Os dados são considerados o novo (e infinito) petróleo. Englobam fatos, números, palavras, observações e informações brutas, que, sozinhos, não têm significado claro. Mas quando organizados e processados, torna-se uma matéria-prima que permite prever comportamentos, moldar decisões e estratégias capazes de consolidar a influência sobre a vida pública e privada em escala planetária.
“Quem controla o código, controla o mundo”, diz o jurista, conselheiro governamental e CEO da EvidJuri, Sthefano Cruvinel. “O monopólio não está mais no petróleo, no aço, nas coisas tangíveis, e sim na informação”, afirma.
Esse mercado, quem controla são os bilionários dos Estados Unidos. Na lista da Forbes, os seis maiores bilionários do mundo em outubro, somam um montante de US$ 2,3 trilhões, são a cabeça pensante por trás das principais redes sociais, mecanismos de busca e de entretenimento, e de veículos de comunicação.
Na lista masculina estão Elon Musk, Larry Ellison, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Larry Page e Sergey Brin, em ordem decrescente de patrimônio líquido. O último reuniu um valor de US$ 189 bilhões, equivalente a R$ 1 trilhão.
Eles são o rosto de gigantes da tecnologia, como Google (Alphabet), Amazon, Meta, Paramount e Oracle, onde as operações baseadas em dados e sistemas apresentam lucros e margens muito superiores às operações tradicionais, como petróleo ou aço.
Segundo Sthefano, essas plataformas participam de algo chamado "prosumer": uma junção de produtor e consumidor, pois, ao mesmo tempo, consomem e produzem o conteúdo publicado nas plataformas digitais.
“Os dados que compartilhamos são constantemente utilizados por essas plataformas para gerar lucro e rentabilizar seus próprios serviços. Portanto, não se trata apenas de um instrumento de controle, embora também cumpra esse papel. É, sobretudo, uma poderosa forma de rentabilização, na qual a atividade dos usuários se converte diretamente em valor econômico”, explica o jurista.
Os dados brutos são transformados em informação trabalhada, empacotada e vendida, o que permite reduzir o custo do capital em sua reprodução, como uma refinaria. A principal, e recente, alavanca financeira advém da capacidade de usar algoritmos e Inteligência Artificial (IA) para entender e antecipar ações em escala planetária.
Em outubro, Musk alcançou o patrimônio líquido de US$ 500 bilhões, batendo o próprio recorde e chegando na metade do caminho para se tornar o primeiro trilionário da história. Ele é dono da Tesla, SpaceX, presidente e diretor de tecnologia do X (antigo Twitter) e fundador da xIA, que levantou US$ 6 bilhões apenas em maio de 2024, quando retornou ao topo da lista dos mais ricos do mundo após períodos em que oscilava no ranking.
O dono da Tesla ainda é cotado como um dos interessados em comprar a plataforma chinesa TikTok. O presidente da Oracle, segundo lugar da lista dos mais ricos, e antigo apoiador do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Larry Ellison, também demonstrou interesse.
A Oracle, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, é responsável por hospedar parte significativa da infraestrutura do TikTok, administrando diversos Data Centers onde são armazenados bilhões de vídeos da plataforma.
“Estamos falando de um nível de concentração de renda jamais visto na história da humanidade. Para que essas pessoas consigam continuar sendo grandes acumuladoras de riqueza, é preciso que todo esse patrimônio esteja em constante movimento”, afirma a professora Janaynna Ferraz. “Essa é a dinâmica do capitalismo, é a própria essência do sistema. O que muda é como o capitalismo se manifesta ao longo do tempo”, acrescenta.
Janaynna é professora adjunta do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ela mostra que o que há de particular hoje que torna esses homens tão poderosos é, “justamente, a necessidade de manter sua fortuna sempre em movimento, alimentando continuamente o próprio mecanismo que a sustenta”.
Essa dinâmica se manifesta de forma evidente onde a inovação constante e o domínio sobre o fluxo global de informação são motores de acumulação e influência. Mas o domínio hoje não é apenas sobre a tecnologia, e sim sobre a percepção.
O algoritmo, uma sequência finita de instruções bem definidas que orienta um sistema a chegar a um resultado desejado, tem o poder de decidir o que verá cada pessoa, influenciando não só a decisão de consumo dos usuários, mas também em quem votam.
Esse conceito é um dos pilares do sucesso das redes sociais. O terceiro lugar no pódio dos bilionários é do arquiteto da vida social digital, Mark Zuckerberg. Desde 2004, quando criou o Facebook, ele vem expandindo seu império, hoje rebatizado de Meta, que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, plataformas utilizadas por mais de três bilhões de pessoas.
Este ano, Zuckerberg anunciou mudanças nas políticas de suas plataformas, logo após a confirmação do segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. O bilionário decidiu encerrar o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-os por "notas da comunidade", em um modelo semelhante ao do X de Elon Musk.
“Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura”, afirmou Zuckerberg.
Para Janaynna Ferraz, a modelagem da percepção pelos algoritmos é um instrumento político e financeiro decisivo para a manutenção do poder desses bilionários e plataformas. E, além desse controle estratégico dos meios de comunicação, é importante observar a relação dessas empresas com grupos políticos.
Contrastando com o mês de janeiro de 2021, quando reconheceu caso "chocante" no Capitólio para banir Trump das redes, Zuckerberg reuniu-se com Trump na Casa Branca dias antes de o presidente ameaçar, em suas redes sociais, países que pretendiam tributar ou regulamentar grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos.
