Correm no Congresso Nacional dois projetos de lei com foco em segurança pública e combate ao crime organizado: o "PL antifacção", assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o "PL antiterrorismo", de autoria do deputado federal cearenso Danilo Forte (União Brasil) e abraçado pelos conservadores no Congresso.
O projeto antifacção é a aposta do governo Lula para contrapor a proposta da oposição, que quer enquadrar facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas. Ambos ganharam tração após a megaoperação contra o CV nos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, informou que o governo é "terminantemente contra" a equiparação das facções brasileiras a organizações terroristas, como quer a oposição.
Segundo Gleisi, essa equiparação abriria margem para que outros países atacassem o Brasil. "O governo é terminantemente contra, nós somos contra esse projeto que equipara as facções criminosas ao terrorismo. Terrorismo tem objetivo político e ideológico, e o terrorismo, pela legislação internacional, dá guarida para que outros países possam fazer intervenção no nosso País", disse a ministra.
Hoje a principal aposta da oposição para a eleição presidencial de 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defende que facções criminosas sejam enquadradas como organizações terroristas. Segundo Tarcísio, o objetivo é construir "o melhor texto possível" para fortalecer a segurança pública.
Tarcísio afirmou que o País "não pode aceitar organizações que ergam barricadas e imponham o terror territorial", obrigando moradores e comerciantes a agir sob autorização de criminosos. Para Tarcísio, esse tipo de atuação deve ser enquadrado como terrorismo. O projeto do governo Lula não faz tal classificação, mas endurecia penas e estabelecia novos mecanismos de investigação.
Segundo o chefe do Executivo paulista, é preciso rever também o tamanho das penas, para que o Judiciário não leve em conta "apenas delitos de menor gravidade" e acabe permitindo que reincidentes voltem rapidamente às ruas.
Inicialmente, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL-SP), iria relatar o projeto de Danilo Forte. Mas, na sexta-feira, 7, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) anunciou que Derrite seria, na verdade, relator do projeto enviado pelo governo.
A indicação provocou reação de governistas. Mas não adiantou: o relator já anunciou mudanças. Ele alterou o texto para equiparar organizações criminosas a organizações terroristas. O deputado aproveitou para elevar a pena máxima para terroristas de 30 para 40 anos.
"Não se trata de classificar as organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas como "organizações terroristas" em sentido estrito, mas de reconhecer que certas práticas cometidas por essas estruturas produzem efeitos sociais e políticos equivalentes aos atos de terrorismo, justificando, portanto, um tratamento penal equiparado quanto à gravidade e às consequências jurídicas", argumenta.
O relatório foi apresentado pouco menos de duas horas depois do anúncio oficial do presidente da Câmara. O projeto já foi incluído na pauta do Legislativo nesta semana.
Lei Antifacção x Lei Antiterrorismo: entenda as propostas
Projeto antifacção
Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e enviado ao Congresso na semana passada, o projeto traz mudanças em leis como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei da Prisão Temporária e a Lei de Execução Penal.
Estão previstos o estabelecimento de um novo tipo penal (organização criminosa qualificada), aumento de pena para líderes de organizações criminosas e a criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas, entre outras medidas.
A pena de integrantes de facção criminosa passaria para o prazo de cinco a dez anos de prisão, enquanto integrar facções com controle territorial ou de atividades econômicas teria pena de 8 a 15 anos de reclusão.
A proposta vem após entraves colocados à proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que sugere a integração de ação dos governos federal, estadual e municipal para atacar o crime organizado.
Projeto antiterrorismo
O projeto de lei é de autoria do deputado federal cearense Danilo Forte (União Brasil). A proposta estava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na semana passada, mas foi adiada duas vezes.
O texto já tem requerimento de urgência aprovado, o que garantiria a votação direto no plenário da Casa, mas o Partido Liberal pediu a votação na CCJ para evitar que ele seja contestado posteriormente.
O texto equipara ao terrorismo os crimes cometidos por facções e milícias voltados à dominação territorial, à intimidação coletiva e ao tráfico de drogas, entre outros.
