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Da Ásia a América do Sul, geração Z começa a mudar a política
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Da Ásia a América do Sul, geração Z começa a mudar a política

Após vários países asiáticos terem passado por transformações políticas lideradas por uma geração nascida na era digital, manifestações do tipo chegam ao Peru e Paraguai, sob forte repressão policial
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Ato em frente ao gabinete 
do regente em Pati (Foto: FOTOS AFP)
Foto: FOTOS AFP Ato em frente ao gabinete do regente em Pati

Uma fúria juvenil tem percorrido diversos lugares do mundo. Do Nepal à Indonésia, passando pelas Filipinas, Bangladesh e Sri Lanka, vários países asiáticos viram seus jovens irem às ruas manifestar seu descontentamento com a corrupção e a desigualdade — e serem reprimidos com violência. Desde setembro, os protestos chegaram também à América Latina.

No Peru, as mobilizações derrubaram a presidente Dina Boluarte. Os protestos eclodiram em 20 de setembro, após reformas no sistema de pensões do país que exigem que todos os peruanos com mais de 18 anos se filiem a um fundo de pensão. O movimento também foi insuflado pela raiva de longa data contra Boluarte e o Congresso, alimentada por escândalos de corrupção, instabilidade econômica e aumento da criminalidade. A repressão tem sido violenta. 

Tudo funciona através das redes sociais: eles organizam as manifestações, as reuniões e tomam decisões.

Setores conservadores peruanos comparam os manifestantes aos terroristas do sangrento e extinto grupo Sendero Luminoso.

O cenário de crise política não é recente no Peru. O país passou por sete governos na última década, incluindo o atual. A antecessora, Dina Boluarte, foi a primeira mulher a tornar-se presidente do país, em 2022, após um autogolpe de Estado fracassado de seu colega de chapa, o presidente Pedro Castillo. Além de destituído do poder, ele também foi preso.

A ex-presidente interina atingiu os piores índices de popularidade de um líder peruano — sua aprovação caiu de cerca de 21% no início do mandato para apenas 2% a 4%.

O presidente do parlamento peruano, José Jerí, de 38 anos, assumiu interinamente a Presidência, apesar de ter sido investigado por estupro. A denúncia, aberta em janeiro de 2025, foi arquivada em agosto pelo Ministério Público por falta de provas. Ele nega as acusações.

Mas o descontentamento popular que toma as ruas do Peru ultrapassa a conjuntura atual, e os protestos apontam para a classe política com gritos de "saiam todos". "Não vou renunciar, vou continuar com a responsabilidade", respondeu Jerí à imprensa sobre sua permanência no cargo.

Os protestos ocorrem também no Paraguai, um dos países mais corruptos da América Latina, de acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2024 elaborado pela Transparência Internacional.

No fim de setembro, os manifestantes tomaram o centro de Assunção em resposta a um chamado divulgado nas redes sociais. A concentração aconteceu em frente ao Congresso, e uma marcha seguiu pelas ruas da capital. O lema do protesto foi "Somos 99,9%. Não queremos corrupção".

"Há informação e comunicação sobre o que acontece em outros lugares. O que é novo neste protesto dos jovens no Paraguai é a forma de se organizar", ressalta Lilian Soto, médica, política e ativista feminista. As redes sociais fervilharam após os protestos em Assunção, denunciando uma repressão violenta por parte das forças de segurança, com mais de 30 prisões.

No Nepal, os protestos levaram à suspensão do veto às redes sociais e à renúncia do primeiro-ministro. Mas a repressão violenta das autoridades também resultou em muitas vítimas, com pelo menos 72 pessoas mortas e mais de 2,1 mil feridas.

Apesar dos riscos, as conquistas dos manifestantes nepaleses inspiraram outros grupos liderados por jovens a se formarem em todo o mundo.

"Vimos o que aconteceu no Nepal e, honestamente, isso despertou o nosso entusiasmo", disse Virgilus Slam, um poeta que se juntou aos ativistas da Geração Z em Madagascar. É ainda mais empoderador "ver este movimento popular, liderado por nós, os jovens, emergir e crescer pouco a pouco sob esta bandeira". 

Em Madagascar, o presidente Andry Rajoelina fugiu do país "para proteger a própria vida" depois de uma unidade de elite das Forças Armadas se voltar contra o governo, após semanas de protestos liderados por jovens. A unidade militar de elite, a Capsat, aderiu às manifestações e exigiu a renúncia do presidente e dos ministros.

A Capsat declarou que assumiu o comando das Forças Armadas e nomeou um novo chefe militar, o coronel Michael Randrianirina, que foi nomeado presidente.

Os protestos, iniciados em 25 de setembro, começaram por causa de cortes recorrentes de água e energia, mas evoluíram para um movimento mais amplo contra o governo, com queixas sobre corrupção, custo de vida e falta de acesso à educação. 

A situação é a mais grave desde 2009, quando o próprio Rajoelina chegou ao poder com o apoio da Capsat após um golpe militar que derrubou o então presidente Marc Ravalomanana. Ele foi eleito presidente em 2018 e reeleito em 2023, em uma votação boicotada pela oposição. (DW e AFP)

One Piece se torna símbolo

Um símbolo está presente na leva de manifestações: uma caveira com um chapéu de palha, do popular mangá japonês "One Piece", sobre piratas caçadores de tesouros. No anime de 1997, a bandeira é carregada por um bando de piratas de chapéu de palha que enfrentam governantes corruptos e repressivos. A imagem acabou se tornando um emblema de rebeldia e esperança para os manifestantes da geração Z em toda a Ásia, e além.