“Hoje, é difícil imaginar um político ou uma força social que não dependa dessas redes como base de comunicação. A capacidade de pautar o debate público e organizar a opinião coletiva tornou-se decisiva. Nesse contexto histórico, a comunicação não é apenas uma ferramenta, é um elemento central para o exercício e a manutenção do poder”, destaca Ferraz.
Comunicação e narrativa: o ativo estratégico das big techs
Em um cenário em que a comunicação se tornou instantânea e globalizada, quem domina as ferramentas que organizam e distribuem o discurso público passou a deter uma vantagem estratégica capaz de moldar percepções.
Como descreve o advogado especialista em Direito Empresarial, Marco Antônio C. Allegro, as plataformas digitais não funcionam como veículos de comunicação tradicionais, mas atuam como intermediárias tecnológicas que exercem poder de moderação sobre o que as pessoas dizem ou deixam de dizer.
"O que elas podem alterar são critérios de visibilidade, alcance de discursos e, além disso, impactar na circulação de ideias, o tema de interesse público, relevante", afirma Allegro. E para os grandes conglomerados digitais, moldar o discurso público é também moldar mercados e decisões de governo.
Os principais CEOs das grandes Big Techs têm usado influência para diminuir a visibilidade de críticas a governos, como o de Trump nos EUA, e para angariar contratos estatais, caracterizando práticas de influência financeira.
Jeff Bezos, por exemplo, além de comandar a Amazon, adquiriu o Washington Post em 2013, transformando-se também em um dos proprietários privados mais relevantes de veículos de comunicação nos Estados Unidos. Bezos é o quarto maior bilionário do mundo, com fortuna de US$ 233,5 bilhões, equivalente a R$ 1,24 trilhão.
No Brasil, políticos e influenciadores usufruem da capacidade de alcance que essas plataformas oferecem. Em janeiro, vídeo feito pelo parlamentar Nikolas Ferreira (PL-MG), onde afirmava que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iria taxar o Pix, atingiu centenas de milhões de visualizações rapidamente e foi apontado como um dos principais motivos para o recuo do governo em relação à medida anunciada pela Receita Federal.
Após o episódio, o deputado, inclusive, ultrapassou Lula em número de seguidores no Instagram.
Estudo da BBC News Brasil, com base em dados da Meta, mostrou que 90% dos anúncios pagos sobre o tema do Pix nas plataformas da empresa tinham conteúdo contrário às medidas propostas pelo governo. Os anúncios somaram entre 2,8 milhões e 3,4 milhões de impressões.
Enquanto essas empresas dominam a infraestrutura, os Estados e a sociedade civil perdem o poder e a autonomia para gerar processos democráticos de deliberação ou de manutenção da liberdade de expressão.
"Sobretudo desde a pandemia, a concentração de poder e de recursos econômicos em poucas empresas avançou como nunca", explica o pesquisador doutor em tecnologia, IA e sociedade e direitos Tarcizio Silva.
O resultado é uma esfera pública cada vez mais mediada por interesses corporativos e políticos, em que o poder de decidir o que é relevante ou verdadeiro pertence a um pequeno grupo de empresas e seus executivos.
A IA na equação: o futuro já está aqui?
A aceleração da inteligência artificial (IA) tornou-se um dos principais vetores de transformação tecnológica e econômica do século XXI. Empresas de tecnologia investem bilhões de dólares no desenvolvimento de sistemas complexos, mesmo que muitos deles ainda não sejam rentáveis ou apresentem fragilidades técnicas.
Especialistas destacam que esses sistemas são lançados sem testes rigorosos de análise de impacto algorítmico com participação social, indicando uma lacuna entre capacidade técnica e preparação ética para lidar com possíveis consequências nocivas.
Segundo Marco Antônio C. Allegro, advogado especializado em Direito Empresarial, a integração da IA exige estratégia e supervisão especializada. Sem isso, os algoritmos podem gerar "alucinações jurídicas".
"A inteligência artificial pode trazer falhas para o usuário e trazer algum tipo de insegurança. Inclusive, já vimos casos que, inclusive, saíram na mídia de 'alucinações jurídicas' — casos em que a inteligência artificial inventou jurisprudências ou interpretações de tribunais utilizados de forma errônea e acabaram por prejudicar o cliente", exemplifica o advogado.
A ascensão da IA não apenas aumenta a produtividade, mas, quando combinada com análise preditiva comportamental e engenharia social, cria um modelo que especialistas chamam de "monopólio transcendente global".
A capacidade de processar informações muito mais rápido do que o ser humano, aliada ao controle de grandes bancos de dados, oferece às empresas uma influência significativa sobre mercados, políticas públicas e o debate social.
No entanto, embora as empresas que detêm essas plataformas estejam tecnicamente preparadas para lidar com os impactos nocivos da IA, elas eticamente não estão preparadas (nem dispostas).
Para o pesquisador Tarcizio Silva, as empresas que detêm essas plataformas estão tecnicamente preparadas para lidar com impactos nocivos, pois sempre seria possível adiar o lançamento dos sistemas até a realização de testes cuidadosos de análise e avaliação de impacto algorítmico com participação social.
"Estas empresas decidiram não realizar isso. É muito importante deixar isso explícito, não há nenhuma inteligência artificial que nasce de um pé de manga; estamos falando de decisões institucionais e empresariais", explica Tarcizio.
O pesquisador ainda destaca que a corrida pela produção de valor para o mercado financeiro e deixa, na sua trajetória, "impactos nocivos como algo compartilhado que governos, estados, sociedade civil, e outras empresas precisam correr atrás para tentar mitigar riscos".
"Enquanto isso, as grandes empresas que têm desenvolvido e implementado esses sistemas nessa corrida, alegam que é uma tecnologia indispensável, que não pode ser construída de outra forma, e isso é uma mentira", afirma.