Ele atualiza a Lei Antiterrorismo, que prevê penas de 12 a 30 anos para esses crimes, para aumentar a pena em até dois terços para comandantes e líderes de facções.
Texto do relator
O substitutivo propõe colocar condutas de "organizações criminosas, milícias e grupos paramilitares" na Lei Antiterrorismo. O substitutivo do deputado estabelece penas de 20 a 40 anos de reclusão.
Ele muda a progressão da pena para os crimes de crime hediondo, com agravantes. Agora, esse benefício só é válido com 70% da pena cumprida em caso de crime hediondo, podendo chegar a 85% se o criminoso é reincidente e o crime resultou em morte
Líderes de organização criminosa, paramilitar ou milícia também serão obrigados a cumprir a pena em presídio de segurança máxima
Ele cita quatro pontos presentes na versão da proposta petista que foram incorporados ao seu relatório: a criação de um banco nacional de membros de organizações criminosas; o afastamento cautelar de servidores públicos ligados ao crime organizado; a intervenção judicial de empresas infiltradas com faccionados, os processos de descapitalização e confisco patrimonial de membros de organizações criminosas; e o monitoramento de diálogos nos parlatórios prisionais.
Classificar facções como terrorismo expõe o Brasil a intervenção estrangeira?
O projeto de lei (PL) 1.283/2025, que pretende equiparar as facções criminosas à prática do terrorismo, expõe o Brasil à estratégia intervencionista dos Estados Unidos na América Latina, alertam especialistas em relações internacionais, terrorismo e segurança pública.
Os estudiosos apontam que o crime organizado que busca o lucro - como as organizações que movimentam bilhões com o tráfico de drogas - tem natureza distinta do terrorismo, que sempre tem um objetivo político por trás.
O jurista e professor de direito Walter Maierovitch enfatizou que são fenômenos distintos e que é preciso diferenciar método terrorista de terrorismo.
"As pessoas não técnicas fazem confusão em distinguir terrorismo com método terrorista. Por exemplo, um vizinho, depois de desavença, joga uma bomba na casa do litigante. Isso é método terrorista e não terrorismo. No direito internacional, a distinção é feita e existe a Convenção das Nações Unidas que contempla o crime organizado".
A coordenadora do núcleo de estudos de terrorismo e crime transnacional da PUC Minas Rashmi Singh explicou que o aumento do número de grupos/indivíduos designados como terroristas pelos EUA tem legitimado ações políticas e militares norte-americanas no mundo.
"Isso resultou não apenas na invasão ilegal do Iraque em 2003 (ação que levou ao surgimento da Al-Qaeda no Iraque, que não existia antes da invasão, e ao surgimento do que ficou conhecido como Estado Islâmico), mas também no surgimento de centros de detenção secretos e prisões sem julgamento e, em muitos casos, sem provas em prisões como Guantánamo", disse a especialista.
Singh explica que essas ações são ilegais segundo o direito internacional humanitário, mas que veem sendo progressivamente normalizadas nos últimos 25 anos.
"[Essa normalização] é comprovado pelo fato de o genocídio em curso em Gaza, desde 2023, ter sido justificado (e continuar a ocorrer e a ser justificado) com a linguagem do contraterrorismo e do combate a um grupo terrorista - neste caso, o Hamas", completou.
Para a professora da PUC Minas, o debate no Brasil revela a influência dos EUA no "seu quintal", uma vez que estaríamos internalizando a política de Donald Trump, que vem sendo usada para justificar as ações militares no Caribe.
"Mas a grande maioria dos países e instituições internacionais se absteve de rotular suas próprias organizações criminosas locais - como gangues britânicas ou a 'Ndrangheta [máfia] italiana' - como organizações terroristas. Não apenas para evitar a pressão e uma possível intervenção dos EUA, mas também devido à série de problemas que tal designação acarretaria", completou. (Agência Brasil)
Diferenças entre terrorismo e facções
Rashmi Singh, coordenadora do núcleo de estudos de terrorismo e crime transnacional da PUC Minas, enfatizou que facções criminosas não podem ser equiparadas ao terrorismo, pois cada tipo de crime requer respostas específicas e adequadas.
