Na política, o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã e vice-versa. Não são apenas afinidades ideológicas ou programáticas que orientam entendimentos ou desentendimentos. Pragmatismo e necessidade de conquistar, ou manter, espaços de influência costumam ser mais determinantes.
A lógica é antiga no Ceará: em 1958, Parsifal Barroso derrotou Virgílio Távora na eleição para o Governo do Estado. Quatro anos passados, em 1962, Parsifal criou a coligação "União pelo Ceará" e apoiou Virgílio para a sucessão.
Décadas depois, o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio oficializa mais um capítulo da longa tradição cearense de convergência entre adversários políticos. Cinco meses após o anúncio, ele formaliza nesta quarta-feira, 5, a filiação ao União Brasil, partido presidido por aquele que foi o principal adversário do ex-pedetista ao longo da trajetória política.
Quando RC se elegeu prefeito, em 2012, Wagner foi importante apoio de Elmano de Freitas (PT), que concorria com apoio da então ocupante do cargo, Luizianne Lins (PT). Em 2016, Wagner foi ao segundo turno contra Roberto. Em 2020, disputou o segundo turno contra o candidato de situação, José Sarto. Em 2022, RC e Wagner se enfrentaram, mas ambos foram batidos no primeiro turno por Elmano de Freitas, contra cujo grupo agora se unem.
Essa prática é quase uma regra histórica no tabuleiro do poder local e nacional. É nesse ambiente que o embate se torna ponte, e rivais acirrados caminham juntos quando os ventos eleitorais sopram para o mesmo lado.
Segundo o cientista político Cleyton Monte, quanto mais robusta a aliança e quanto mais capilarizada ela for, a candidatura tem uma maior possibilidade de competitividade.
“Quando a gente considera o Executivo, principalmente, ela (a aliança) acontece devido aos incentivos políticos eleitorais, em termos de tempo de TV, mais recursos de fundo eleitoral, maior capilaridade no caso de alguns partidos, maior presença de lideranças políticas. Claro que o pragmatismo é levado em consideração”, explica.
Monte afirma que, mesmo considerando ciclos de alianças mais longevos, ainda há possibilidades de rompimento. “São alianças que são muito tensas. Não há uma unidade ferrenha, uma centralização ferrenha, há sempre possibilidade de deserções”, argumenta.
Sobre os protagonistas dos encontros e desencontros das alianças cearenses, Monte destaca dois nomes: “Domingos Filho, que rompeu com o grupo dos Ferreira Gomes em um dado momento e nos últimos anos foi buscando esse realinhamento. Eunício Oliveira também rompeu em um dado momento, depois se reaproximou. Eu acho que também é típico desse histórico, dessa busca de estar sempre próximo aos espaços de poder”, lista o cientista.
Domingos, atual secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará e presidente do PSD Ceará, rompeu com os Ferreira Gomes em 2016 e voltou à base em 2018. Eunício Oliveira, que derrotou o até então invencível Tasso Jereissati na corrida pelo Senado em 2010, o apoiou em 2014. Tasso, ex-governador, discursou na convenção do antigo adversário e declarou apoio público.
O atual deputado federal Eunício Oliveira (MDB) detalha a reaproximação e parceria com Jereissati para a campanha de 2014. "Eu tinha um projeto de dar continuidade àquela renovação que o Tasso havia feito pelo MDB. Eu fui ao escritório do senador Tasso e o convidei para que ele retornasse às origens do ponto de vista político, no mesmo pensamento político, sem divergência da nossa história. E ele aceitou ser meu candidato ao Senado e eu candidato ao governo", diz Eunício sobre 2014.
"Eu não preciso falar de como foi essa campanha, quanto ela foi bonita, realizadora, do ponto de vista político", relembrou.
Naquele ano, Eunício rompeu a aliança de oito anos com Cid Gomes e enfrentou Camilo Santana (PT). A campanha foi agressiva. Eunício questionava por que as promessas feitas por Camilo não foram concretizadas nos oito anos de governo Cid e ironizava o petista, afirmando que ele, “quando lhe era conveniente”, discursava como se fosse responsável por tudo que a gestão fez. Já Camilo falava em “contradição” de Eunício afirmando que ele considerava Cid “o melhor governador da história”.
