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Por que cada vez mais países querem impedir crianças e adolescentes de usar redes sociais
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Por que cada vez mais países querem impedir crianças e adolescentes de usar redes sociais

Austrália, Dinamarca e outros países buscam restringir ou até proibir menores de idade de acessar redes sociais. Mas há o receio de que jovens sejam empurrados para os "cantos mais obscuros" da Internet
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Inteligência artificial tem impulsionado imagens de abuso na internet (Foto: )
Foto: Inteligência artificial tem impulsionado imagens de abuso na internet

O governo da Dinamarca chegou a um acordo para proibir que menores de 15 anos acessem redes sociais. Em setembro, a primeira-ministra Mette Frederiksen apresentou o projeto de lei para restringir o uso de plataformas digitais devido a preocupações com a saúde mental de crianças e adolescentes. A maioria dos partidos no Parlamento agora afirma que apoiará o plano.

O plano dinamarquês segue o exemplo da Austrália que, em dezembro, se tornará o primeiro país a proibir redes sociais para crianças, estabelecendo uma idade mínima de 16 anos. A medida foi votada no fim de 2024 e entrará em vigor no próximo dia 10 de dezembro.

A legislação australiana prevê multas de até 50 milhões de dólares australianos (R$ 173 milhões) para aplicativos deste tipo que permitam que menores de 16 anos criem contas.

No começo de novembro, o país adicionou o fórum Reddit e a plataforma de streaming Kick à lista de redes sociais que serão banidas a crianças e adolescentes. Essas plataformas se juntarão ao Facebook, Instagram, Snapchat, Threads, TikTok, X e YouTube.

No fim de outubro, Meta e TikTok confirmaram que proibirão o acesso de menores de 16 anos na Austrália, em conformidade com as exigências do governo.

A diretora de política interna da Meta, Mia Garlick, explicou que a empresa americana ainda enfrenta "muitos desafios", mas será capaz de eliminar centenas de milhares de contas de usuários menores de 16 anos antes da data limite.

No papel, a lei é uma das mais rigorosas do mundo e expõe as empresas infratoras a multas de até 32 milhões de dólares. Apesar das exigências, Canberra não solicita às plataformas sociais que verifiquem a idade de todos os usuários.

O setor de tecnologia criticou a lei australiana. Empresas do setor a consideram "vaga", "problemática" e "precipitada". "Especialistas acreditam que uma proibição vai empurrar os mais jovens para os cantos mais obscuros da Internet, onde não existem proteções", advertiu Woods-Joyce, do TikTok.

No fim de julho, o Reino Unido implementou uma nova regulamentação que obriga aplicar controles rigorosos de idade em sites, redes sociais e plataformas de vídeo.

Na Noruega, o governo estabeleceu o objetivo de fixar a idade mínima de acesso em 15 anos, mas por enquanto não definiu um prazo limite nem um roteiro para sua aplicação.

Na China, onde a internet é estritamente controlada, existem, desde 2021, medidas para restringir o acesso de menores, com a obrigação de se identificar através de um documento de identidade. Os menores de 14 anos não podem passar mais de 40 minutos por dia no Douyin, a versão chinesa do TikTok, e o tempo de jogo online para crianças e adolescentes está limitado.

"A Dinamarca está agora dando um passo inovador rumo à introdução de limites de idade para as redes sociais", disse o Ministério da Digitalização do país em comunicado em 7 de novembro. "Isso está sendo feito para proteger crianças e jovens no mundo digital."

"Como ponto de partida, crianças menores de 15 anos não devem ter acesso a plataformas que possam expô-las a conteúdos ou recursos prejudiciais", afirmou a nota. O ministério não especificou quais plataformas serão afetadas ou como a proibição será aplicada. Maiores de 13 anos poderão contornar o veto se houver autorização dos pais ou responsáveis.

Como parte do acordo, a supervisão da Lei de Serviços Digitais da União Europeia será reforçada, e recursos serão destinados para apoiar o desenvolvimento de plataformas alternativas. Ainda serão feitos esforços extras para combater publicidade ilegal por influenciadores, segundo o comunicado.

Os legisladores dinamarqueses "deixam claro que as crianças não devem ficar sozinhas em um mundo digital onde conteúdos prejudiciais e interesses comerciais têm influência excessiva na forma como suas vidas e infâncias são moldadas", afirmou o ministério.

