O Grupo de Comunicação O POVO recebeu, na manhã desta quarta-feira, 12, o jurista, professor e magistrado aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, que está lançando o livro "O Mercado da Morte – Conexões e Realidades". O lançamento aconteceu esta noite, ontem, na Casa Vida&Arte, na Casa Cor Ceará 2025.
Maierovitch participou do programa O POVO no Rádio, da Rádio O POVO/CBN, e explicou que o livro trata da violência e da relação com o Estado, o sistema que vai do tráfico internacional de armas aos jogos políticos. Ele lembrou que o livro fecha uma trilogia. Além da entrevista, o jurista participou ainda de debate exclusivo com um grupo selecionado de 30 convidados do O POVO, no Espaço O POVO de Cultura&Arte.
"O primeiro livro é sobre as novas tendências da criminalidade transnacional mafiosa, o segundo é sobre os conceitos de criminalidade organizada e o terceiro vem aqui para mostrar não só o direito internacional, mas parte de uma frase: 'Se queres a paz, prepare-se para a guerra'. É uma frase muito antiga, do tempo do Império Romano. A partir daí desenvolvo vários aspectos sobre as convenções internacionais, sobre o tráfico de armas, sobre os senhores da guerra, sobre a jurisdição internacional", explicou.
O professor, que foi consultor da Organização das Nações Unidas (ONU), especificamente no combate a organizações criminosas transnacionais e máfias italianas, falou da atual discussão vigente no País, sobre equiparar ou não o crime organizado ao terrorismo.
"Vejo esse bate-cabeça horroroso entre o relator, o secretário Derrite e, do outro lado, o governo federal, que é o autor do projeto de lei antifacção. E a pergunta que não quer calar é: para quê esse bate-cabeça? Será que eles não leram a Convenção das Nações Unidas? Será que desconhecem o direito internacional e o que diz lá? Veja, a convenção que eu estou falando (foi) subscrita pelo Brasil e foi aprovada pelo Congresso", explica.
Maierovitch continua a argumentação: "Estou falando da Convenção de Palermo, que é a primeira convenção sobre crime organizado mafioso, de matriz mafiosa, e estou falando de uma convenção que o Congresso aprova, então, na hierarquia das leis, ela está só abaixo da Constituição. Está acima da lei ordinária, então é algo que nós temos e o que faz essa convenção? Ela tem força de lei, define crime organizado e, mais do que isso, na convenção durante os trabalhos se ficou colocado que se tinha que ter uma definição minimalista", pontuou.
Para ele, se a definição para terrorismo for muito ampla, pode haver problemas, por exemplo, na questão de um possível pedido de extradição de criminosos. Ao determinar que crime organizado é terrorismo, ele continua, o Brasil pode criar para si problemas diversos, inclusive de cunho econômico.
"Uma empresa que faz negócios com o Brasil, de repente, no país dela, por exemplo, os Estados Unidos, a Lei Magnitsky fala: 'Olha, você não pode fazer negócio com o Brasil, porque o Brasil é um narcoestado terrorista'. Então, pode ter prejuízo até econômico nesse sentido", exemplificou.
Maierovitch recorreu novamente à Convenção das Nações Unidas para diferenciar as duas coisas.
"A primeira coisa é: o que eles querem? O PCC, por exemplo, tem alguém de esquerda? Tem alguém da direita? Tem alguém com ideologia política? Zero! O que eles querem é o lucro, esse tipo de organização, que é a mesma coisa da Cosa Nostra siciliana ou da Cosa Nostra americana, o que eles querem é lucro", pontuou.
Já o terrorismo, segundo o jurista, não pensa no lucro. "(O terrorismo) pensa na ideologia. Então é uma violência política ideológica. Vamos pensar no 11 de setembro de 2001, Torres Gêmeas e Pentágono, Al-Qaeda, queriam algum dinheiro? Não, eles queriam desmoralizar o Estado americano e a cultura ocidental", exemplificou.
Além de objetivos diferentes, o professor cita outros pontos em que se diferem. "O crime organizado tem controle de território, as máfias têm controle de território e, quem tem controle de território, tem controle eleitoral, evidentemente. E o terrorismo não tem território, não tem controle de território, são células, se atua na clandestinidade, disfarçadamente", explicou.
Ele não admite a junção de ambos os conceitos, embora faça uma diferenciação entre terrorismo e atitude terrorista.
"Tem todo um contexto internacional para definições. Terrorismo é definido, existe associação delinquencial de matriz mafiosa (PCC, Comando Vermelho) e existe a associação delinquencial terrorista. Na exaltação, um dos vizinhos resolve colocar uma bomba no carro 0 km, novinho em folha, do outro vizinho, que comprou. Ele é terrorista? Evidentemente que não, ele usou método terrorista? Sim, usou o método terrorista", disse, lembrando da máfia italiana, que utilizava métodos terroristas.
Diante das diferenças entre as questões, o professor define como "bagunça" a proposta do deputado Guilherme Derrite (PP), que se licenciou do cargo de secretário de Segurança de São Paulo para relatar projeto, tipificando a atuação do crime organizado como atitude terrorista.
Para ele, unir as duas coisas só pode ser sugestão de quem não entende nada do assunto, ou tem um populismo a operar.
"Esse secretário de Segurança é um populista, que joga em cima do acontecido no Rio de Janeiro. É candidato ao governo do Estado de São Paulo, na hipótese do governador de São Paulo sair candidato à Presidência da República. Se não, é candidato ao Senado, com a mesma bandeira que o elegeu deputado federal. Qual é? 'Capitão Derrite da Rota'. Tem o populismo e a falta de informação", explicou.
Maierovitch criticou diretamente o relator pelas bandeiras que defende. "Tem formação de policial militar, comandou a Rota, que combate com violência, tem várias mortes no currículo, no exercício da tarefa. Traz consigo aquela bandeira estúpida do 'bandido bom é bandido morto'. É desumana, o bandido tem que ir pra cadeia cumprir a pena, porque as penas têm uma finalidade. Aí ele vem com isso e mistura terrorismo, mistura banana com abóbora", lamentou.
O professor acredita que a aprovação popular da megaoperação contra o crime organizado que culminou com 121 mortes no RJ, serviu como combustível para a discussão ser levantada.
"Em um momento em que politicamente o Lula estava se recuperando - eu não entendo de política, só estou dando o quadro de situação - então o que acontece? Se começa a explorar isso e, veja o que diz o Trump, que tem uma ideologia dessa igual, o que ele fala, qual é o termo que ele usa? 'Narcoterrorismo'. Por que que ele usa essa expressão narcoterrorismo? Porque com o terrorismo colocado como narcoterror, como uma coisa só, ele não precisa de autorização do Congresso para encostar uma frota naval na Venezuela", explica, acrescentando: "Não estou defendendo Venezuela, não defendo ditadores, defendo soberania", argumentou.
O jurista finaliza explicando que unir tudo em uma coisa só faz com que o tema se torne uma bandeira política e não um combate real aos problemas.
"Ele (Trump) não precisa de autorização, porque está usando o narcoterrorismo como uma coisa só e ele está acusando o presidente da Venezuela de ser narcoterrorista. O que que a gente tem aqui no Brasil? Se teve essa mesma ideia, crime organizado, e qual é o carro-chefe? Drogas. Então junta essa mesma coisa para cair num universo internacional de ataque ao narcoterrorismo, vira uma bandeira política", concluiu.