Derrotado naquele ano, Eunício contou como se deu a reaproximação. Relatou ter recebido ligação do petista propondo a união das duas forças. “O Camilo me procura, governador do Estado, e diz o seguinte: ‘Nós somos dois homens públicos, nunca nos agredimos, disputamos a eleição, um ganhou por muito pouco, o outro perdeu por muito pouco. E eu acho que nós dois temos compromisso com o Estado’”, narra Eunício, que era presidente do Senado.
Com a reaproximação, em 2018 Eunício selou aliança com o petista. Mas a parceria se mostrou diferente do que previa. Dois movimentos simultâneos do PDT no Ceará isolaram Eunício e deixaram o MDB fora da chapa oficial de Camilo Santana. A aliança foi apenas informal.
“O resultado, eu não tive aliança em 2018 porque eu nem fiquei na oposição, nem fiquei na situação. Eu não fiz parte em 2018 de nenhuma chapa. Nem era da oposição e nem era da situação”, diz Eunício.
Camilo, inclusive, afirmou que o emedebista era “seu candidato” para o Senado na época, movimentos que se repetem recentemente. Eunício terminou o ano com uma derrota surpreendente contra Eduardo Girão (Novo).
Uma das semelhanças entre 2018 e 2026 é que as duas vagas para o Senado Federal, de Cid Gomes (PSB) e Eduardo Girão, estão em evidência. Nem Cid, nem Girão pretendem voltar ao cargo, e Eunício não pretende abrir mão da oportunidade.
Colega de chapa de Eunício em 2014, Jereissati também protagonizou jogadas importantes na política cearense. Em 1986, o jovem político venceu as eleições para governador do Ceará com o apoio do governador da época, Gonzaga Mota. No ano seguinte, as duas partes romperam a aliança. Em 1998, os dois se enfrentaram nas urnas: Tasso para o terceiro mandato na gestão estadual e Mota como candidato adversário pelo PMDB. Dizia ser a disputa da "jangada contra o Titanic". Que não afundou daquela vez.
Anos depois, em 2003, Gonzaga ingressou no PSDB de Tasso, selando a reaproximação. “É uma adesão importante”, falou Tasso quando Gonzaga se filiou ao partido. “Uma liderança que teve papel significativo nos novos tempos vividos pelo Ceará”, disse.
No mês passado, Tasso recebeu de volta no PSDB Ciro Gomes, que também deixou o PDT. Ele e o ex-senador foram aliados de meados da década de 1980 até 2010. Ficaram afastados até 2020 e agora estão de novo na mesma legenda.
Parsifal Barroso derrota Virgílio Távora
Parsifal Barroso e Virgílio Távora se aliam na União pelo Ceará
Gonzaga Mota lança Tasso Jereissati para o Governo do Ceará
Governador, Tasso rompe com Gonzaga Mota
No primeiro mandato de Tasso Jereissati no governo, Sergio Machado era o secretário de Governo e Moroni Torgan, secretário da Segurança Pública
Tasso e Moroni rompem por causa do "caso França", escândalo de corrupção policial
Tasso e Gonzaga Mota se enfrentam nas urnas para o Governo do Estado. Tasso vence e tem terceiro mandato como governador do Ceará
Sergio Machado, rompido com Tasso desde a segunda metade da década anterior, disputa o governo com apoio de Moroni. Tasso apoia Lúcio Alcântara, que foi eleito
Gonzaga Mota se filia ao PSDB de Tasso
Tasso e Lúcio rompem antes das eleições para governador. Tasso apoia Moroni para o Senado. Cid Gomes foi eleito governador e Tasso aderiu à base
Tasso rompe com Cid e Ciro Gomes, que apoia Eunício Oliveira e José Pimentel, eleitos para o Senado
Roberto Cláudio, com apoio de Cid Gomes, é eleito prefeito. Tem entre os adversários Elmano de Freitas e Moroni Torgan. Elmano é apoiado por Capitão Wagner
Eunício Oliveira rompe com Cid Gomes e se alia a Tasso e Capitão Wagner. E emedebista disputa o governo contra Camilo Santana e perde
Moroni vira vice de Roberto Cláudio na reeleição para a Prefeitura de Fortaleza
Domingos Filho rompe com Camilo Santana e Cid Gomes
Domingos volta a se aliar ao grupo de Camilo e Cid. Lúcio Alcântara volta ao PSDB. Eunício se alia a Camilo
Tasso se reaproxima de Ciro e Cid Gomes e apoia José Sarto a prefeito de Fortaleza
Roberto Cláudio, com apoio de Ciro Gomes, enfrenta e é derrotado por Elmano de Freitas, aliado de Camilo Santana, na disputa pelo governo
Roberto Cláudio sai do PDT, filia-se ao União Brasil e se alia à lideranças bolsonaristas. Ciro também sai do partido e se filia ao PSDB de Tasso.