A pasta argumenta que as redes sociais levam a problemas para dormir, dificuldade de concentração e pressão crescente sobre crianças e adolescentes por meio de "relações digitais nas quais os adultos nem sempre estão presentes".

"Estamos tomando uma posição necessária contra um desenvolvimento em que grandes plataformas de tecnologia tiveram livre acesso aos quartos das crianças por tempo demais", disse a ministra da Digitalização, Caroline Stage.

Na França, uma lei aprovada em junho de 2023 estabeleceu uma "maioridade digital" aos 15 anos, mas nunca entrou em vigor devido às dúvidas sobre sua conformidade com a legislação europeia. Desde o início do ano, foi imposto aos sites pornográficos uma verificação rigorosa da idade dos internautas.

Em outubro, uma comissão parlamentar francesa sobre o TikTok defendeu que menores de 15 anos no País deveriam ser proibidos de usar as redes sociais e as pessoas com idades entre 15 e 18 anos deveriam seguir um "toque de recolher digital" noturno, com  objetivo de tentar conter uma "armadilha algorítmica" perigosa para os mais jovens.

As recomendações foram apresentadas em relatório elaborado pelos membros da comissão, após meses de depoimentos de famílias, executivos de redes sociais e "influenciadores" para analisar o algoritmo do TikTok, um aplicativo de vídeos curtos muito popular entre os jovens.

O gabinete do presidente Emmanuel Macron já afirmou que queria proibir o uso por crianças e adolescentes, depois que a Austrália anunciou no ano passado que adotaria leis para impedir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais.

A comissão foi criada em março para examinar o TikTok e seus efeitos psicológicos sobre os menores de idade, após uma ação apresentada em 2024 contra a plataforma por sete famílias que a acusaram de expor seus filhos a conteúdos que incitavam o suicídio.

Para o presidente da comissão, Arthur Delaporte, "o TikTok colocou deliberadamente em risco a saúde e a vida de seus usuários". "Não há dúvida de que a plataforma sabe o que está falhando, que seu algoritmo é problemático", acrescentou.

Representantes do TikTok declararam à comissão que o aplicativo utiliza um sistema de moderação aprimorado com Inteligência Artificial que, no ano passado, detectou 98% do conteúdo que infringia suas condições de uso na França.

Segundo os legisladores, as medidas são insuficientes e as normas do TikTok são "muito fáceis de contornar". 

O relatório da comissão recomenda que a proibição para menores de 15 anos possa ser ampliada até os 18 anos se, nos próximos três anos, as plataformas não respeitarem a legislação europeia.

A proposta de "toque de recolher digital" para pessoas de 15 a 18 anos consiste em que as redes sociais não estejam disponíveis para esta faixa etária das 22 horas às 8 horas. (DW e AFP)

Investigação sobre TikTok e o suicídio de menores

A Justiça francesa abriu investigação preliminar no começo de novembro após uma comissão parlamentar denunciar a "facilidade de acesso" de menores ao TikTok, cujo algoritmo é "susceptível de levar" os mais "vulneráveis ao suicídio".

A nova investigação abrangerá diversas infrações, incluindo a "propaganda a favor de produtos, objetos ou métodos recomendados como meios para cometer suicídio", um crime cuja pena é de três anos de prisão e multa de 45 mil euros (R$ 275 mil), segundo comunicado da procuradora Laure Beccuau.

Ao se aprofundar sobre esse aplicativo tão popular entre os jovens, a comissão parlamentar de inquérito encontrou "um oceano de conteúdos nefastos", com vídeos que "promovem o suicídio e a automutilação" e "uma exposição à violência em todas as suas formas".

Tudo isso potencializado por poderosos mecanismos de recomendação que prendem os jovens em bolhas nocivas, segundo a comissão.

Um porta-voz do TikTok, de propriedade da empresa chinesa ByteDance, rejeitou "categoricamente" em setembro a "apresentação enganosa" da comissão, considerando que os deputados buscam transformar a empresa "em bode expiatório diante de desafios que afetam todo o setor e a sociedade". (AFP)

Character.AI proibirá menores de falar com IA

A Character.AI anunciou que proibirá o acesso à plataforma para menores de 18 anos, uma decisão que chega após a divulgação de um processo contra a empresa pelo suicídio de um adolescente de 14 anos que se envolveu emocionalmente com o chatbot.