Motivações distintas
"Criminosos são motivados principalmente por lucros, enquanto terroristas são, em última análise, movidos por objetivos políticos, como mudança de regime ou concessões políticas. Isso significa que grupos terroristas não usam o crime para ganhar dinheiro para seus objetivos? Claro que não. Mas o objetivo final deles é sempre político e não financeiro", comentou.
"O terrorismo envolve sempre uma questão ideológica. Uma atuação política, uma repressão social com atentados esporádicos. As facções criminosas são constituídas por grupos de pessoas que sistematicamente praticam crimes que estão capitulados no Código Penal. Portanto, é muito fácil identificar o que é uma facção criminosa pelo resultado de suas ações", disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandoviski.
Papel dos líderes
Singh cita, como exemplo, a remoção de chefes de movimentos insurgentes ou terroristas, o que pode enfraquecê-los, já que esses grupos dependem de figuras carismáticas para manter a coesão do grupo.
Chefes de facção e rivalidades
"Em contrapartida, eliminar os chefes de organizações criminosas pode intensificar o derramamento de sangue, à medida que facções rivais se enfrentam para controlar mercados lucrativos e rotas de tráfico. Novamente, isso não significa que não haja sobreposições ou que, em alguns casos e lugares, não exista uma ligação entre crime e terrorismo - mas crime e terrorismo ainda são duas coisas muito diferentes", acrescentou.
A América Latina e a pressão de Trump
O governo de Donald Trump vem reorientando a política externa de Washington em relação à América Latina nos últimos meses, direcionando sua máquina de guerra para a região sob a justificativa de combater o que chama
de "narcoterrorismo".
"Governos alinhados ideologicamente com Trump vêm fazendo movimentos para autorizar a implantação de bases dos EUA e a atuação direta de forças especiais daquele país em seus territórios, como no Peru, no Equador e na Argentina, além do posicionamento da frota naval dos EUA na frente da Venezuela, com o pretexto de enfrentar o tráfico de drogas", escreveu Alberto Kopittke, em artigo na Washington Brazil Office (WBO), organização que estuda as relações Brasil-EUA.
No mesmo dia da operação policial no Rio de Janeiro, o governo de Javier Milei, na Argentina, aliado de primeira ordem de Trump, afirmou que iria classificar as facções brasileiras como terroristas.
Também ex-diretor da Secretária Nacional de Segurança Pública, Alberto Kopittke afirma que o governo brasileiro precisa tomar medidas urgentes para "bloquear o movimento geopolítico que tem sido feito, que utiliza esse grave problema para outros interesses".
Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) comentou postagem do secretário da Guerra dos EUA, Pete Hegseth, pedindo para que as forças armadas americanas viessem ao Brasil "ajudar" a combater grupos criminosos internos.
Trump na América Latina
No primeiro dia do mandato, o presidente Donald Trump assinou a ordem executiva 14157, classificando cartéis de drogas como organizações terroristas globais, o que abriu a possibilidade de atuação das forças armadas dos EUA diretamente contra essas organizações.
Ainda em fevereiro deste ano, os EUA determinaram que oito organizações narcotraficantes passassem a ser consideradas terroristas, principalmente no México, América Central e Venezuela.
Em maio, comitiva do governo Trump questionou o governo brasileiro sobre a classificação das facções que atuam no país, como PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho), como terroristas. (Agência Brasil)
Relatório
Veículos de imprensa como CCN Brasil e O Globo informaram, logo após a operação policial no Rio de Janeiro que matou 121 pessoas, com base em fontes não identificadas "próximas ao governador", que o Governo do Estado enviou relatório ao governo Trump detalhando a atuação das facções no Estado e argumentando que isso seria terrorismo. A administração Cláudio Castro não
se manifestou