Rivalidades e alianças inusitadas moldam carreira política de Lula
Quando questionado sobre as alianças e rupturas possivelmente contraditórias, Ciro Gomes (PSDB) — e os novos e velhos aliados — costumam apontar para o lado hoje adversário e cobrar a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Personagem mais relevante da política brasileira no pós-redemocratização, com três mandatos presidenciais e intenção de disputar o quarto, Lula tem a trajetória marcada não só por embates com adversários históricos, mas também por reaproximações que, muitas vezes, nasceram de antigos antagonismos.
Marcando um lugar entre os embates notáveis, a rivalidade de Paulo Maluf com Lula e o PT. Um egresso da ditadura militar, o outro produto da nova República. Os dois se enfrentaram diretamente na eleição de 1989. Maluf foi ainda adversário do PT em eleições em São Paulo ao longo da década de 1990. Em 2012, os dois se aliaram na eleição para a prefeitura paulistana, em torno de Fernando Haddad (PT) e Lula foi criticado quando os dois apertaram as mãos firmando o acordo que garantia tempo de rádio e TV à campanha petista.
Em 2022, Lula convidou Geraldo Alckmin (PSB), adversário em 2006, para ser seu vice na disputa presidencial, como um gesto de reconciliação nacional, mas também respondia à necessidade de ampliar o arco de alianças para além da esquerda. Os dois tiveram de responder sobre declaração do ex-tucano, em 2017, que afirmava que Lula pretendia "voltar à cena do crime".
Segundo o cientista político Tiago Valenciano, o PT tem demonstrado a capacidade de renovar quadros, reorganizar-se e fazer a leitura do cenário político, como em 2022, para dar um passo atrás, retornar com sua liderança mais popular e vencer a presidência.
Em 2009, Lula já havia reatado com o ex-presidente Fernando Collor, que o derrotou em 1989. Collor, que por anos foi alvo de críticas ferozes do PT, passou a apoiar o governo petista. O mesmo Collor que, anos depois, se aliou a Jair Bolsonaro.
Em 2015, Marta Suplicy, que foi prefeita, senadora e ministra pelo PT, deixou a sigla criticando os escândalos da Lava Jato e apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. Em 2024, retornou ao PT.
Marina Silva deixou o partido em 2009 após divergências ambientais e éticas, e, quando candidata à Presidência, afirmou ao O Globo que via Lula como "corrupto" e não se arrependia de apoiar o impeachment de Dilma. A agressividade da campanha da petista em 2014 contra Marina foi fator de mágoa. Mas não a impediu se se tornar ministra do Meio Ambiente no atual governo.
Pra Tiago, Lula é um dos principais operadores políticos do Brasil. "Se tem algo que o Lula sabe fazer muito bem, é política. Ele sabe convencer as pessoas, ele sabe conversar, ele sabe ceder espaços, ele sabe avançar quando é preciso, ele sabe retroceder quando é necessário", argumenta o cientista.
Segundo ele, "as pessoas avaliam muito o Lula pela capacidade de governar ou até mesmo pela rejeição que ele pode trazer em relação à sociedade. Só que a gente não pode menosprezar o fato de que Lula é uma pessoa que tem capacidade imensa de se transformar de uma liderança operária. Então ele é um dos principais operadores políticos do Brasil, mas de longe".
