estável. Somadas, as Américas também têm participação parecida à da metade do século XX, mas a distribuição é outra. Se antes a América do Norte concentrava mais gente que América Latina e Caribe somadas, hoje a população desse segundo bloco é pouco menos do dobro em relação ao subcontinente setentrional.

Mas as grandes oscilações podem ser percebidas em Europa e África. Em 1950, os africanos eram menos da metade da população europeia. Atualmente, são mais que o dobro. Em um, o percentual que representa na população mundial caiu a menos da metade. Em outro, a proporção mais que duplicou. Até o fim deste século, a projeção é de mudanças muito mais profundas.

Projeções das Nações Unidas (ONU) apontam que a população mundial deve atingir cerca de 11 bilhões de pessoas até o ano de 2100. E 4,5 bilhões devem estar apenas no continente africano. Saiu de menos de 10% da população do planeta em 1950 para 18,5% atualmente, com perspectiva de passar de 40% no fim do século.

A Ásia, pelo que se projeta, deve seguir como o continente mais populoso, mas o número absoluto de habitantes tende a se estabilizar e ser até um pouco menor que o atual. Conforme o estudo, ficará em aproximadamente 4,8 bilhões de pessoas. Dos atuais 58,9% de habitantes da Terra, o continente deverá concentrar 42,9%.

Isso significa que, de uma população global de 11 bilhões, 9 bilhões estarão em Ásia e África. Serão mais de 80% das pessoas no mundo.

Já a Europa, que tinha 21,9% dos habitantes da Terra em meados do século XX deve chegar ao fim do século XXI com 5,83%. 

A redistribuição da população mundial impacta as áreas de economia, alimentação e saúde, destaca o economista Lauro Chaves, docente da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutor em desenvolvimento regional. “Esse será um dos grandes desafios da geopolítica mundial e da economia, como administrar o crescimento populacional principalmente nas regiões mais pobres do planeta. 

Percentual da população em cada continente

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A explosão da África

Hoje com aproximadamente 1,5 bilhão de habitantes, a África deve triplicar de população até 2100, enquanto regiões historicamente mais ricas, como Europa e América do Norte, vivem um processo inverso: declínio populacional, envelhecimento acelerado e taxas de natalidade persistentemente baixas.

Esse reposicionamento demográfico tem potencial para redesenhar profundamente a geopolítica, deslocando o centro de gravidade do poder mundial.

O crescimento populacional concentrado na África poderá reconfigurar as dinâmicas de poder, influência e demanda global, aponta Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional pela PUC Minas e professor de Relações Internacionais.

"O continente com grande população jovem terá potencial de força de trabalho, de consumo e de mobilização política. Isso pode se traduzir em maior influência nas instituições multilaterais, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial", afirma. A juventude africana poderá exercer papel crucial nas decisões econômicas e diplomáticas, tanto como força produtiva quanto como eleitorado político ativo.

Feijó, no entanto, alerta para os desafios que acompanham esse protagonismo. O crescimento acelerado poderá intensificar fluxos migratórios em direção ao Norte Global, especialmente em direção a países com populações envelhecidas e escassez de mão de obra.

"Esse cenário exigirá novos marcos jurídicos e diplomáticos sobre mobilidade, cidadania e direitos humanos. A ONU terá de intermediar interesses entre soberania nacional e obrigações internacionais de proteção", aponta.

Na visão de Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de políticas públicas e estratégias em Harvard, a África pode ganhar peso internacional com países como Nigéria, Etiópia, Egito e República Democrática do Congo se tornando potências regionais e, eventualmente, globais.

"O crescimento populacional africano pode impulsionar seu poder econômico e político, desde que acompanhado de investimentos em educação, infraestrutura e governança eficaz", destaca.

O potencial, no entanto, não está garantido. Segundo Brustolin, países que não conseguirem integrar suas juventudes em processos produtivos e democráticos enfrentarão desafios severos, como o aumento do desemprego, urbanização precária e instabilidade política.

"Esses fatores podem resultar em tensão social e atrair potências externas como China, Estados Unidos e Rússia, que já competem por influência na África", analisa.

Brustolin também chama atenção para os riscos de um aumento de disputas por recursos naturais, como água, alimentos e energia, especialmente em regiões frágeis como o Sahel e o Chifre da África.