Na Indonésia, a bandeira é vista pendurada do lado de fora de casas e carros. No Nepal, foi colocada nos portões dourados do palácio que abriga o parlamento — em chamas —, enquanto os jovens derrubavam o governo. Agora ela tem sido vista no Peru e no Paraguai.

Leonardo Munoz é um dos manifestantes em Lima que abraçou o símbolo. "O personagem principal, Luffy, viaja de cidade em cidade libertando pessoas de governantes tirânicos e corruptos em cidades de escravos", disse Munoz.

Na Indonésia, alguns funcionários sugeriram que exibir o emblema de "One Piece" equivalia a traição; batidas policiais foram realizadas em vários lugares do país para remover as bandeiras e murais, levando a Anistia Internacional a condenar a repressão ao símbolo.

"One Piece é, sob muitos aspectos, a série de mangá mais bem-sucedida e popular de todos os tempos", explica a especialista em mangá e anime Andrea Horbinski, autora do livro Manga's First Century: How Creators and Fans Made Japanese Comics, 1905-1989 (O primeiro século do mangá: como criadores e fãs fizeram os quadrinhos japoneses, 1905-1989), que será lançado em breve.

No centro do complexo universo do mangá, One Piece acompanha o jovem capitão Luffy e a tripulação, os Piratas do Chapéu de Palha, enquanto eles desafiam poderes corruptos, incluindo o autocrático Governo Mundial. "Luffy e sua tripulação defendem a liberdade, a escolha individual e seguir o próprio coração", disse Andrea Horbinski. (DW)

Cultura pop nos protestos

Embora as questões em cada país variem, a bandeira de One Piece é um dos elementos que unem os protestos da Geração Z. Para pessoas que passaram toda a sua vida imersas na cultura popular e nos memes, as referências a essas imagens têm um poder unificador.

"Certamente houve muitos outros casos nos últimos 10 a 15 anos em que as pessoas trouxeram sinais e símbolos da cultura pop para os protestos", diz a especialista em mangá Andrea Horbinski.

Entre eles, a máscara de Guy Fawkes, do quadrinho e filme V de Vingança, permitiu que os manifestantes do "Occupy Wall Street" em 2011 expressassem descontentamento enquanto permaneciam anônimos.

Da mesma forma, referências ao filme Coringa começaram a aparecer em protestos em 2019 em lugares como Chile, Líbano e Hong Kong. Para expressar opiniões, os manifestantes usavam maquiagem semelhante à do personagem-título do filme — um homem excluído da sociedade e psicologicamente instável, levado à violência por negligências do sistema.

A saudação com três dedos da série Jogos Vorazes era um sinal de rebelião contra o Capitólio no universo ficcional. Ela foi adotada, entre outros, na Tailândia (a partir de 2014), Mianmar (2021) e Hong Kong. O governo tailandês a proibiu como um ato subversivo.

Na China, usuários de mídias sociais e ativistas políticos têm comparado satiricamente o líder do país, Xi Jinping, ao Ursinho Pooh, o que também levou à proibição de representações do amado ursinho de pelúcia fictício no país.

Quem é a geração Z

Compõem a chamada geração Z as pessoas nascidas entre o fim da década de 1990 e o começo dos anos 2010. São os chamados nativos digitais. Nasceram conectados e estão sempre nesse estágio.

A geração influencia comportamentos e provoca as primeiras mudanças no mundo do trabalho e, também, da política. Padrões passam a ser questionados.

Uma questão que não surge com os jovens, mas ganha cada vez mais protagonismo, diz respeito à saúde mental. As altas taxas de depressão, transtorno de déficit de atenção e vício em tecnologia suscitam reflexões e mudanças.

Quem são as gerações

A divisão em gerações não é consenso. As conceituações abrangem períodos longos e as características não são uniformes, principalmente entre diferentes países e culturas. A conceituação surge no meio empresarial, na tentativa de classificar trabalhadores e clientes. Uma das classificações adotadas é a seguinte:

Geração silenciosa: nascida entre o começo da década de 1990 e a Segunda Guerra Mundial, até 1945.

Assim chamada por ser considerada mais reservada que as anteriores, e posteriores. Viveu sobre os rigores da Grande Depressão e da guerra. Teve criação mais rígida. Viu a popularização do rádio e do cinema e o surgimento da televisão

Babyboomers:
nascidos do fim da Segunda Guerra até meados da década de 1960

Ao final da Segunda Guerra Mundial, houve euforia, otimismo e o chamado "baby boom", uma explosão de natalidade. A euforia durou pouco, porque veio a Guerra Fria e a ameaça de apocalipse nuclear

Geração X: de meados da década de 1960 ao começo da década de 1980.

Não se sabia o que esperar daquela geração, daí ter sido classificada de X. Atravessou a Guerra Fria, a contracultura. No Brasil, a ditadura militar. Foi criada sob condições econômicas mais difíceis que as dos pais

Millennials, a geração Y: do começo da década de 1980 até por volta a segunda metade da década de 1990.

É a geração nascida até por volta da virada do milênio

Geração Z: nascida entre o fim da década de 1990 até por volta de 2010

Geração Alpha:
a partir dos anos 2010

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