O cientista considerada a aliança com José Alencar (PL) em 2002 como a mais emblemática e que mais chamou a atenção. O PL, que em 2002 foi vice do PT, hoje é inimigo ferrenho do PT. (Mariana Lopes)
• Foram adversários em 1989 e 1994
• Formaram aliança em 1998
• Em 2002, apoiou Ciro contra Lula. Ficou com Lula no 2º turno
• Foram adversários nas eleições de 1989
• Se aproximam em 2006 (Senado)
• Collor apoiou Dilma em 2010 e 2014
• Em 2016, Collor rompeu com o PT e se aproxima de Bolsonaro
• Foram adversários nas eleições de 1989 e em muitas disputas locais
• Em 2012, apoiou a candidatura de Fernando Haddad (PT) em São Paulo
• O PL foi o grande aliado do PT quando Lula se elegeu presidente pela primeira vez em
2002. José Alencar (PL) foi vice-presidente de Lula em 2002 e, já no PRB, em 2006. Em 2014, como PR, apoiou a reeleição de Dilma Rousseff
• Em 2018, apoiou Geraldo Alckmin
• Em 2021, recebeu Jair Bolsonaro, que enfrentou Lula na eleição de 2022
• Ciro foi adversário de Lula em 1998 e 2002. Nessa última, aderiu a Lula no 2º turno
• Virou ministro de Lula, mas seguiu adversário do PT no Ceará até aliança em 2006
• Em 2018, enfrentou Fernando Haddad e passou a se distanciar do PT
• Em 2022, rompeu aliança de quase duas décadas com o PT também no Ceará. Voltou a enfrentar Lula para presidente
• Militante do PT (1980–2015)
• Rompeu com o partido em 2015 afirmando que a sigla era reincidente em casos de desvios éticos
• Apoiou o impeachment de Dilma Rousseff em 2016
• Em 2024, retornou ao PT para disputar a Prefeitura de São Paulo como vice de Guilherme Boulos (Psol)
• Ciro apoiou a eleição de Tasso e, após a vitória, tornou-se líder do governo
• Tasso lançou Ciro para prefeito de Fortaleza, eleito em 1988, e a governador do Ceará, eleito em 1994
• Ciro apoia Tasso a governador, em 1994
• Em 1997, Ciro deixa o PSDB, partido de Tasso, e concorre a presidente em 1998 pelo PPS
• No Ceará, Ciro apoia a reeleição de Tasso em 1998. Por motivo partidário, Tasso apoia a reeleição de FHC
• Em 2002, Ciro concorre a presidente de novo pelo PPS. Tasso desta vez o apoia contra o candidato do partido, José Serra. Ciro apoia informalmente o PSDB no Ceará
• Em 2006, Ciro lança o irmão Cid Gomes a governador, com apoio do PT. O PSDB tem Lúcio Alcântara candidato à reeleição sem apoio de Tasso. Passada a eleição, o PSDB adere ao governo Cid
• Sem garantia de apoio para o Senado, Tasso rompe com o governo Cid em 2010 e se distancia de Ciro. O tucano perde a eleição para o Senado
• Em 2014, Tasso apoia Eunício Oliveira a governador contra Camilo Santana, candidato do PT, de Cid e de Ciro. Tasso volta a se eleger senador contra Mauro Filho, aliado de Ciro
• Em 2020, Tasso apoia José Sarto a prefeito de Fortaleza, marco da retomada da aliança com Ciro
• Em 2022, Tasso apoia Roberto Cláudio, candidato de Ciro, a governador. O vencedor é Elmano de Freitas, candidato do PT e de Camilo
• Em 2024, Tasso apoia a reeleição de Sarto, que é derrotado por Evandro Leitão, candidato do PT, de Elmano, de Camilo e de Cid
• Em 2025, Ciro e Sarto se filiam ao PSDB
• Em setembro de 1994, Ciro se torna ministro da Fazenda de Itamar Franco, que apoiava Fernando Henrique Cardoso a presidente. Era o momento final da campanha
• No começo do governo FHC, Ciro se afastou. Logo passou a fazer críticas
• Em 1997, Ciro deixou o PSDB e ingressou no PPS, pelo qual concorreu a presidente como oposição a FHC em 1998 e 2002. Pelas décadas seguintes, Ciro travou polêmicas públicas com FHC sobre os respectivos papeis no Plano Real. Foi também crítico das políticas econômicas, que considera terem sido mantidas em linhas gerais até o atual governo de Lula
• Em 2025, pelas mãos de Tasso Jereissati, retornou ao PSDB.