"A pressão sobre sistemas hídricos e cadeias alimentares, somada à degradação ambiental, exigirá soluções multilaterais rápidas. A África pode se tornar também o epicentro das discussões globais sobre clima, biodiversidade e uso sustentável dos recursos", afirma.

Feijó ressalta que, além de Nigéria, Egito, Etiópia e RDC, outras nações despontam com relevância estratégica. África do Sul, com instituições mais consolidadas; Quênia, com polo tecnológico emergente em Nairóbi, e Gana, com estabilidade política e crescimento econômico sustentado, são exemplos de países que podem se consolidar como lideranças regionais.

Crescimento da população por continente

Mariana Ramalho, doutora e professora de UFC e especializada em saúde coletiva, observa que a África atravessará um período de transições simultâneas: demográfica, epidemiológica, urbana e ambiental. "O crescimento desordenado pode agravar a favelização, aumentar a pobreza extrema, a insegurança alimentar e a sobrecarga nos sistemas de saúde", explica.

A profissional de saúde destaca a necessidade de políticas voltadas tanto para doenças infecciosas (como HIV e tuberculose) quanto para doenças crônicas, cada vez mais prevalentes em uma população que também envelhece.

"Assim, esses determinantes influenciam na situação de saúde geral, pois impactam na sobrecarga nos serviços de saúde, que habitualmente já apresenta dificuldades no financiamento, além de dificuldade no planejamento de ações e serviços, que precisam estar direcionadas a essa dupla carga de doenças: doenças crônicas e infecciosas, principalmente doenças contagiosas", explica.

Para Mariana, organismos como a OMS devem priorizar políticas de prevenção, fortalecimento da atenção primária à saúde, investimento em saneamento e sistemas de vigilância epidemiológica que levem em conta o cenário urbano e as vulnerabilidades sociais. "Estamos diante de um mundo interdependente. As soluções também precisam ser".

Economia, alimentação e saúde: desafios

Ricardo Rocha, professor, economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE), argumenta que a mudança populacional terá efeitos diferentes de acordo com a região do planeta. “Essa explosão demográfica ou digressão vai acontecer de forma diferente entre os continentes. No caso do Brasil, nós temos mais de 200 milhões de habitantes, vamos ter uma diminuição em mais de 20% da população, chegando a cerca de 168 milhões de habitantes”, explica.

Ricardo Coimbra, mestre em economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor universitário, destaca que o aumento da população africana vai gerar mudanças no consumo global. “Você pode ter uma mudança no mercado consumidor mundial, direcionado para o crescimento de consumo na África, e isso pode elevar os custos produtivos e principalmente de matérias-primas de commodities”, explica o docente.

Vladimir Feijó lembra que o continente africano se tornará um dos maiores mercados consumidores do planeta, com demanda crescente por infraestrutura, bens e serviços. No entanto, esse cenário também pressiona os sistemas ambientais e alimentares globais. "Eventos extremos, degradação de solos, escassez hídrica e desperdício dificultam a segurança alimentar. Tecnologias sustentáveis e cooperação internacional serão essenciais", afirma.

Brustolin destaca que a produção de alimentos pode ser tecnicamente suficiente para alimentar a população futura, mas isso depende de mudanças profundas na forma como se produz, distribui e consome. "O problema não é de escassez, mas de acesso e desigualdade", alerta.

A mesma posição é partilhada por Lauro Chaves, docente da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Ele destaca que a tecnologia pode garantir a produção de alimentos suficiente para alimentar toda a população global. “O desenvolvimento tecnológico com certeza vai trazer um aumento na produção de alimentos, mas nós não sabemos em que escala isso vai acontecer então é provável que vamos precisar de algumas mudanças muito bruscas”.

Entretanto, as tecnologias utilizadas o aumento dessa produção podem causar impactos nos sistemas de saúde, se houver por exemplo aumento de doenças como casos de cânceres causados por agrotóxicos mais potentes utilizados para o aumento da produção sendo ao mesmo tempo ainda mais agressivos ao corpo humano que os que são utilizados hoje.

"Se formos botar no agronegócio mundial a resposta para essa demanda alimentar, não podemos esquecer que o agro para aumentar sua produtividade trabalha com agrotóxicos que aumentam a produtividade mas impactam negativamente a saúde da população", explica o Rocha.

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