A empresa afirmou que incentivará os usuários mais jovens a utilizarem ferramentas alternativas, como criação de vídeos, histórias e transmissões com personagens de inteligência artificial (IA).

A proibição valerá a partir de 25 de novembro. Até lá, limitará o uso do chat para menores de idade a duas horas por dia.

"Estes são passos extraordinários para nossa empresa e, em muitos aspectos, são mais conservadores do que os de nossos pares", disse a Character.AI em comunicado. "Mas acreditamos que é o que devemos fazer."

A Character.AI permite que os usuários — muitos deles adolescentes — interajam com personagens criados por IA como se fossem seus confidentes ou namorados.

Sewell Setzer III se suicidou em fevereiro após meses de trocas íntimas com um chatbot inspirado na personagem Daenerys Targaryen da série Game of Thrones, segundo o processo apresentado por sua mãe, Megan Garcia, contra a Character.AI.

Além de Setzer, este ano foram registrados vários casos de suicídios supostamente vinculados à interação com chatbots de IA, o que levou a OpenAI, criadora do ChatGPT, e outras empresas a implementar medidas de proteção aos usuários. (AFP)

Proibir redes sociais para menores, um quebra-cabeça difícil de resolver

Por que vários países querem impor proibição?

O uso das redes sociais por parte de crianças e adolescentes tem gerado preocupação, principalmente sobre o tempo que passam em frente às telas e à falta de moderação nos conteúdos.

Segundo Lucile Coquelin, professora de Ciências da Informação e da Comunicação, existe "risco considerável de exposição a conteúdos claramente inadequados para menores", como "comentários misóginos", "imagens violentas" e "discursos extremos".

Também aponta o risco de sua própria exposição "por meio de fotos, vídeos e informações de caráter pessoal" que depois podem ser usadas contra si. 

Dificuldades

Para Olivier Ertzscheid, professor de Ciências da Informação na Universidade de Nantes (França), a aplicação desta medidas levanta essencialmente problemas de compatibilidade entre o direito e a técnica.

"Do ponto de vista jurídico, isto já existe: quando você registra em uma plataforma, pedem a sua idade", aponta. Mas para estabelecer um controle eficaz, "somos obrigados a abrir uma lacuna no âmbito do respeito à vida privada", comenta.

Alguns aplicativos, como a rede social francesa Yubo, recorrem à empresa britânica Yoti, que desenvolveu um sistema de avaliação de idade baseado em inteligência artificial a partir de uma imagem. Mas esse tipo de dispositivo é muito pouco comum.

A Comissão Europeia anunciou, em meados de julho, que disponibilizava para cinco países da UE, incluindo França e Espanha, uma ferramenta informática para a
verificação da idade.

Vários aplicativos como o Tiktok já verificaram uma idade mínima em alguns casos, como para iniciar uma transmissão ao vivo ou comercializar serviços digitais, aponta Lucile Coquelin.

Mas a plataforma de vídeos curtos se recusa por enquanto a generalizar esta medida para todas as contas, já que, segundo declarou em sua audiência perante uma comissão parlamentar francesa em junho, "essa reflexão" deve ser feita "a nível de todas as plataformas".

Regulamentação no Brasil

Em agosto, o Congresso Nacional brasileiro aprovou lei que amplia as obrigações das plataformas digitais para proteger menores nas redes sociais, após um escândalo envolvendo o influenciador Hytalo Santos, acusado de suposta exploração sexual infantil. O novo texto obriga as plataformas a comunicar às autoridades os conteúdos de aparente exploração e abuso sexual.

As plataformas também deverão vincular as contas de usuários menores de 16 anos às dos pais, que poderão controlar a atividade dos filhos nas redes sociais. O texto também obriga as plataformas a implementar controles mais rigorosos sobre a idade dos usuários.

O Congresso rejeitou a autodeclaração como método de verificação e exigiu que as redes sociais "melhorem continuamente seus mecanismos de verificação de idade". As empresas que descumprirem as novas disposições serão sancionadas com multas que podem chegar a R$ 50 milhões, suspensões ou, em casos de reincidência, proibição.

Frase

"Grandes plataformas de tecnologia tiveram livre acesso aos quartos das crianças por tempo demais"

Caroline Stage, ministra da Digitalização da Dinamarca

 

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